Presidenciável morto no Equador era de esquerda

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Foto: STR/AFP

“Eu me sinto orgulhoso de que os delinquentes me odeiem. Seria terrível se os delinquentes gostassem de mim”. Vários dos discursos de Fernando Villavicencio parecem proféticos, como acontece com frequente no caso de vítimas de atentados políticos. Villavicencio era um esquerdista diferente. Estava em quinto lugar nas pesquisas para a eleição presidencial do próximo dia 20, mas incomodava. Ex-líder sindical petroleiro, denunciava subornos da Odebrecht e outros gigantes a líderes de esquerda como Rafael Correa, o bolivariano foragido, e seu substituto, Lenín Moreno. De sindicalista, tinha se tornado jornalista e, durante um período que passou escondido na Floresta Amazônica, chegou a mandar várias reportagens expondo os esquemas de corrupção na Petroecuador – como sempre, a mãe de todas as corrupções é movida pelo petróleo e as grandes quantidades de dinheiro que envolve. Entre os grandes nomes envolvidos em suas denúncias estavam a Odebrecht e a PetroChina Limited. Seus contatos com povos indígenas vinham do Movimento Pachakutik, uma organização de esquerda que opera nessa esfera.. Quando a praga do narcotráfico, alegremente ignorada por tantos líderes políticos e sociais, se apossou do Equador, ele aumentou a quantidade de inimigos que havia acumulado “Em 20 de agosto, companheiros e companheiras, vamos decidir entre a pátria ou a máfia. Ou ganham os mafiosos e a máfia volta. Ou as pessoas de bem, os democratas, as pessoas valentes, ganham a batalha. A pátria ganha. Essa é a grande esperança que tenho”. Não deu tempo. Três balas alojadas na cabeça, dentre as inúmeras disparadas quando deixava um comício em Quito, acabaram com esse negócio de esperança, um sentimento inútil quando o estado de direito e a ordem pública deixam de existir e políticos de todas as origens se sentem livres para delinquir. Referindo-se aos trajes que líderes de diferentes origens usam, disse Villavicencio: “Rios de dinheiro e de riqueza foram para os bolsos de delinquentes de colarinho branco, de guayabera e inclusive delinquentes de poncho, porque a corrupção não discrimina”. O atual presidente, Guillermo Lasso, que é de direita e perdeu o controle da segurança do país, decretou sessenta dias de luto pelo assassinato do candidato, amplamente antecipado pelo próprio Villavicencio. Em queixa na polícia, deu até o nome do autor das ameaças, José Adolfo Macías Villamar, alcunhado Fito, chefão da associação criminosa Los Choneros, ligada ao Cartel de Sinaloa, uma das grandes gangues mexicanas. Assassinar candidatos é um crime que estava associado aos dias mais tenebrosos da Colômbia, tristemente “precursora” do poder acumulado pelo narcotráfico, como se vê hoje em toda a América Latina. FIto chegou a negociar com o governo de Lasso, desmoralizado por incessantes rebeliões em penitenciárias, e declarou que, “como compromisso de boa fé, fazemos entrega voluntária de armas”. O salto qualitativo que o narcotráfico deu não pode passar despercebido e a morte de Fernando Villavicencio é a triste prova disso.

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