Militares prometem a Lula punir golpistas

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Foto: Gabriel de Paiva/ Agência O Globo

Com a ampliação do número de militares que ocuparam cargos no governo Bolsonaro na condição de investigados, o ministro da Defesa, José Mucio, pediu à Polícia Federal (PF) acesso a nomes de integrantes da caserna que se encontraram com o hacker Walter Delgatti supostamente para descredibilizar as urnas eletrônicas. A iniciativa sinaliza que as Forças Armadas pretendem punir golpistas em seus quadros. Em paralelo, o Exército faz acenos internos para não desagradar os quartéis.

Além do hacker, que afirmou à CPI dos Ataques Golpistas ter ido cinco vezes ao Ministério da Defesa por recomendação do ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, se transformou em um problema para os militares. Ele está preso desde o início de maio, acusado de fraudar cartões de vacinação contra a Covid-19, e é um dos principais investigados em um suposto esquema de desvio de joias. Os oficiais esperam uma decisão da Justiça comum para que Cid seja submetido a um procedimento interno que pode resultar em sua expulsão.

— Solicitamos informações à PF. Estamos aguardando o retorno. Diante dos dados que eles enviarem, tomaremos todas as providências que forem necessárias — disse Mucio ao GLOBO.

A punição a militares que participaram de tramas golpistas fez parte de uma reunião entre Múcio, Lula e os comandantes do Exército, Tomás Paiva; da Marinha, Marcos Sampaio Olsen; e da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno; ocorrida no sábado no Palácio da Alvorada.

A ideia da reunião surgiu a partir de uma conversa por telefone entre Lula e Mucio, na manhã do próprio sábado. O ministro, que estava no Rio, comentou que ele e o chefe ficariam um bom tempo sem se encontrar porque o presidente viajaria para a África. Lula, então, perguntou que horas Mucio voltaria a Brasília e o chamou para ir ao Alvorada e levar o comandante do Exército. Minutos depois, um assessor do presidente ligou e pediu que o ministro convidasse também os outros dois comandantes.

A pauta central do encontro foi o orçamento da Defesa para 2024, mas Lula falou sobre a CPI e citou o depoimento de Delgatti. Foi acertado na reunião que o Exército não comentaria a fala do hacker para não tumultuar o ambiente, que ainda está em processo de pacificação depois dos ataques de 8 de janeiro. Os oficiais das Forças desqualificam Delgatti e consideram que seu depoimento deve ser visto com ressalvas. O hacker ficou conhecido por invadir contas de procuradores da Lava-Jato em 2019 e vazar as mensagens.

Com relação a Mauro Cid, a cúpula do Exército tem consciência de que a imagem da Força está sendo prejudicada com as revelações de sua atuação para vender joias recebidas pelo ex-presidente, mas o argumento é que o processo legal não pode ser atropelado. Os comandantes argumentam que é preciso individualizar as condutas e punir os culpados para preservar a instituição das Forças Armadas. Dentro da estratégia de melhorar a relação com os militares, Lula informou, na conversa de sábado, que irá participar do desfile de 7 de setembro. Ele quer, no entanto, despolitizar o evento.

Em outra resposta à onda de denúncias que têm atingido integrantes da Força, o general Tomas Paiva divulgou uma ordem interna em que afirma que os militares “devem pautar suas ações pela legalidade e legitimidade”.

A ordem fragmentária nº 1, datada de 10 de agosto, foi divulgada no boletim do Exército da última sexta-feira. No dia 11, a PF deflagrou uma operação para esclarecer vendas de joias recebidas por Bolsonaro como presidente.

O comandante frisa no documento que o Exército “é uma Instituição de Estado, apartidária, coesa, integrada à sociedade e em permanente estado de prontidão”. Destaca ainda que “existe um desconhecimento” da sociedade sobre as ações da Força que “trazem benefícios para nossa população”. Como resposta, o texto fala na criação da Associação de Amigos do Exército.

Em um aceno interno, o documento prevê a necessidade de proteger e fortalecer a “imagem” e a “reputação” do Exército, “evitando-se a desinformação”. Na mesma linha, Tomás fala em “fortalecer as ações voltadas para o bem-estar da família militar” e determina que o Estado Maior do Exército articule medidas “visando à recomposição salarial dos militares”.

Desde antes da posse, há uma preocupação dos auxiliares de Lula em evitar um confronto com os militares, um dos principais esteios do bolsonarismo. A própria escolha de Múcio, político habilidoso, tinha esse objetivo.

Desde o início do ano, Mucio tem participado de encontros com parlamentares da base do governo, inclusive a convite da relatora da CPI dos Ataques Golpistas, senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O último foi há um mês.

Nessas ocasiões, Mucio demonstrou preocupação com a Comissão Parlamentar de Inquérito. Segundo participantes das conversas, para o ministro, era preciso ter cautela devido ao momento de reconstrução de pontes entre a esquerda e os militares. Alguns parlamentares entenderam a mensagem como um pedido para que membros da Forças Armadas sejam poupados. Interlocutores de Mucio, no entanto, observam que o ministro jamais citou nomes que deveriam ser evitados.

Esses mesmos interlocutores avaliam que, com o depoimento de Delgatti, o cenário mudou e é inevitável o avanço da investigação, inclusive sobre o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, que era próximo de Bolsonaro.

Militares investigados
Mauro César Lourena Cid: Pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o general do Exército entrou na mira da Polícia Federal por ter ajudado a vender, nos Estados Unidos, joias recebidas pelo então presidente. O general também atuou para recomprar as peças quando o Tribunal de Contas da União ordenou que Bolsonaro as devolvesse.
Mauro Cid: Também investigado pelo suposto esquema de desvio de joias, Mauro Cid está preso desde o início de maio, acusado de fraudar certificados de vacinação contra a Covid-19, inclusive do ex-presidente. Em outra frente, relatório do Coaf apontou movimentação “atípica” e “incompatível” nas contas do tenente-coronel.
Osmar Crivelatti: O tenente do Exército trabalha até hoje para Bolsonaro. Assim como Lourena Cid, é suspeito dos crimes de peculato (desvio) e lavagem de dinheiro. Em 6 de junho de 2022, ele assinou a retirada de um Rolex do acervo privado para o gabinete de Bolsonaro. O relógio, avaliado em R$ 300 mil, teria sido negociado posteriormente por Mauro Cid.
Bento Albuquerque: O ex-ministro de Minas e Energia e almirante da Marinha tentou entrar no país sem informar à Receita Federal que trazia da Arábia Saudita um conjunto de joias avaliado em R$ 5,6 milhões. O kit era transportado por um assessor. O próprio ministro conseguiu passar pela alfândega, sem declarar, com um outro conjunto.
Eduardo Pazuello: À frente do Ministério da Saúde, o então general da ativa foi acusado de crimes como epidemia com resultado morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime, e crimes contra a humanidade. No ano passado, se elegeu deputado federal com a segunda maior votação do Estado do Rio.

O Globo