Wassef está enrolado financeiramente

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Foto: Gabriela Biló/Estadão

“Você precisa de pessoas como eu, para que você possa apontar seus dedos e dizer: ‘Esse é o cara mau’”, dizia Tony Montana, o mafioso vivido por Al Pacino, no clássico de Brian de Palma, Scarface. Em Atibaia (SP), na sala do sítio em que Frederick Wassef escondia o ex-policial militar Fabrício Queiroz, uma prateleira exibia miniaturas da personagem. Se a vida fosse um filme, o estilo, o penteado e as roupas de Wassef bem que poderiam vestir um dos malfeitores dos tempos da Lei Seca, perseguidos por Eliot Ness.

Na vida real, porém, o advogado está mais para um personagem saído das sombras, desses que de vez em quando aparecem em Brasília e fazem fama ligando seus nomes aos dos poderosos de plantão e desaparecem junto com eles. No caso de Wassef, para todos os efeitos ele era o “advogado do presidente Bolsonaro”.

Durante os últimos anos, conforme o freguês, Wassef montou seu perfil. Rico, bem sucedido para uns, devedor contumaz para outros. Senão, como explicar que o mesmo cidadão que recomprou um relógio Rolex do ex-presidente em Miami estimado em US$ 68 mil – o equivalente a R$ 346.983,60 -, deva R$ 3.516,35 de IPTU para a prefeitura do município de Atibaia? Que justificativa dar para a vida milionária que Wassef ostentou nos últimos anos, ocultando contas atrasadas, processos por falta de pagamento de impostos e até o abandono da obra de sua mansão em Brasília?

Nas últimas semanas, o Estadão conversou com políticos, empresários, militares e advogados que conviveram com Wassef nos últimos anos. Em comum, a maioria deles passou a dizer que já não tinha mais tanto contato com o advogado, que, após a Polícia Federal capturar seus quatro celulares, parece ter passado de “anjo” – codinome que ganhou durante o governo de Jair Bolsonaro – a “demônio”.

São tantas histórias mal contadas ou mal paradas sobre Wassef que, no fim, pouco se sabe do homem que, segundo alguns de seus interlocutores, grava todas as conversas que mantém e anda sempre armado. Até mesmo seus casamentos e separações são controversos, aconteceram em clima de disputas judiciais. Wassef há alguns anos enfrentou um câncer que lhe deixou uma sequela física.

No ano passado, quando concorreu e perdeu uma vaga de deputado federal, Wassef declarou um patrimônio de R$ 18 milhões ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), incluindo um apartamento de 3 quartos em Miami, cujo valor estimado é de R$ 4,966 milhões. O imóvel foi adquirido por ele há dois anos. Entre 2013 e 2021, as taxas locais do imóvel foram pagas, majoritariamente, pela empresária Maria Cristina Boner, ex-mulher de Wassef. O boleto de 2022, no valor de US$ 12.847,59 (ou R$ 62.621,72), está em aberto.

Frederick Wassef adquiriu um apartamento em Miami, em 2021. A taxa local foi paga por sua ex-mulher, Cristina Boner.

Durante a campanha, Wassef publicou mensagens de apoio do então candidato ao governo paulista, Tarcisio de Freitas (Republicanos), e do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O filho mais velho de Bolsonaro gravou dois vídeos. Em um deles se referiu ao advogado como “meu amigo”. Em outro, afirmou: “Frederick Wassef é o nosso advogado, advogado da família e, como advogado, demonstrou sua competência e sua lealdade”. O Estadão não localizou nenhum vídeo de Bolsonaro pedindo voto para ele e os santinhos que mostram os dois lado a lado são montagens de fotografias.

O jingle escolhido por Wassef tinha uma mensagem clara sobre a atuação com a família Bolsonaro que o advogado queria passar para os eleitores. “Todo mundo já sabe, o Wassef resolve, resolve”, dizia a música. O “advogado de Bolsonaro”, como ele se identificou na campanha, recebeu 3.628 votos e não chegou perto de assumir uma cadeira na Câmara. Wassef se tornou o 36º suplente do PL de São Paulo, que emplacou 17 parlamentares na Casa.

