Presidente do STF vota pela libertação das mulheres

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Prestes a se aposentar, a ministra Rosa Weber, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), votou na madrugada de hoje pela descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O voto foi o único contabilizado no julgamento, iniciado no plenário virtual. A discussão foi suspensa logo em seguida por um pedido de destaque feito pelo ministro Roberto Barroso. O instrumento leva a discussão do plenário virtual para as sessões presenciais da Corte. Ainda não há data para quando isso deve ocorrer.

Em longo voto de 103 páginas, Rosa ressaltou que a criminalização da decisão de uma mulher pela interrupção da gravidez perdura por mais de 70 anos no Brasil e que as mulheres não puderam se expressar sobre a criminalização durante o debate do tema

A ministra reforçou ainda que, durante décadas, as mulheres foram “subjugadas” e “excluídas da arena pública”. “Tratadas à margem da sociedade”, afirmou. Fomos silenciadas! Não tivemos como participar ativamente da deliberação sobre questão que nos é particular, que diz respeito ao fato comum da vida reprodutiva da mulher, mais que isso, que fala sobre o aspecto nuclear da conformação da sua autodeterminação, que é o projeto da maternidade e sua conciliação com todos as outras dimensões do projeto de vida digna Rosa Weber, presidente do STF Rosa defendeu a posição da autodeterminação da mulher e reforçou que a questão do aborto é um problema de saúde pública, sendo inclusive uma das quatro causas diretas de mortalidade materna. Para a ministra, a ilegalidade do procedimento provoca insegurança à mulher. “As mulheres que em algum momento da sua vida reprodutiva decidem pela interrupção voluntária da gravidez são as mesmas que convivem com todos nós no cotidiano da vida”, disse. A criminalização do ato não se mostra como política estatal adequada para dirimir os problemas que envolvem o aborto, como apontam as estatísticas e corroboraram os aportes informacionais produzidos na audiência pública Rosa Weber, presidente do STF Continua após a publicidade Rosa afirmou ainda que a criminalização “perpetua o quadro de discriminação com base no gênero”, uma vez que nenhum homem é reprovado pela sua conduta de liberdade sexual. A ministra cobrou ainda a necessidade de políticas públicas que ajudem a evitar gravidez indesejada. “Tanto que pouco —ou nada— se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade”, afirmou. Olhar para as consequências do problema e resolvê-lo com base em uma única lógica, a da continuidade forçada da gestação, em nome da tutela absoluta de único bem –nascituro– em um conflito policêntrico, não é o caminho Rosa Weber, presidente do STF

A ação, proposta pelo PSOL, tramita no Supremo desde 2017 e teve avanços lentos desde então. O partido alega que a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação viola direitos fundamentais das mulheres à vida, à liberdade e à integridade física. Hoje, a interrupção da gravidez é considerada crime para a mulher que o comete, com pena de um a três anos. Quem faz o aborto em uma gestante, com ou sem o seu consentimento, também incorre em crime, com pena de três a dez anos.

O aborto só é permitido em casos de gravidez derivada de estupro, gestação em que não há outro meio de salvar a vida da mulher ou se o feto for anencéfalo. As duas primeiras exceções estão previstas no Código Penal, e a última foi decidida pelo próprio STF, em 2012. O STF julgaria o caso em plenário virtual. Os ministros votariam da meia-noite de hoje até as 23h59 da próxima sexta (29), mas como Barroso pediu destaque, a ação será levada para as sessões presenciais da Corte. A expectativa era que o julgamento não fosse concluído neste momento. Fontes consultadas pelo UOL davam como certo que algum ministro pediria vista —mais tempo de análise— ou destaque assim que a discussão fosse iniciada nesta madrugada. Prioridade antes de se aposentar Relatora do caso, Rosa Weber já sinalizava que pretendia levar a questão do aborto a julgamento. Nas últimas semanas, porém, a agenda do plenário presencial da Corte foi ocupada pelos julgamentos dos primeiros réus dos atos de 8 de janeiro e do marco temporal das terras indígenas. A interlocutores, Rosa afirmou que dedicou o seu tempo nos últimos meses à ação e, por isso, gostaria de ter o seu voto contabilizado. Mesmo que o caso seja interrompido e só retomado após a aposentadoria da ministra, o voto dela continuará valendo. Continua após a publicidade A decisão de levar o caso inicialmente ao plenário virtual também se deveu ao tamanho do processo. Como muitas entidades estão inscritas na ação como amicus curiae — “amigos da corte” —, só as sustentações orais poderiam tomar duas sessões do plenário presencial. Rosa Weber deixa o Supremo no próximo dia 2 de outubro. Antes disso, na quinta-feira (28), ela passará a presidência ao ministro Luís Roberto Barroso, atual vice-presidente do STF. STF tem histórico pró-descriminalização O Supremo tem um histórico de decisões favoráveis à liberação do aborto, apesar de o tema ser considerado “espinhoso” até por ministros simpáticos à descriminalização. Em 2012, o aborto para fetos anencéfalos foi aprovado por oito votos a dois. O entendimento firmado na ocasião é que a gravidez de um feto com anencefalia (falta de partes do cérebro) pode provocar complicações à saúde da mulher. Como o feto tende a ser natimorto, a interrupção da gravidez não poderia ser equiparada ao aborto, decidiu o tribunal. Em 2016, a 1ª Turma do STF não viu crime no aborto realizado nos primeiros três meses da gestação. O entendimento, porém, foi restrito a um caso que tratava de uma clínica de aborto clandestina em Duque de Caxias (RJ), e não tinha repercussão geral. Continua após a publicidade Na ocasião, votaram a favor dos réus os ministros Barroso, Weber e Edson Fachin. Barroso, relator do caso, afirmou que a criminalização do aborto no primeiro trimestre da gestação viola diversos direitos da mulher. O ministro afirmou em voto que a criminalização atinge principalmente mulheres mais pobres. O ministro ponderou que elas precisam recorrer a clínicas clandestinas sem infraestrutura, aumentando riscos de lesões, mutilações e óbito no processo. Como pode o Estado — isto é, um delegado de polícia, um promotor de Justiça ou um juiz de direito — impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida? Luís Roberto Barroso, ministro do STF, em votação em 2016

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