STF estuda como indenizar brancos em terra indígena

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Foto: Carlos Moura/SCO/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o chamado marco temporal, mas a discussão continua na quarta-feira, quando os ministros terão que fixar a tese que servirá de parâmetro para a demarcação de pelo menos 226 territórios indígenas de norte a sul do país. O principal agora é definir como serão indenizados os proprietários que adquiriram as terras de boa-fé e terão que deixar suas propriedades, para que elas sejam demarcadas como terras indígenas. Segundo o Valor apurou, ministros do STF consideram esse ponto crucial e que poderá influenciar o ritmo e o alcance das próximas demarcações, uma vez que o Estado não tem capacidade de realizar grandes desembolsos para pagar as indenizações.

Os ministros ainda precisarão definir, por exemplo, se os Estados também bancarão a conta. Isso porque em muitos casos os governos estaduais foram responsáveis pelas concessões de títulos das terras que podem ser objeto de litígio. Em outra frente, conforme o Valor revelou, assim que o julgamento do caso foi retomado, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu para que o Ministério dos Povos Indígenas e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) começassem a calcular o impacto orçamentário levando em conta as peculiaridades de cada território que aguarda demarcação. Ao longo do julgamento – que se estendeu por 11 sessões – pelo menos quatro teses distintas foram apresentadas. O marco temporal estabelecia que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição. A tese foi firmada pelo próprio STF, ao discutir o caso da Raposa Serra do Sol, e acabou abraçada pelos ruralistas, mas era vista como uma ameaça pelos povos originários, por praticamente inviabilizar a demarcação de novos territórios. Zanin diz que União e Estados devem ser responsáveis pelas indenizações a proprietários Ao longo do julgamento, apenas os dois ministros indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que tinha forte ligação com o agronegócio, reconheceram a validade do marco temporal: Kassio Nunes Marques e André Mendonça. Todos os demais apontaram que a data da promulgação da Constituição não poderia ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra por essas comunidades. O placar foi 9 a 2. Apesar da ampla maioria, os ministros não chegaram a um consenso sobre o que acontecerá com quem hoje ocupa terras que serão demarcadas no futuro. O caso concreto que deu origem a ação discutida no STF é emblemático. Com a derrubada do marco temporal, a Terra Indígena Ibirama La-Klãnõ passará dos atuais 14 mil hectares para 37 mil hectares. Essa expansão atingirá mais de 480 famílias de colonos, como são chamados os agricultores locais, que terão que deixar suas propriedades. A primeira proposta foi feita pelo relator, ministro Edson Fachin, ainda em 2021, quando o plenário começou a julgar o caso. Em voto duro voto contra o marco temporal, ele propôs que deveriam ser ressarcidas apenas as benfeitorias realizadas pelos proprietários, e não a chamada terra nua. Para quem tiver que deixar suas propriedades, o ministro propôs que eles deveriam ter prioridade em assentamentos. Essa é a tese que mais agrada aos povos indígenas. Em junho deste ano, quando o debate foi retomado, Moraes defendeu a necessidade de conciliar os direitos dos indígenas com os de produtores rurais que adquiriram as terras regularmente e de “boa-fé”. O ministro propôs que a União deveria pagar uma indenização prévia sobre o valor total dos imóveis, e não apenas em relação às benfeitorias realizadas. Após a manifestação do ministro, o governo federal começou a fazer as contas de quanto custaria colocar a proposta de Moraes em prática e concluiu, segundo documento enviado ao STF, que seria um “gasto incalculável” que poderia até mesmo inviabilizar futuras demarcações. No fim de agosto, foi a vez de Zanin apresentar outro modelo: a responsabilidade civil não deve ser apenas da União, mas também dos Estados. O voto dele foi costurado com movimentos indígenas e considerado um bom meio-termo pelo governo. Barroso apontou concordar com Zanin, mas ponderou que a questão das indenizações deveria ser discutida futuramente, e não durante o julgamento sobre a tese do marco temporal. Na quarta-feira, Toffoli foi o único ministro a se manifestar. Ele defendeu que os cálculos de possíveis indenizações ocorram em paralelo aos procedimentos demarcatórios, de modo que, ao tempo da desocupação, já se tenha a fixação do valor da terra nua. Para o ministro, as indenizações não devem ser a regra, “sempre devendo-se buscar o meio menos gravoso aos cofres públicos para a satisfação da reparação” – por exemplo, o reassentamento. Ele sugeriu que o Congresso deveria legislar sobre o aproveitamento econômico das terras indígenas, o que poderia autorizar, por exemplo, a mineração nos locais.

Valor Econômico