Provas obrigam Cid a manter confissão

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O tenente-coronel Mauro Cid teve acesso livre ao Planalto, esteve ao lado de Jair Bolsonaro (PL) em entrevistas, lives e reuniões, e foi o braço-direito do então presidente da República nos quatro anos do governo passado. Investigado no suposto esquema da venda de joias recebidas pelo ex-chefe do Executivo em viagens oficiais, Cid deixou rastros em e-mails, conversas por aplicativos de mensagens e movimentações financeiras que podem comprometer Bolsonaro.

Por ora, a confissão, informada pelo advogado Cezar Roberto Bitencourt, responsável pela defesa do tenente-coronel, não vai ocorrer. O criminalista recuou e disse que seu cliente buscou resolver “um problema” do chefe, mas negou que ele tenha agido a partir de uma ordem específica de Bolsonaro. Entretanto, outras peças estão em posse da Polícia Federal (PF) e Cid pode passar de aliado a dor de cabeça para o ex-presidente.

No último dia 11, a Polícia Federal deflagrou a Operação Lucas 12:2, que teve como alvo auxiliares de Bolsonaro. Segundo as investigações, eles teriam vendido joias e outros objetos de valor recebidos em viagens oficiais da Presidência da República fora do País. Os itens de luxo deveriam ser incorporadas ao acervo da União, mas foram omitidos do conhecimento dos órgãos públicos, negociados para fins de enriquecimento ilícito e entregues em dinheiro vivo para o ex-chefe do Executivo, conforme a PF.

Mauro Cid teria vendido, também com o auxílio do pai dele, o general Mauro Lourena Cid, joias no exterior. De acordo com a PF, uma das peças comercializadas pelo ex-ajudante de ordens foi um relógio da marca Rolex, estimado em R$ 300 mil e recebido por Bolsonaro em uma viagem presidencial à Arábia Saudita em 2019.

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Entre e-mails recuperados na lixeira da conta de Mauro Cid, obtidos pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, está a tratativa para venda do Rolex.

As tentativas de vender as joias só foram paralisadas após o Estadão revelar, em março, que auxiliares de Bolsonaro tentaram entrar ilegalmente no Brasil com um kit composto por colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes entregues pelo governo saudita para o então presidente e Michelle Bolsonaro.

Com a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU) para a devolução de outro conjunto de joias, foi feita uma operação de resgate das peças por parte dos aliados do ex-presidente. Segundo as investigações, Cid foi até Miami, nos Estados Unidos, recomprar os itens desse pacote que vendidos no Estados Unidos.

Em conversa com Marcelo Câmara, assessor especial da Presidência, obtida pela PF, os dois falaram sobre um conjunto de joias que teriam supostamente sumido com Michelle, e que não poderiam ser vendidos no esquema. Para Cid, “só dá pena porque estamos falando de US$ 120 mil”.

De acordo com os investigadores, os montantes obtidos das vendas foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal do ex-presidente, por meio de laranjas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar origem, localização e propriedade dos valores. Em outro áudio entre Cid e Câmara, em janeiro deste ano, o ex-ajudante de ordens citou US$ 25 mil que estavam com o pai dele e seriam destinados a Bolsonaro.

“Tem US$ 25 mil com meu pai. Eu estava vendo o que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente. (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”, afirmou Mauro Cid.

Mauro Cid era o ‘faz-tudo’ do ex-presidente e ex-primeira-dama

Ao longo dos quatro anos que Bolsonaro ocupou o Palácio do Planalto, Cid foi chefe da ajudância de ordens do ex-presidente. O posto é dado a um oficial, que deve ficar à disposição do Presidente no desempenho das funções, como um secretário particular do chefe do Executivo. No período, o tenente-coronel teve livre acesso ao gabinete presidencial, ao Palácio da Alvorada e até mesmo ao quarto ocupado pelo ex-chefe do Executivo nos hospitais, após cirurgias.

