Presidentes de TJs querem adiar juiz de garantias

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Foto: Gabriela Biló – 3.mai.2022/Folhapress

O STF (Supremo Tribunal Federal) retoma o julgamento da validade do juiz das garantias nesta quarta-feira (9), em meio a um apelo dos 27 presidentes dos Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal para que o modelo —caso seja mantido— não seja instalado imediatamente.

Em ofícios enviados ao Supremo, os desembargadores que presidem as cortes estaduais relatam dificuldades orçamentárias e estruturais para que a mudança aprovada pelo Congresso em 2019 e sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) seja implementada.

O juiz das garantias determina a divisão da responsabilidade de processos criminais entre dois juízes: um autoriza diligências da investigação e o outro julga o réu.

Até o momento, apenas o ministro Luiz Fux, relator dos processos sobre o tema, votou no julgamento, que foi interrompido por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Dias Toffoli.

Fux votou contra a implantação obrigatória do juiz das garantias. A previsão de interlocutores da corte, porém, é que a maioria dos ministros decida a favor do modelo. É possível que eles prevejam algum período de ajuste até que o novo sistema seja aplicado.

Os presidentes dos tribunais que enviaram ofícios ao Supremo dizem que precisam de tempo, que alguns deles quantificam entre dois a cinco anos, para fazer as mudanças necessárias para implementar o modelo.

A maior parte afirma que é inviável sua instalação sem grandes incrementos orçamentários e, mesmo assim, apenas daqui a alguns anos. Uma minoria vê apenas a necessidade de ajustes pontuais, mas também pede aumento no orçamento.

Os ofícios dos presidentes de TJs chegaram ao Supremo em abril, antes do início do julgamento.

“É certo que a criação da figura do juiz das garantias impõe aos órgãos do Poder Judiciário federal e estadual a assunção o dispêndio de mais recursos econômicos, num cenário comum em que todos os tribunais já funcionam com escassez orçamentária”, disse, no ofício, a presidente do Tribunal de Justiça do Acre, Regina Célia Ferrari.

O presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Nilson Soares, disse que “considera, por ora, inviável a implantação” do juiz das garantias por “dificuldades ante as peculiaridades locais”, que vão desde a necessidade de ampliação do quadro a remanejamento orçamentário.

Há ainda outras justificativas. A presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Clarice Claudino da Silva, diz que atualmente a administração da Justiça exige redução da litigiosidade por meio do “enfrentamento das demandas sociais pela via da conciliação, da mediação e da consolidação das práticas restaurativas”.

A desembargadora questiona a canalização de investimentos “para a materialização do arcabouço complexo” do novo modelo.

No Amazonas, estado de maior território no país, a presidente do TJ, Nélia Caminha Jorge, pede cinco anos para que o modelo seja adotado. Na capital, Manaus, já há uma vara de inquéritos com divisão das atribuições, de forma similar ao juiz das garantias.

Ela diz que, no entanto, isso dificilmente pode ser feito no interior do estado porque as comarcas “além de em sua maioria ser composta de vara única, ainda guardam distâncias de difícil superação umas das outras”.

Segundo Nélia Jorge, ainda que se possa adotar um sistema de que uma vara única de determinada comarca assuma os inquéritos da vara única da comarca mais próxima, “a falta de infraestrutura para o deslocamento entre os municípios do Amazonas impediria o eficiente e escorreito andamento dos processos criminais, aumentando o tempo de tramitação e gerando, ainda que em potencial, prescrição” de crimes.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, a maior corte do país, pediu pelo menos dois anos para implementar o juiz das garantias.

O presidente do TJ paulista, Ricardo Anafe, afirma no ofício que é necessário o prazo para uma implantação progressiva. Ele defende ainda avaliação do modelo adequado a ser criado no tribunal, a realização de um projeto-piloto e alega a necessidade de estruturação física e humana das novas unidades.

Os ofícios dos Tribunais de Justiça foram direcionadas ao ministro Fux junto com uma manifestação do Consepre (Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil).

Em junho, no plenário, o advogado do Consepre, Rafael Favetti, mencionou a preocupação dos presidentes dos tribunais a respeito do tema, destacando que todos eles apontavam que haveria um considerável aumento orçamentário com as mudanças.

Na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes fez ressalvas. “O que os tribunais fizeram [nos ofícios]? [Disseram] O sistema é esse, nós vamos ter que pegar novos juízes e novos funcionários. Na verdade, não é isso o que se propõe. Uma vez que esse sistema [atual] vai perder competência, é um remodelamento do sistema”, disse o ministro.

Em 2019, após Bolsonaro sancionar o juiz das garantias, o então presidente do Supremo, Dias Toffoli, adiou a implementação da medida por seis meses e criou parâmetros para a mudança.

Tudo isso foi suspenso em janeiro de 2020 por Fux. À época, ele também suspendeu a instalação do modelo.

Ao votar, em junho, Fux entendeu que cada tribunal poderia decidir sobre a instalação ou não do modelo. Segundo o ministro, o Congresso invadiu competência dos estados ao legislar sobre o tema.

“Nos moldes impostos pela lei, o juiz das garantias não passa de um nome sedutor para uma cláusula que atentará contra concretização da garantia constitucional da duração razoável dos processos, do acesso à Justiça para normatividade dos direitos fundamentais”, disse Fux em seu voto.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e outras entidades têm defendido que o juiz das garantias seja logo instalado. “A implementação do juiz das garantias é um avanço civilizatório, reformulará positivamente a sistemática do processo penal brasileiro, efetivando o direto de defesa e reforçando a necessária imparcialidade da Justiça”, diz o presidente da OAB nacional, Beto Simonetti.

A novidade foi aprovada no Congresso na esteira de uma reação a episódios da Operação Lava Jato, criticada por concentrar poder em um só juiz durante a investigação e ao longo da tramitação das ações

Folha