Ministra da Ciência e Tecnologia deve resistir a reforma ministerial

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Foto: Gesival Nogueira Kebec/Valor

Presidente nacional do PCdoB, a ministra da Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, está à vontade na pasta, que já empenhou R$ 5,1 bilhões dos recursos do Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia (FNDCT), recentemente recomposto de R$ 6 bilhões para cerca de R$ 10 bilhões. “Esse negócio de gastar é comigo mesmo. Gastar bem. Investir. Já fui prefeita de uma cidade pobre [Olinda (PE), entre 2001 e 2008], dinheiro pouco eu conheço bem. Dinheiro muito fica mais fácil ainda”, afirmou em entrevista ao Valor. Ela admite, entretanto, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa garantir governabilidade no Congresso e ceder espaço para forças políticas que não apoiaram sua eleição. “Embora a gente tenha vencido as eleições, a correlação de forças é ainda mais adversa do que a de quatro anos atrás”, disse, em referência ao pleito de 2018, ganho pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Ela lembra que os partidos que apoiaram Lula no primeiro turno somam 121 deputados federais. Estes mesmos partidos em 2018 elegeram 139. O PCdoB tinha 9 deputados e ficou com 7. A ministra reconhece que “nos ciclos políticos lá atrás o Lula teve, como qualquer governo, que garantir uma base política que desse tranquilidade nas votações que o Executivo considera relevante e tocá-las. Isso sempre existiu e sempre existirá”. Luciana Santos é alvo de especulações dentro da reforma ministerial que deve ser feita no próximo mês para abrigar no governo integrantes do PP e do Republicanos, que no ano passado apoiaram o governo de Jair Bolsonaro (PL). Em um dos balões de ensaio que circularam, ela seria deslocada para a pasta das Mulheres, hoje comandada pela petista Cida Gonçalves, que seria reforçada com a gestão do Programa Bolsa Família. A ministra diz que não vê “nenhuma base” nesse possível rearranjo. Afirmou que considera importante que o PCdoB esteja no ministério. “Sempre fomos aliados a esse projeto. Buscar a governabilidade não quer dizer excluir os partidos de afinidade mais programática e política, que ajudam a dar perspectiva ao governo. Em qualquer circunstância, a decisão estará com o presidente Lula. O que nós achamos é que somos um partido necessário”, disse. Sempre fomos aliados a esse projeto. […] O que achamos é que somos [o PCdoB] um partido necessário” A pasta de Ciência e Tecnologia tem como seu principal ativo a gestão do FNDCT, que financia projetos de inovação, em grande parte do setor privado. O FNDCT é operado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência comandada por Celso Pansera, ex-deputado federal pelo MDB do Rio e mais recentemente com ligações políticas com o PT fluminense. No governo Bolsonaro, os recursos do FNDCT foram cortados. Uma medida provisória de Bolsonaro contingenciava recursos até 2026 e liberava para o fundo apenas R$ 6 bilhões este ano. Lula deixou a MP caducar e apresentou um projeto de lei, aprovado em maio, restabelecendo o valor para R$ 10 bilhões. Pelas regras aprovadas, metade do FNDCT este ano será concedida a fundo perdido (não reembolsável) e metade com correção pela TR, e não mais pela TJLP, como era até o ano passado. O governo apresentou 10 planos de ação novos, voltados para as áreas de reindustrialização, ciência nuclear, aeroespacial, defesa e tecnologia para desenvolvimento social. Nos primeiros meses do governo o ministério priorizou a liberação de recursos não reembolsáveis, represados do governo passado. No segundo semestre deve acelerar a concessão de crédito para o setor privado. Esta semana o Conselho do FNDCT aprovou o Plano Anual de Investimentos para a liberação de linhas que somam R$ 4,9 bilhões. De acordo com a ministra, o tempo médio entre a apresentação de um projeto e a liberação é de 120 dias. Para 2024, a ministra acredita que o FNDCT irá se expandir. Ela acredita em um crescimento de 30% no montante do fundo, o que significa R$ 3 bilhões a mais. A projeção, ainda preliminar, leva em conta o desempenho das cadeias produtivas que abastecem o orçamento do fundo. O FNDCT recebe uma parcela de royalties da produção de petróleo e gás natural, um percentual da receita de empresas de energia elétrica, de contratos de concessão, do faturamento de empresas de informática, além da receita da Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide), que incide sobre derivados de petróleo. Tornar o país autossuficiente em áreas estratégicas, substituindo importações por produção industrial nacional, é uma das metas da gestão da ministra. Alguns dos projetos do ministério, contudo, andam mais devagar. É o caso por exemplo da reativação da Ceitec, estatal produtora de semicondutores que Bolsonaro colocou em liquidação. Um Grupo de Trabalho foi criado para apresentar uma proposta para o arranjo institucional que permitiria a volta da empresa, mas ainda não apresentou sua conclusão. Luciana Santos disse não ter como afirmar se a empresa conseguirá ao fim do governo Lula ter a mesma fatia de mercado que chegou a ter antes do governo Bolsonaro: 45% da demanda por chip veicular, por exemplo. “Ainda estamos fazendo os estudos”, afirmou. A ministra disse que o governo pretende atrair cientistas brasileiros que estão no exterior e um dos mecanismos para isso será a renegociação das dívidas de bolsistas que não cumpriram as contrapartidas das agências financiadoras. Ela afirmou não ter como dimensionar qual a magnitude desta “fuga de cérebros” que se pretende reverter. “É um levantamento que estamos fazendo ainda. A Capes está mapeando, sistematizando os números. Mas ele é empírico. Em todo lugar que você chega há um testemunho a ser dado sobre o assunto”, disse a ministra. O governo considera ainda flexibilizar as regras da concessão de bolsas, de modo a permitir que bolsistas possam trabalhar sem perder a subvenção. Mas sinalizou que a proposta não está amadurecida: “São ideias que ainda estão em elaboração. São ideias soltas, sem início, meio e fim. Esse é um caminho que é preciso considerar, claro que com cuidados”, afirmou. A ministra atribui à dedicação exclusiva uma explicação para o bom desempenho do Brasil em produção científica – o país é o 13º o ranking mundial. “O bolsista tem perspectiva de carreira, de concurso público, em que a dedicação exclusiva é necessária”, disse.

Valor Econômico