O ex-ajudante de ordens está preso desde 3 de maio, após ser preso em uma operação da PF que investiga a inserção de dados falsos de vacinação da covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Segundo a PF, os certificados de imunização da mulher de Cid, Gabriela Santiago, do ex-presidente Bolsonaro e da filha dele, Laura, de 12 anos, foram adulterados às vésperas da viagem da família presidencial aos Estados Unidos, em dezembro do ano passado, após a derrota nas eleições.

Cid acompanhou Bolsonaro de perto durante o seu mandato como presidente da República
Cid acompanhou Bolsonaro de perto durante o seu mandato como presidente da República Foto: Dida Sampaio/Estadão
Após a PF quebrar o sigilo telemático de Cid, provas apontaram que Bolsonaro e os aliados tinham “plena ciência” das falsificações. O objetivo, segundo os investigadores, era obter “vantagem indevida” em situações que necessitassem de comprovação de vacinação contra a covid-19. Os documentos alterados teriam servido para burlar restrições sanitárias impostas pelo Brasil e pelos Estados Unidos em meio à pandemia.

Os trabalhos feitos por Cid também teriam auxiliado a ex-primeira-dama. Uma conversa interceptada pela PF entre Cid e uma assessora de Michelle Bolsonaro sugere uma orientação de pagamento para despesas da então primeira-dama. Em áudios de WhatsApp, o ex-ajudante de ordens demonstrou preocupação de que o ato fosse interpretado como um esquema de “rachadinha”, citando uma investigação a qual o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi alvo no Ministério Público do Rio de Janeiro.

No fim de julho, o Estadão revelou que um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), a pedido da CPMI do 8 de Janeiro, avaliou que houve uma movimentação financeira ”incompatível” de recursos em uma empresa investigada por supostamente financiar despesas pessoais de Michelle Bolsonaro.

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A suspeita envolve a Cedro do Líbano Comércio de Madeira e Materiais para Construção. Segundo o Coaf, empresa recebeu R$ 16,6 milhões e desembolsou R$ 16,6 milhões entre o começo de janeiro de 2020 e o fim de abril deste ano. A movimentação de R$ 32,2 milhões foi considerada incompatível com o porte, o patrimônio, a atividade e a capacidade financeira. O conselho mostrou também que a loja fez duas transferências bancárias de R$ 8.330,00 cada para um sargento da equipe de Cid, que também está preso desde maio por conta do esquema de fraude nos cartões de vacinação.

Cid movimentou valor cinco vezes maior do que sua remuneração em 3 anos
O Coaf também descobriu que Cid movimentou R$ 8,4 milhões em uma conta bancária em três anos. Entre 2020 e 2022, foram depositados em suas contas R$ 4,5 milhões e saíram R$ 3,8 milhões, sem considerar transferências entre contas de mesma titularidade. As cifras são incompatíveis com os valores mensais recebidos pelo oficial no mesmo período, segundo o órgão.

À Receita Federal, o ex-ajudante de ordens disse ter rendimentos tributáveis de, em média, R$ 318 mil por ano. Ou seja, em três anos, o dinheiro depositado foi cinco vezes maior do que a remuneração de servidor público federal. Outros relatórios que foram entregues à CPMI mostram também que o ex-ajudante de ordens administrou outros R$ 2,3 milhões como procurador das contas do ex-presidente, sem considerar transferências entre contas de mesma titularidade.

Na terça-feira, 15, o Estadão revelou que Cid teve gastos de US$ 43 mil em um cartão de crédito internacional, entre o começo de janeiro de 2020 e o fim de abril de 2023. Pela cotação média do dólar de cada fatura mensal, o valor equivale a quase R$ 200 mil, sem considerar os tributos. Apenas nos quatro primeiros meses de 2023, os boletos somaram US$ 11,7 mil (quase R$ 61 mil, sem tributos).

Em janeiro deste ano, quando o ajudante de ordens estava acompanhando Bolsonaro nos Estados Unidos, os gastos com o cartão de crédito internacional superaram o salário do militar. A sua fatura daquele mês somou US$ 6,5 mil (quase R$ 34,2 mil).

Estadão