Militares entregam anéis para salvar os dedos

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Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Acredite quem quiser que os generais, os almirantes e os brigadeiros da época não souberam que Bolsonaro sondou os comandantes das Forças Armadas sobre o golpe que planejava para impedir a posse do presidente eleito Lula da Silva.

O comandante do Exército disse não, o da Aeronáutica também, mas o da Marinha, bolsonarista de quatro costados, disse sim com entusiasmo. É razoável supor que todos consultaram os demais colegas de alta patente e que a notícia tenha circulado em meio à família militar.

Não cabe, portanto, o ar de surpresa com o que contou sobre a tentativa frustrada de golpe o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante-de-ordem de Bolsonaro. Os altos oficiais das Forças Armadas souberam do que estava em curso e simplesmente se calaram.

Há crime de homicídio e crime de tentativa de homicídio. Está na Constituição: é crime gravíssimo conspirar para derrubar a democracia e pôr em seu lugar uma ditadura. Era que desejava Bolsonaro, e nunca escondeu. Foi o que ele fez, e os militares guardaram em segredo.

Bolsonaro diz que discutir qualquer assunto, até mesmo um golpe de Estado, não é crime. Seria crime dar o golpe. Só não deu porque faltou apoio. Mas teve essa intenção. Incorreu, portanto, em um crime. Poderia ter sido preso ou denunciado. O silêncio da farda o protegeu.

O silêncio torna a farda cúmplice da tentativa de golpe. Cúmplice de Bolsonaro ela foi antes de ele ser eleito e nos quatro anos de desgoverno. O primeiro ato de cumplicidade foi o twitter postado pelo general Villas Boas Correia que abortou um habeas-corpus para Lula.

Vilas Boas, então comandante do Exército, ouviu seus pares e divulgou uma nota com endereço certo: o Supremo Tribunal Federal. Foi em abril de 2018. Lula havia sido condenado em segunda instância. O habeas-corpus o livraria de ser preso.

Por um voto de diferença, o Supremo negou o habeas-corpus. Lula foi preso e impedido de disputar a eleição que seria vencida por Bolsonaro. A farda tolerou quatro anos de desmandos do capitão afastado do Exército por conduta antiética.

Tolerou sua pregação para que os brasileiros se armassem “para nunca mais ser escravos de ninguém”. Tolerou um general da ativa como ministro da Saúde; tolerou o desrespeito à regra que proíbe um militar da ativa de participar de atos políticos.

Não foi só Bolsonaro que se associou à Covid-19 para que ela matasse os que tivessem de morrer; a farda também se associou fabricando remédios comprovadamente ineficazes para combater a pandemia. E associou-se mais adiante para desacreditar o processo eleitoral.

Os militares estão empenhados em entregar algumas cabeças, inclusive a de Bolsonaro, para lavar a imagem das Forças Armadas enquanto instituição. Essa é uma tarefa que demandará muito, muito tempo para ser cumprida. Não basta individualizar as culpas. Tem que ajoelhar no milho.

Ou melhor: na brasa.

Metrópoles