MP do Rio se defende de críticas no caso Marielle

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Foto; Reprodução/VEJA

Titular da Procuradoria Geral de Justiça do estado do Rio de Janeiro, Luciano Mattos defende o protagonismo do Ministério Público estadual na parceria que garantiu capítulos decisivos na investigação da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, há cinco anos, na capital fluminense. Sustenta que foi dele a iniciativa de procurar o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, para organizar a troca de informações. E acredita em delações sequenciais, a partir da colaboração do ex-PM Élcio Queiroz, que levou a novas vertentes da investigação. O procurador foi reconduzido ao cargo pelo governador do Rio, Cláudio Castro (PL), em janeiro de 2023. Foi o segundo colocado na lista tríplice escolhida pelos promotores e procuradores do MP do estado. Essa parceria em torno do caso Marielle se deu entre dois governos que não se alinham do ponto de vista político. Primeiro se falava em federalização que acabou não acontecendo de fato. Como foi a conversa primeira com o ministro Flávio Dino? Em março criei uma força tarefa com dedicação exclusiva, demonstrando à sociedade e às famílias a importância que estávamos dando a essa investigação. A investigação caminhou. Houve muita diligência. Me recordo de uma dificuldade de obtenção de dados com Facebook, com o Google. No início deste ano o ministro Flávio Dino se manifestou várias vezes colocando como prioridade a investigação. Tão logo fui nomeado, na primeira quinzena de fevereiro, pedi uma reunião a ele. Ele me recebeu muito bem, e levei dois itens na pauta. Porque existe uma legislação que permite a atuação da Polícia Federal em caso de competência estadual. Mas foi o senhor próprio que levou a questão? Não foi iniciativa do governo federal? O ministro estava recorrentemente falando, e nossa avaliação, do Ministério Público, dado o tempo e das cobranças públicas, era uma medida muito bem vinda. Eu fiz esse movimento com o caso Marielle e Anderson e também com outras questões complexas como a criminalidade transfronteiriça. Acredito muito no trabalho de cooperação. Nossa força tarefa foi revigorada, novos colegas virão. A Polícia Federal revisitou as provas, aprofundou a investigação e veio a delação. Depois a operação. O senhor então procurou o ministro da Justiça antes? A decisão do governo federal sobre a participação na investigação do caso foi tomada mesmo antes da posse. Ele (Flávio Dino) falava na importância do caso, que é preciso ter resposta. E eu disse: vamos lá, vamos trabalhar em conjunto, somar a Polícia Federal a esse contexto. Foi uma coordenação geral nossa e a expectativa é que isso pudesse trazer bons resultados. Mas a leitura é que só caminhou depois da entrada da Policia Federal no caso. Eu não faço essa leitura. É uma soma. Essa é uma fase importante, a de encontrar os executores. Foi um crime bem articulado, planejado. A participação dos executores foi uma investigação feita pela Polícia Civil. A segunda parte será mais complexa. Às vezes é importante um mesmo olhar sobre a mesma prova. Mas o que fez o delator falar apenas agora? E falar à Federal e não à Polícia Civil. Ele fez uma opção. Mas hoje, em 2023, há mais provas contra o delator. Isso por conta da participação da PF. Isso, na avaliação de pessoas próximas a ele, o levou a decidir. É intuitivo dizer que ninguém vai delatar se não for imaginar que não terá uma condenação, caso não o faça. Eu acredito que todas essas provas não tenham sido reunidas nesse período (de parceria com a Polícia Federal). Foram complementadas. Talvez o reforço do que foi apurado pela Polícia Civil tenha sido um dos fatores que tenha contribuído para a delação. Tanto que a delação do Elcio também pode contribuir para outras delações. Houve algum constrangimento das forças estaduais em relação a essa parceria? Não. Porque a iniciativa foi nossa. Foi de buscar mais apoio. Mas o ministro Flávio Dino, ao oficiar a Polícia Federal, fala na lentidão na investigação. Isso foi após a nossa reunião. Tenho quase certeza. Será que tudo foi feito só nesses meses? Não foi. Muita coisa aqui foi construída ao longo desses cinco anos até chegar nos executores. Na verdade foram complementos importantes. Grande parte das informações a Polícia Civil já tinha, na verdade. O senhor falou sobre expectativas de novas delações. Oficialmente, o Ronnie Lessa (preso por suspeita de participação no assassinato) não fala em delatar. Com base em que diz isso? É uma expectativa. Não tenho dúvida que se abre uma Operação Esperança depois dessa delação. Falo de um olhar macro, de uma expectativa. Inclusive em relação ao Maxwel Simões (preso esta semana, por participação no crime). Lembro que colaboração tem um rito. E será objeto de recurso, caso saia dos ritos devidos. E não é usual retirar um único réu do Júri, quando há outros envolvidos. A colaboração tem um rito. Isso, evidentemente, está sob supervisão judicial, será objeto de recurso, caso saia dos ritos devidos. O resto é especulação que acaba acontecendo com a sociedade.

