Lula usará “pente-fino” em indicados à PGR

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Foto: François Walshaerts/AFP

A menos de dois meses para o fim do mandato de Augusto Aras à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claro que fará um “pente-fino” nos nomes cotados à vaga. Atentos ao movimento, nos bastidores, personagens importantes dos três Poderes já começam a trabalhar por seus preferidos, enquanto os principais candidatos articulam para se cacifar com aliados do petista. O chefe do Executivo consultará uma lista de autoridades do governo e do Judiciário antes de bater martelo.

Lula pretende ouvir os ministros Flávio Dino (Justiça), Jorge Messias (Advocacia-Geral da União) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), assim como o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele também conversará sobre o tema com Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, integrantes do Supremo Tribunal Federal, e Cristiano Zanin, seu antigo advogado, que tomará posse na Corte amanhã. Para ditar o ritmo do processo, o próprio Lula só chamará os postulantes para uma conversa cara a cara a partir de setembro. Ontem, o presidente afirmou que fará a escolha “no tempo certo, na hora certa”:

— Vou conversar com muita gente, vou atrás de informações de pessoas em que eu penso (para o cargo), vou discutir se é homem, se é mulher, se é negro, se é branco… Quando eu tiver um nome, eu indico.

Lula avisou ainda que será mais criterioso na escolha:

— Vou escolher com mais critério, com mais pente-fino para não cometer um erro. Não quero escolher alguém que seja amigo do Lula. Quero escolher alguém que seja amigo desse país. Alguém que não faça denúncia falsa.

Questionado em entrevista ao GLOBO sobre o tema, Rui Costa afirmou que a escolha de Lula será “personalíssima”, como são as de ministro do Supremo. Ele, contudo, elogiou o trabalho de Aras por ter se contraposto à Operação Lava-Jato em algumas ocasiões. No mundo político, Jaques Wagner e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), veem como positiva uma possível recondução do PGR.

Hoje, o nome considerado mais forte dentro do Ministério Público, assim como no entorno do presidente, é o do subprocurador-geral da República Paulo Gonet Branco. Atual vice-procurador-geral eleitoral, ele foi o autor de um parecer que ajudou a sacramentar a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Integrante do MPF há 36 anos, Gonet tem a simpatia e o apoio dos ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, de quem já foi sócio.

Quem acompanha esse processo no entorno do presidente e na PGR afirma que Gonet tem se mantido discreto e não se põe ativamente como candidato — um aceno ao procedimento que vem sendo adotado por Lula. Interlocutores afirmam que quando seu nome passou a circular como favorito, conversou com Aras para saber se causaria algum desconforto, uma vez que é o seu representante no TSE.

As movimentações para influenciar na escolha do novo PGR — Foto: Editoria de Arte

Além de Gonet, um nome cotado à sucessão de Aras é o do também subprocurador Antonio Carlos Bigonha, que ingressou no MPF em 1992 e chegou a presidir a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). Visto pelos pares como um progressista, mais alinhado ao campo ideológico do PT, Bigonha tem sido recomendado ao presidente por integrantes do partido e também por políticos de outras correntes.

Bigonha foi um dos críticos à Lava-Jato no MPF e, em 2019, chegou a pedir a palavra, durante uma sessão da Segunda Turma do STF, para registrar em nome da PGR um “pedido formal de desculpas” aos magistrados por declarações de integrantes da força-tarefa de Curitiba.

Embora tenha apoio de alas do PT e setores do governo, Aras perdeu força nos últimos dias. Ontem, na sessão de abertura do semestre no STF, ele mencionou a saída iminente.

— Essa fala talvez seja aquela que posso fazê-lo antes da minha despedida em 26 de setembro vindouro — declarou Aras.

De acordo com o colunista Lauro Jardim, o PGR também espera conversar com Lula nos próximos dias, para fazer um balanço de sua gestão, justamente com ênfase na Lava-Jato e na descriminalização da política. No encontro, Aras pretende apresentar seus planos B e C, caso fique claro que ele não permanecerá: Carlos Frederico Santos, coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos; e Humberto Jaques, também subprocurador-geral da República do Ministério Público Federal.

No último fim de semana, em mais um aceno a Lula, Aras determinou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) lhe enviem relatórios sigilosos produzidos durante os primeiros meses da pandemia de Covid-19. Esses documentos, que mostravam a importância do distanciamento social e da vacinação para controlar a doença, podem levar à responsabilização de Bolsonaro e do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

O presidente, por sua vez, ainda não agendou uma audiência pedida pela ANPR. O objetivo do encontro, segundo o presidente da entidade, Ubiratan Cazetta, é a entrega da lista tríplice com os eleitos pelo grupo, por ordem de votação: a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen e os subprocuradores-gerais da República Mario Bonsaglia e José Adonis. Pessoas próximas a Lula, porém, já indicam que o presidente não irá basear sua decisão nesta relação de nomes.

Aliados avaliam que a escolha também representará um gesto de tentativa de reaproximação do presidente com a instituição. Há uma mágoa do petista com o MPF e uma perda de confiança admitida por ele próprio, o que também deve pesar na decisão de Lula. Durante a live de ontem, o petista citou que sempre teve “profundo respeito pelo Ministério Público” e que era “uma das instituições que eu mais admirava no país”.

— O presidente que foi mais duramente atacado pelo MPF é exatamente o que mais vai prestigiar a instituição para que ela recupere sua credibilidade — afirma o coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho, próximo de Lula.

Integrante da área jurídica da equipe de transição do governo Lula em 2022, o advogado Eugênio Aragão, subprocurador-geral da República aposentado, diz que somente a partir de agora é que o assunto esquenta.

— O presidente Lula saberá escolher o PGR dentro de um perfil que se adeque a sua visão de Estado e que tenha compromisso com a democracia e a Constituição. Certamente o fará buscando consultar-se com diversos atores políticos e conhecedores do judiciário — disse Aragão ao GLOBO.

As declarações do presidente durante a live de ontem também ressoam em uma avaliação que é feita por uma ala de integrantes do entorno jurídico de Lula: o presidente irá respeitar o mandato do atual PGR. Por isso, o novo nome só será conhecido após o término da gestão de Aras.

O Globo