Governo fascista da Itália protege agressores de Moraes

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ROMA – Autoridades brasileiras esperam desde o dia 17 de julho a liberação das imagens gravadas por câmeras de segurança do aeroporto Fiumicino, em Roma, que registraram as supostas agressões de três brasileiros ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O processo está parado desde o fim de julho. A reportagem do Estadão esteve no aeroporto, que é cercado por câmeras.

O envio das imagens segue o trâmite previsto em um acordo entre Brasil e Itália, em vigor desde 1993. Pelo tratado, as provas só podem ser enviadas depois de uma análise “técnico-jurídica” por parte do Judiciário local, e o país que detém as informações pode recusar o envio se entender que se trata de “crime político”.

“A cooperação será recusada (…) se o fato tipificado no processo for considerado, pela Parte requerida, crime político ou crime exclusivamente militar”, diz um trecho do acordo, que passou a valer no Brasil com a edição do decreto nº 862, de 1993. O acordo não estabelece prazos para o envio das provas.

O envio das imagens é considerado essencial para a conclusão do inquérito aberto no Brasil sobre o caso. Há divergências entre o relato feito por Moraes, em depoimento, e a versão apresentada pelos supostos agressores.

As informações foram pedidas no dia 17 de julho pela Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), do Ministério da Justiça brasileiro. Neste momento, o caso está sendo analisado pela Justiça italiana, que aguarda um parecer do ministério público. Segundo o titular da SNJ, o advogado Augusto de Arruda Botelho, o processo segue parado.

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Desde outubro de 2022 a Itália é governada por uma primeira-ministra de extrema direita: Giorgia Meloni, do partido Fratelli d’Italia. Apesar disso, é improvável que haja qualquer influência do governo na demora para envio das imagens, diz a advogada brasileira Renata Bueno, que é ex-deputada do Parlamento Italiano.

“Não acho que (o fato de termos) um governo de esquerda no Brasil e um governo de direita na Itália tenha alguma coisa a ver. Isso (o episódio) não tem relevância para os governos. Foi muito pouco falado (na Itália). Teve uma notícia na Rai (emissora de TV pública italiana), mas não teve grande relevância, até porque foi cometido por brasileiros”, diz ela.

Como é o processo

Para que a Justiça brasileira possa usar provas em posse das autoridades italianas, o primeiro passo é que o pedido seja encaminhado pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão subordinado à Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça. Uma vez na Itália, é de praxe que o pedido seja analisado pela Justiça local. Só então o envio das provas é liberado.

“Na Itália, o requerimento de compartilhamento das provas, será novamente submetido a uma análise técnica-jurídica, sobretudo quanto às hipóteses de recusa (…), como por exemplo, se os fatos considerados criminosos pelo Brasil forem de caráter político ou reconhecidos como crime militar, criando hipótese de negativa ao requerimento”, diz o advogado criminalista Berlinque Cantelmo, sócio do escritório Cantelmo Advogados.

Especialista em direito internacional, a advogada Janaína Albuquerque diz que o tempo para a liberação de provas e documentos “é sempre uma loteria”. Em casos envolvendo famílias, diz ela, “muitas coisas podem influenciar a celeridade da demanda, desde uma troca interna de equipe, quanto excesso de demanda ou a repercussão pública do caso. Todas as hipóteses já aconteceram comigo”, conta. “De fato, vejo a possibilidade de a Itália vir a enquadrar a situação no Art. 3, 1, b como crime de cunho político e estar averiguando uma recusa da demanda”, diz ela, que é mestre em Direito pela Universidade de Lisboa.

“Acho natural que a promotoria italiana tenha pedido para ser ouvida e entender que este é um procedimento regular. Por um lado, o Brasil tem uma tradição de cooperação, mas que não é uma cooperação sem limites. Nós temos um tratado de extradição muito claro, mas que em relação a outros assuntos não é tão claro assim. Acho natural que a promotoria (da Itália) primeiro queira entender, para depois se manifestar”, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) Rubens Beçak. Doutor em Direito Constitucional pela USP, Beçak é livre-docente em Teoria Geral do Estado.

Além do crime político ou militar, há outras hipóteses nas quais o país que detém as provas pode recusar o envio das informações.

É o caso se, por exemplo, o país considerar que as pessoas alvo do processo poderão ser discriminadas em função de “raça, religião, sexo, nacionalidade, idioma, opiniões políticas ou condições pessoais”. Há ainda a possibilidade de recusar o pedido se este afrontar a lei do país que detém as provas, entre outras possibilidades.

Procurada pelo Estadão, a embaixada brasileira em Roma disse apenas que “o episódio ocorrido no Aeroporto Internacional de Fiumicino está sendo investigado pela Polícia Federal do Brasil, que busca, via mecanismos de cooperação bilateral, a preservação e o acesso às imagens do ocorrido, para fins de exame”.

Versões diferentes
O suposto ataque teria acontecido no dia 15 de julho. Moraes e sua família iam de Siena, na Itália, em direção a outra cidade europeia quando foram abordados por três brasileiros, que o xingaram de “bandido, comunista e comprado”.

Moraes foi à Itália proferir uma palestra no Fórum Internacional de Direito, evento promovido pela Alfa Escola de Direito e pela Unialfa, duas instituições de ensino do Estado de Goiás. O espaço físico do evento foi a Universidade de Siena, na Toscana.

Um dos envolvidos, o empresário Roberto Mantovani Filho, de 71 anos, admitiu em depoimento que houve um “entrevero” com a família do ministro, e que teria “afastado” o filho de Moraes, que também se chama Alexandre. Já Alexandre de Moraes e sua família relataram, em depoimento, que Roberto Mantovani Filho teria dado um tapa no rosto do filho do ministro, de 27 anos, a ponto de fazer seus óculos caírem.

Segundo os depoimentos de Moraes e de familiares, as agressões começaram com a mulher de Mantovani, Andréa Munarão, agredindo verbalmente Moraes quando ele acessava uma das salas VIP do aeroporto. Dentro do lounge, ela passou a gravar Moraes com o celular enquanto o acusava de ter “fraudado as urnas e roubado as eleições”.

Quando Alexandre, o filho do ministro, passou a gravar a dupla com o celular, Roberto Mantovani Filho teria desferido o golpe contra ele. Posteriormente, o genro de Mantovani, Alex Zanatta Bignotto, teria se juntado ao casal nas agressões. Alex negou ter participado do episódio, em depoimento.

Já Roberto Mantovani e sua família sustentam em depoimento que a confusão teria começado quando Moraes e sua família “pularam a fila” e acessaram a sala VIP, enquanto eles mesmos teriam sido barrados por falta de vagas no local.

As imagens já foram vistas pelos representantes da Polícia Federal brasileira em Roma, e confirmam a ocorrência do tapa no rosto do filho do ministro. O Estadão contatou o adido da PF em Roma, o delegado Alexandre da Silveira Isbarrola, mas ele preferiu não se manifestar.

Estadão