Especialista acha difícil resolver caso Marielle

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Foto: Reprodução

Um dos principais pesquisadores das milícias e grupos de extermínio do Rio de Janeiro, o sociólogo José Cláudio Souza Alves pinta a investigação da morte da vereadora carioca Marielle Franco como exemplar do funcionamento dos grupos criminosos fluminenses. Nos mais de cinco anos de apurações, que agora têm novos ares com o inquérito da Polícia Federal, o caso foi marcado por interferências e pela dificuldade de chegar ao mandante do crime. “É emblemático. O caso Marielle é a prova de como a milícia tem poder e força, é o grande caso que ilustra o poder miliciano no Rio de Janeiro. Porque bloqueiam em todas as instâncias do Estado, têm acesso a informações, a imagens das câmeras, apagamento de pistas e de testemunhas”, elenca o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”. Na segunda-feira (24), a Polícia Federal e o Ministério Público do Rio prenderam um antigo personagem da investigação, o ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, e cumpriram sete mandados de busca e apreensão. Na delação de Élcio de Queiroz, motorista do carro do crime, também surgiu um novo nome – Edmilson Oliveira da Silva, o “Macalé” – que teria intermediado a contratação do ex-policial Ronnie Lessa para efetuar os disparos. Segundo o ministro da Justiça, Flávio Dino, novas operações tendem a acontecer nas próximas semanas, com base no que for descoberto nos materiais apreendidos e nas pistas ainda sigilosas dadas por Queiroz na delação. Milícia chegou a patamar que não recua com apenas um caso resolvido.” — José Souza Alves Mesmo com o andamento e a sinalização de que novidades estão por vir, Souza Alves é pessimista. “É impressionante esse poder miliciano. É um poder que atravessa todas as estruturas que você pode imaginar. Há uma conexão entre os grupos de extermínio e a estrutura policial, que é a base de tudo e é quem manipula toda a estrutura de investigação na ponta”, observa. “Cinco anos depois, não sei se vai avançar agora, porque o caso mostra uma estrutura miliciana tão perfeita, organizada e bem articulada que vai bloquear [avanços]. É difícil rastrear isso para trás.” Se o caso joga luz sobre a lógica miliciana da metrópole, não deve, contudo, servir para constranger os criminosos daqui para frente se for desvendado, avalia o sociólogo. “A milícia hoje chegou a um patamar que não tem mais um possível recuo com apenas um caso resolvido, por maior que seja. Teria que ter uma estrutura permanente de combate, que não vejo hoje em nenhuma estrutura do Poder.” Morador e estudioso da Baixada Fluminense, que tem quase 4 milhões de habitantes, ele alfineta, nesse sentido, a entrada de Daniela Carneiro no Ministério do Turismo, onde ficou até este mês. Desde o início do governo, foram reveladas supostas relações do grupo político dela com milicianos da região, algo que a deputada sempre negou. “Se uma estrutura política como aquela, de uma cidade de meio milhão de habitantes, como Belford Roxo, foi capaz de alcançar primeiro escalão do governo Lula, o que fazer?”, questiona. Essa estrutura, diz, está numa “teia de complexidade muito acima de um caso ou outro”. Financia campanhas políticas e até igrejas evangélicas nas áreas mais pobres do Estado. “A milícia ganhou hoje uma projeção que não temos sequer ideia. Estão inclusive disputando territórios entre si, e o tráfico vê isso como interessante e passa a disputar com eles para tentar retomar áreas”, afirma. “A polícia, então, passa a se render também ao tráfico, porque identifica a milícia em tal grau de autonomização que enxerga nos traficantes uma oportunidade às vezes até melhor para lucrar.” É esse cenário de domínio dos grupos armados que faz Souza Alves traçar um diagnóstico cético da situação do Rio: “Somos uma cidade rendida, morrendo de medo desses caras”, resume.

Valor Econômico