A Polícia Civil continua cooperando? Sim, a investigação continua, esse sistema continua acontecendo. Tem algumas provas que foram produzidas aqui pelo Ministério Público, algumas pela Polícia Civil, e agora, algumas pela Polícia Federal. Mas esse contexto probatório é todo reunido para levar ao Poder Judiciário aquilo que foi apurado. A Polícia Civil ainda pode fazer uma diligência importante, que possa ser útil para a investigação. O senhor considera esse o caso mais emblemático de seus mandatos como procurador-geral de Justiça? Sim, não há dúvida nenhuma. Porque é uma grave violação de direitos humanos, é um crime que envolve esse contexto de homicídio por encomenda, uma coisa extremamente grave. Tenho dito que é mais ou menos semelhante a um Chico Mendes ou Dorothy Stang. São casos extremamente emblemáticos, com repercussões internacionais. Não quero comparar, mas têm o mesmo nível de projeção. Mas nesse caso em específico, há a participação de agentes públicos. Não dói mais na carne? Os implicados atuais foram agentes públicos, é muito ruim. São ex-policiais, há um ex-bombeiro. Ex-integrantes das forças de segurança. Isso é ruim. Era uma vereadora, tinha um mandato, com pauta dos direitos humanos, e foi morta. Por isso a grande repercussão. E há uma cobrança. A definição da importância do caso não vem nem do Ministério Público, é da sociedade. É um crime com um retrato de muito do que acontece na criminalidade do Rio. Milícia, matadores profissionais, camadas importantes e problemáticas da criminalidade do Rio em um caso com essa projeção. O senhor também enxerga assim? Exatamente, e por isso meus dois itens da reunião com o ministro. A importância do caso Marielle, mas também para a gente ter, dada a gravidade, a importância e a complexidade que esse tipo de criminalidade organizada provoca na sociedade. O senhor não acha que isso possa ter causado na sociedade uma sensação de que essa lentidão tem a ver com o fato de que agentes públicos, ou ex-agentes públicos, podem estar envolvidos no crime? Ou seja, por isso demorou o processo… Essa é a resposta que a gente quer entregar ao final da investigação. O porquê da não conclusão, ou do que aconteceu na investigação. É uma resposta que ocorrerá no encerramento desse caso. Seria prematuro da parte afirmar os motivos, agora. Mas houve uma demora… Na investigação, não existe um prazo específico, o prazo é o prazo prescricional. Existem provas complexas e existem investigações que andam mais rápido. A primeira parte foi relativamente rápida, da identificação dos executores, mas a dos mandantes, dado o profissionalismo, talvez dos envolvidos e outras questões que possam surgir, é mais complexa. Mas o fato de ter essa questão de ex-agentes ou agentes envolvidos, isso acaba criando na sociedade uma sensação de que isso postergou, de alguma forma, esse final. Existe algum movimento de obstrução maior do que o que veio a público? A força tarefa tem designação para investigar tudo isso. O foco principal hoje é a resposta, quem mandou matar e por que.. É o foco principal, apurar os mandantes. O senhor consegue arbitrar um prazo? Impossível. Mas foi o Ministério Público que pediu que parte ficasse em sigilo? É o Ministério Público que atua no processo, mas pode ter sido… Não sei os detalhes, se foi em conjunto com a Polícia Federal, se foi sozinho, se foi sugestão ou o próprio juiz que deliberou… Os investigadores estão mais atentos aos detalhes processuais. Mas tirar o sigilo de parte faz parte de uma estratégia também. A morte de Edmilson Oliveira, o Macalé (executado em 2021, à luz do dia, na Zona Oeste do Rio, e citado na delação como elo entre os executores e o mandante do assassinato de Marielle) é tratada como parte da investigação, como algo que pode estar associado ao caso Marielle? Isso está sendo investigado pela nossa estrutura aqui, pelo Gaeco. A investigação do caso revelará as conexões desse crime, porque também pode ter relação com uma outra atividade criminosa dessa pessoa.

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