Mesmo com chances mínimas de chegar à Câmara, Wassef continuou vinculado às eleições de 2022. Em julho, cerca de um ano depois de entregar informações sobre seu patrimônio à Justiça Eleitoral, Wassef fez um gesto inédito: voltou a procurar a Corte sob alegação de que estava “buscando a plena transparência”. Não se sabe do que, pois o pleito já tinha passado. Assim, apresentou uma lista com três novos bens que disse ter adquirido no ano passado. Uma casa em Brasília, um jet ski e um carro usado, modelo 2020.

 

A lista de bens apresentada ao TSE inclui um total de três carros velhos que reforçam os indícios de que simula ser milionário. Em São Paulo, Wassef disse ter um veículo Silverado de 1995, estimado em R$ 24 mil, e uma caminhonete Ranger de R$ 112 mil. Em Brasília, o advogado circula com um carro Jetta que comprou de segunda mão, no ano passado. O Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) avaliou o veículo em R$ 112 mil. Wassef declarou ao TSE que o carro vale R$ 125 mil. Ele deve R$ 6,7 mil do IPVA do veículo de 2022 e 2023.

Um dos bens mais valiosos do patrimônio de Wassef se tornou um canteiro de obras parado. O Estadão esteve no local na segunda-feira, 21, e encontrou o cadeado de uma das portas da propriedade aberto, sem movimentação de trabalhadores ou de vigias. A casa no Setor de Mansões Dom Bosco – zona nobre de Brasília – foi comprada pelo advogado em março do ano passado por R$ 3,7 milhões, segundo o registro, pagos por meio de uma transferência bancária.

“A obra está parada há bastante tempo e depende dele voltar ou não, não da gente”, afirmou o empresário Almir Pereira Filho, ligado à Uniman Construções, responsável pela obra.

Essa casa de Wassef, de Brasília, também está com os pagamentos em atraso de IPTU. Três parcelas no valor de R$ 3.155,89 já venceram este ano e há outras três para serem pagas nos próximos meses. Por enquanto, os impostos ainda podem ser pagos em boletos. Outras dívidas de Wassef, contudo, já chegaram ao Judiciário. O advogado foi acionado em dois processos que correm no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em um deles, o Condomínio Fazenda Vila Nazareth, do município de Tuiuti (SP), cobra R$ 46 mil de Frederick Wassef por despesas de manutenção do local. Entre os vizinhos, o que se diz é que o advogado não pagou o condomínio entre dezembro de 2016 e novembro de 2021 sob a alegação de que o imóvel, na verdade, pertence a seu irmão, Fabio Wassef. Consta do processo um documento de compra e venda de imóvel em nome do advogado de Bolsonaro.

No outro processo, a Prefeitura de Atibaia cobra R$ 3.516,35 em dívidas de IPTU de uma casa de Wassef que fica próxima a outro imóvel do advogado. Neste segundo – onde ele mantém os bonequinhos de Tony Montana – Wassef deu guarida a Fabricio Queiroz por mais de um ano. Em abril, um oficial de Justiça foi até a casa onde o ex-policial militar morou, à procura de Wassef, e foi informado pelo caseiro que o advogado “encontra-se atualmente em Brasília/DF e que não sabe quando ele irá retornar”.

Neto de imigrantes libaneses, Wassef deve aos pais e avós parte dos bens adquiridos ao longo da vida. O advogado do clã Bolsonaro declarou ao TSE, em 2022, 12 imóveis registrados em cartórios em São Paulo, Distrito Federal e um em Miami. Os imóveis representam 55% dos R$18 milhões declarados por Wassef ao tribunal.

Um levantamento do Estadão em cartórios no Estado de São Paulo mostra que, entre os imóveis declarados por Wassef, quatro deles foram doados pelos pais, Josephina Beyruti Wassef e Fayez Wassef. O imóvel mais recente comprado pelo advogado foi o apartamento em que mora de 189 metros quadrados, no Morumbi, por R$1.610.200,00, em agosto.

O valor e a metragem não condizem com a vida de milionário ostentada pelo advogado. O imóvel está localizado no mesmo condomínio em que os pais moram atualmente, e foi pago por meio de uma transferência bancária, TED.

O Estadão tentou contato com Frederick Wassef, mas não o localizou. Após a apreensão de seus celulares pela PF, ele mudou de número e conhecidos agora dizem não ter mais o contato. O Estadão tentou contato por e-mail, por rede social, mas sem sucesso.

Estadão