Zema não deslancha em nível nacional

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Foto: Silvia Zamboni/valor

Reeleito em primeiro turno em 2022, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), começou o segundo mandato enfrentando dificuldades para executar seu plano de governo. Para cientistas políticos, os problemas dentro do Estado podem dificultar as tentativas do governador de ganhar projeção nacional. Apesar de contar com maioria na Assembleia Legislativa (57 dos 77 deputados são de partidos que apoiaram o Novo na eleição passada), Zema tem enfrentado problemas para conseguir aprovar projetos, como a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), e a privatização de estatais, como Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).

O projeto de privatização da Codemig está emperrado na Assembleia desde 2019. Para a venda da Copasa e da Cemig, o governo estuda enviar ao Legislativo uma proposta de emenda à Constituição (PEC) do Estado, para pôr fim à obrigatoriedade de referendo para aprovar as privatizações. Zema trocou Igor Eto pelo deputado Gustavo Valadares (PMN) na Secretaria de Governo. E indicou o deputado João Magalhães (MDB) – correligionário do presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite (MDB) – como líder do governo no parlamento. Tudo isso com o objetivo de facilitar as negociações com os deputados. Sem a venda das estatais e os ajustes decorrentes do RRF, o governo sancionou orçamento para 2024 com um déficit de R$ 6,06 bilhões, ante um déficit de R$ 3,6 bilhões neste ano. Em 2019, o déficit foi de R$ 11,4 bilhões. Além disso, o Estado tem um estoque de dívida hoje de R$ 163,05 bilhões; foram R$ 123,37 bilhões em 2019. “Não está claro se ele vai deixar Minas Gerais em uma situação boa. Até agora o que ele conseguiu foi recuperar as finanças do Estado com base no acordo de reparação da Vale [pelo rompimento da barragem em Brumadinho]”, afirma o cientista político Leonardo Avritzer, professor titular da Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Avritzer também cita como problemas não solucionados o sucateamento da Fundação Ezequiel Dias (equivalente ao Instituto Butantan em São Paulo), a situação crítica das estradas, a falta de política mínima de reparação aos atingidos por rompimento de barragens. “O foco dele pode ser nacional, mas para isso ele precisa principalmente se desprovincializar. Vai ser muito difícil que ele consiga se nacionalizar e estamos vendo os problemas que ele tem”, afirma Avritzer. Zema começou a segunda gestão fazendo mais viagens dentro e fora de Minas Gerais e ampliando os gastos em comunicação. Neste ano, já foram 19 viagens para fora de Minas Gerais, incluindo Brasília, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco e Maranhão, além de viagem aos Estados Unidos para o lançamento do Vale do Lítio, em Nova York, e 46 pelo interior do Estado. Em 2019, no seu primeiro ano de governo, foram quatro viagens fora de Minas – Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Estados Unidos – e cinco dentro do Estado.

O foco dele [Zema] pode ser nacional, mas para isso ele precisa se desprovincializar” — L. Avritzer

O orçamento de comunicação chegou a R$ 120 milhões neste ano, contra R$ 8 milhões em 2019. O governo pediu ao Ministério das Comunicações para ampliar o alcance da Rede Minas de 350 cidades para 850 dentro do Estado. A programação educativa também passou a ter conteúdos sobre o trabalho do governo, o que foi muito criticado pela oposição, que considerou a ação uma autopropaganda usando a máquina pública. Para Malco Camargos, cientista político, professor da PUC Minas e diretor do Instituto Ver, Zema faz muitas viagens ao interior do Estado e destina muito recurso fora da região metropolitana de Belo Horizonte, mas a maior densidade populacional e maior parte do Produto Interno Bruto (PIB) estão na Grande BH. Em outras palavras, Zema tem dificuldades para governar a região metropolitana. Mesmo os investimentos mais altos em comunicação não livram o governador da repercussão negativa de frases infelizes nas suas tentativas de ganhar projeção nacional. No caso mais recente, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o governador afirmou que o Brasil funciona como um “produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito”, comparando os Estados do Nordeste e Norte a vacas que dão pouco leite. Ele também defendeu a atuação de um consórcio de Estados do Sul e do Sudeste (Cosud) para se defender no Congresso de perdas econômicas para o Norte e o Nordeste em temas como a reforma tributária. Em junho, Zema já havia declarado em um evento que o Sul e o Sudeste se diferenciam de outras regiões por terem “mais pessoas trabalhando do que vivendo de auxílio emergencial”. As duas declarações foram criticadas por lideranças políticas, governadores e integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), consideradas preconceituosas e equivocadas. Nas duas ocasiões, Zema veio a público dizer que foi mal interpretado. “Ao falar da vaca Zema traz a questão econômica, mas é sempre bom lembrar que política pública não se define pela receita, mas pela necessidade da despesa. E quem precisa mais deve receber mais. Ele traz problemas para uma candidatura à Presidência da República com essas falas”, afirma Camargos. “Ele está tentando aparecer como um grande líder da oposição. E essa fala do consórcio é interessante porque o Consórcio Nordeste atuou como oposição ao governo de Jair Bolsonaro (PL). Zema está pensando em fazer o mesmo com o Cosud”, afirma o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Na avaliação de Cerqueira, a fala de Zema agrada o eleitor bolsonarista e o eleitor mais conservador do Sul e do Sudeste. “O impacto negativo no Nordeste não chega a ser tão complicador neste momento. Ele com certeza vai fazer algum tipo de correção para atrair o eleitor do Nordeste futuramente”, acrescenta. Para Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral e colunista do Valor, as falas polêmicas do governador mineiro revelam a sua visão sobre o papel do Estado. “É um misto de visão do Partido Novo contra o Estado e tentativa de agradar o eleitorado bolsonarista de extrema direita que comunga da ideia de que o Estado é oneroso e privilegia algumas regiões”, afirma Carazza. Para o cientista político, Zema revela desconhecimento do próprio Estado, tendo em vista que as regiões do norte de Minas, Vale do Mucuri e Vale do Jequitinhonha também se beneficiam dos programas da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). O governador foi procurado para se manifestar, mas sua assessoria não respondeu ao pedido.

Valor Econômico