Alckmin quer deixar de ser ‘Picolé de Chuchu’

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Foto: Reprodução

“Hoje eu tiro o boné para o Hip Hop”. A frase, depois seguida ao pé da letra, foi dita pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) em um vídeo publicado nas redes sociais no dia 11 de agosto. O momento inesperado para um político cujo estilo “insosso” rendeu no passado o apelido de “Picolé de Chuchu” ocorreu dias depois do ex-tucano, agora integrante do governo Lula (PT), compartilhar uma adaptação de um dos memes mais conhecidos da internet, o chamado Pikachu surpreso. Na versão de Alckmin, o personagem da franquia Pokémon surgiu verde e com bandeiras do Brasil nas bochechas. A imagem serviu para celebrar um acordo entre Brasil e Japão para isentar vistos por até 90 dias.

As postagens são uma amostra da estratégia digital adotada pelo vice-presidente com mais intensidade nas últimas semanas e que, segundo apurou O GLOBO, seguirá daqui para frente focada em programas e entregas do Executivo. No entorno do também ministro da Indústria, a avaliação é que o tom mais descontraído tem permitido atingir, na ponta, públicos que não receberiam normalmente o conteúdo de Alckmin nas redes sociais, principalmente os mais jovens. Um exemplo é que o meme do Pikachu acabou compartilhado por páginas de fora da política.

O humor e a linguagem mais simples dos memes, conectada à lógica das redes, são vistos como um jeito também de atender a um pedido feito pelo presidente Lula, em reunião ministerial no início do ano, para que os ministros divulguem melhor feitos do governo. As publicações nessa linha têm sido feitas aos poucos e se misturam a conteúdos com formatos mais institucionais e tradicionais do ministro. O último meme foi publicado na última quarta-feira e usa uma montagem com Alckmim e cenas da animação Dragon Ball Z para abordar o avanço de pautas como o arcabouço fiscal e a reforma tributária. No Twitter, a publicação foi visualizada por mais de 800 mil usuários até a manhã desta sexta-feira — alcance que supera todas as outras publicações do vice dentro da mesma semana.

Pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração (coLAB), vinculado à Universidade Federal Fluminense (UFF), Viktor Chagas explica que recorrer ao humor não é uma particularidade de Alckmim, mas se trata de uma estratégia recorrente entre políticos para se aproximar do eleitorado. A diferença é que agora a tática adota linguagens da cultura das redes, como os memes, à medida que há maior peso do ambiente digital. O próprio Alckmin já tinha aderido a brincadeiras com o apelido “Picolé de Chuchu” na campanha presidencial do ano passado. Chama atenção o fato de a estratégia ser usada fora do período eleitoral.

— O que Alckmin faz é construir um reposicionamento da imagem no período entre as eleições, o que me parece certeiro. É ruim quando isso causa um estranhamento, por exemplo, no curto período das eleições, porque aquilo costuma soar como um apelo desesperado. A gente tem inúmeros casos de políticos que, no calor das eleições, decidem se reposicionar e acabam incorrendo no erro de mudar de uma hora para outra. Agora, quando você consegue construir isso num período com duração mais longa, esse reposicionamento acaba a suavizado — analisa Chagas.

Alckmin divulga programa de isenção de vistos com meme — Foto: Reprodução/Twitter

Ainda é cedo para avaliar se a tática traz bons resultados para a imagem de Alckmin, que se reposicionou no ano passado ao entrar na chapa de Lula, mas dados do perfil do vice-presidente no Instagram mostram que sua conta passou a chamar mais atenção na comparação com colegas de Esplanada. Nos últimos meses, Alckmin subiu para a segunda posição em número de interações entre os ministros de Lula na rede social, a mais usada no país, e está atrás apenas de Flávio Dino (PSB). Os dados são do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento oficial da Meta. A frequência de suas postagens também cresceu, de apenas 22 publicações em janeiro para 94 em julho.

Doutor em Semiótica e professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Mackenzie, Paolo Demuru acrescenta que uma das características das redes é a presença constante, a função fática da linguagem, usada para estabelecer comunicação, e que o uso desses recursos por Alckmin reforça uma mudança estrutural acelerada com o bolsonarismo.

— Alckmin se apropria desse mecanismo e aposta no longo prazo. Ao mesmo tempo, adota uma comunicação coerente com a função que foi chamado a desempenhar no governo Lula, de mediação, seja por exemplo entre o centro e o PT ou entre o mundo empresarial e o PT. Ele aposta na autoironia, na figura de um cara que não se leva tão a sério, que é diplomático, bem-visto por todo mundo, mas faz isso sem exagero, mantendo um estilo até mesmo de moda. Ele põe o chapéu de rapper, mas segue de terno. É uma comunicação dosada, coisa que João Doria, por exemplo, não fazia. Se você exagerar, perde a mão e parece falso.

O Globo