Chefes da PF e PRF no Rio já enfrentaram bolsonarismo

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Foto: Hudson Fonseca/Aleam

Nascidos na Baixada Fluminense, os irmãos Leandro e Vitor Almada tornaram-se os chefes das polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF) no Rio de Janeiro em pouco menos de dois meses de intervalo. O primeiro foi nomeado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, ainda em janeiro, enquanto o irmão mais novo acabou confirmado em meados de março. No histórico recente da dupla, destaca-se o enfrentamento ao bolsonarismo dentro das respectivas instituições.

A peculiaridade de dois irmãos comandarem simultaneamente as polícias federais no mesmo Estado chamou a atenção. “Até brinquei com meu pai que iria dar problema”, disse Vitor Almada ao Valor. Ele garante que os movimentos pró-nomeações não foram coordenados. Também alega que, no seio familiar, eles evitam falar de forma detalhada sobre agruras, anseios e missões profissionais.

Os irmãos acabam se encontrando em atividades institucionais corriqueiras, já que estão sob a mesma estrutura do Ministério da Justiça. Foi o caso de uma entrega de viaturas ao governo do Rio em junho, protagonizada por Dino em agenda com autoridades fluminenses.

Uma particularidade dos irmãos Almada é que eles atuaram, dentro dos limites de cada instituição, contra o autoritarismo do governo de Jair Bolsonaro, que teve êxito ao cooptar a PRF para atividades ilícitas que estão em investigação – o uso da polícia para tentar prejudicar a votação de eleitores de Lula no segundo turno da eleição do ano passado. O bolsonarismo tentou o mesmo tipo de cooptação na PF, mas não obteve sucesso na instituição-irmã. Tanto Leandro quanto Vitor se colocaram contra essa prática nos últimos anos e ilustram a resistência de servidores ao projeto de corrosão democrática.

O primeiro foi um dos delegados envolvidos na investigação sobre exportação ilegal de madeiras no Amazonas, Estado onde viveu por vários anos. No mês passado, ao receber na Assembleia Legislativa do Estado o título de cidadão amazonense, disse: “Eu me sinto já um cidadão amazonense há muito tempo. Eu e minha família residimos aqui por 13 dos 16 anos que estou na PF.”

Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Leandro, 52 anos, foi oficial temporário do Exército Brasileiro, na arma de Infantaria, por quatro anos, e por uma década trabalhou como delegado da Polícia Civil em Minas Gerais, chegando a ser o titular de uma das delegacias especializadas em homicídios de Belo Horizonte.

Ele estava no Amazonas quando foi nomeado para cuidar da chamada “investigação da investigação” no caso da morte de Marielle Franco, no segundo semestre de 2018. Agora, tem de novo a missão de buscar respostas para a pergunta sobre quem mandou matar a vereadora carioca. Ao assumir a superintendência, arrastou consigo para a nova força-tarefa parte dos agentes que atuaram naquela primeira apuração.

Na superintendência do Amazonas, atuou ao lado de delegados como Alexandre Saraiva, que credita a Leandro uma participação essencial na investigação contra Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro e hoje deputado federal.

“O Leandro fez flagrantes importantes no Amazonas, trabalhou em várias operações contra o garimpo no Vale do Javari”, conta Saraiva, que atualmente é subordinado ao colega na superintendência da PF no interior do Rio de Janeiro.

Depois do Amazonas, Leandro Almada acabou nomeado, ainda no governo Bolsonaro, como superintendente da instituição na Bahia, cargo que o transformou num personagem-chave para depor contra o uso da máquina pública pelo bolsonarismo. No posto, foi um dos consultados pelo então ministro da Justiça, Anderson Torres, para que a PF realizasse uma ação conjunta com a PRF contra eleitores de Lula no segundo turno eleitoral. Leandro estranhou o episódio, inusual, recusou a atuação da PF e, mais tarde, depôs contra Torres.

No caso de Vitor, mais novo dos irmãos, o enfrentamento remete a Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da PRF que está preso por atuar para prejudicar os eleitores lulistas no Nordeste. Quando Vasques ainda estava no comando da superintendência do Rio, o atual chefe do posto chegou a formalizar uma denúncia interna contra ele. Agora à frente do órgão no Estado, Vitor contribui com as investigações sobre a compra de blindados pela PRF, operação que tem Vasques no centro das suspeitas de favorecimento à empresa Combat Armor.

Como o irmão da PF, Vitor também se graduou em direito – pela Universidade Estácio de Sá, levando 12 anos para concluir um curso geralmente completado em menos da metade – e fez curso de especialização no Exército, como motociclista batedor. Na PRF, antes de virar superintendente, atuou ainda na diretoria-executiva da instituição em Brasília.

Os Almada cresceram em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, perto da BR-040 – e, portanto, próximos à superintendência da PRF. São cinco irmãos na família, a maioria ligada ao serviço público: além dos dois policiais, há um auditor da Receita Federal e uma professora aposentada.

Veio da mãe, professora de uma escola estadual, o apreço pelo funcionalismo, costumam contar. Ela faleceu em junho. Já o pai, ferroviário e comerciante na região, também teve contribuição direta para a escolha profissional dos filhos, sobretudo no caso de Vitor. Quando a família pegava a estrada para passar dias de descanso na Região dos Lagos, tradicional destino praieiro do Rio, o futuro PRF admirava os postos da corporação e nutria simpatia pelas fardas e viaturas escuras com destacadas letras amarelas.

Valor Econômico