Justiça censura denúncia da revista Piauí contra Bolsonaro

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A Justiça do Distrito Federal censurou, em decisão liminar, um trecho de reportagem da revista Piauí, publicada em sua edição de junho, sobre mudanças feitas no governo Jair Bolsonaro (PL) para o esvaziamento do Programa Mais Médicos e suspeitas de irregularidades no seu substituto, o Médicos pelo Brasil. A decisão determinou a retirada de nomes citados no site e na edição impressa da revista, o que, na prática, significa o recolhimento de exemplares físicos nas bancas.

O texto da reportagem faz referência a casos de amigos de dirigentes da Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps), criada em 2020 e responsável pelo programa Médicos pelo Brasil, contratados para cargos no órgão. O tema é investigado por uma comissão criada, em fevereiro, no governo Lula, com o objetivo de apurar denúncias de irregularidades na Adaps e que reúne integrantes do Ministério da Saúde, Controladoria-Geral da União (CGU) e Advocacia-Geral da União (AGU). O Tribunal de Contas da União (TCU) também analisa as denúncias.

De acordo com a revista Piauí, foi justamente um casal citado em trecho sobre as contratações que entrou com o pedido de censura na Justiça, sob a alegação de que o conteúdo trazia “fato inverídico”. A defesa também pediu para que a revista fosse proibida de fazer menção aos seus nomes em futuras matérias sobre o caso.

A liminar para a remoção dessa parte da reportagem foi concedida em 20 de julho pelo juiz Hilmar Castelo Branco Raposo Filho, da 21ª Vara Cível do Distrito Federal. Após a Piauí recorrer, a decisão foi confirmada em segunda instância pelo desembargador Robson Teixeira de Freitas, também da Justiça do DF. A revista argumentou que “o conteúdo da matéria é estritamente narrativo, baseado em documentos oficiais e fontes fidedignas” e ressaltou que a existência de indícios de irregularidades levou a uma investigação interna sobre o assunto. Também apontou que a medida contraria entendimentos sobre liberdade de expressão e exercício do jornalismo já sacramentos em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A determinação da Justiça foi criticada por associações de jornalismo, que apontam violação à Constituição e censura. Em depoimento à revista, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, classificou a decisão como absurda. “A decisão é, na prática, uma censura aos conteúdos jornalísticos e, por si, absurda, uma vez que a supressão de trechos de exemplares já distribuídos é impraticável, além de apenas chamar ainda mais atenção para o caso e os personagens envolvidos. É também uma violação clara dos preceitos da Constituição brasileira, que não admite censura à imprensa de nenhuma forma. A ANJ espera que a decisão seja revista e anulada o quanto antes, como forma de preservar os princípios mais básicos da Constituição e da liberdade de imprensa”, apontou.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) também se posicionaram contra a decisão. Presidente da Abraji, Katia Brembatti, considerou a medida inaceitável e ressaltou que “decisões liminares, sem análise de mérito, têm sido usadas de forma equivocada”. “Só se aplicaria a remoção de conteúdo em caso de erro ou inverdade, o que não é o caso”, criticou.

Já Samira de Castro, presidente da Fenaj, vê a decisão como um ato autoritário: “Trata-se de uma decisão que prejudica duplamente a revista e todo o seu público: primeiro pelo ato autoritário de censura a um conteúdo apurado com rigor e ética, seguindo o preceito norteador da atividade jornalística que é o de levar à população a informação de relevante interesse público; e segundo pela obrigação de recolhimento de exemplares impressos, causando um dano material à piauí, na medida em que a reimpressão embute custos adicionais ao veículo”, declarou à revista.

O Globo