Libertação de Lula dificulta reforma neoliberal de Guedes
Foto: Rodolfo Buhrer/Reuters
A semana começou com Paulo Guedes no centro da cena, fazendo uma longa e densa explanação sobre a proposta do governo de Jair Bolsonaro para reformar o Estado e o Orçamento, revendo a relação entre União, Estados e municípios, criando mecanismos novos (alguns draconianos) de responsabilidade fiscal e atacando de frente a corporação dos servidores. E terminou com Lula em cima de um palanque, solto, embora não livre, prometendo percorrer o Brasil para bombardear a agenda liberal do ministro para a economia. Com a volta da polarização entre bolsonarismo e lulopetismo ao seu grau máximo de exacerbação, Guedes corre sério risco de se tornar boi de piranha.
Todo mundo sabe que a fé de Bolsonaro no credo liberal é nenhuma. O próprio Posto Ipiranga demonstra que vem aprendendo a entender as leis da política. Os ventos de 2018 levaram a uma conversão sem convicção do velho nacionalista corporativista do baixo clero aos fundamentos da Escola de Chicago.
Afinal, a nova matriz econômica de Dilma Rousseff levara o País ao buraco, o PT era o inimigo a ser batido e o mercado comprou Bolsonaro na alta da facada e se convenceu de que ele era o Cavalo de Troia para levar o Brasil a cruzar os portões do livre mercado e da ortodoxia fiscal.
Mas ventos mudam, e os da política com maior velocidade e imprevisibilidade que os da natureza. Já escrevi neste mesmo espaço a respeito de como a revolta inesperada e violenta da população do Chile com a desigualdade social e os privilégios dos ricos recomendava atenção das autoridades brasileiras à necessidade de se colocar o povo na equação do necessário ajuste.
Essa preocupação, inclusive, transpareceu na fala de Guedes no lançamento da fase dois das reformas, quando disse que Bolsonaro não o autorizou a pisar demais no acelerador.
Lula nas ruas representa o catalisador da insatisfação popular com uma agenda que pode facilmente ser traduzida nos palanques por uma em que Saúde e Educação passam a ser uma rubrica única e de gastos flexíveis, programas sociais são entraves à decoração da sala e o funcionalismo público é o vilão a impedir o acesso do “pagador de impostos” a serviços dignos de seu desembolso.
Bolsonaro pode ser tudo, menos politicamente desatento. Ele sabe que a polarização está de volta e que tem tudo para tirar dela dividendos eleitorais. Entende que tem a chance de ouro de trazer de volta para seu colo os conservadores moderados que estavam se afastando diante dos seus laivos autoritários e os lavajatistas de luto pela soltura de Lula. Tanto que já voltou a fazer mesuras ao tantas vezes desautorizado Sérgio Moro.
Mas sabe que não pode deixar que Lula consiga aglutinar em torno de si todos os pobres, o Nordeste e ainda a centro-esquerda aviltada pelos ataques de Bolsonaro, seus filhos e acólitos olavistas aos direitos, à cultura, à diversidade e às liberdades individuais.
Por isso mandou os radicais se calarem diante da decisão do STF (por isso e porque tem um filho, Flávio, pendurado em favores da dupla Gilmar Mendes e Dias Toffoli). E graças a isso pode começar a deixar a agenda do Posto Ipiranga em banho-maria, algo que o timing de fim de ano do Congresso ajudará naturalmente que aconteça.
A força de Lula e sua capacidade de replicar aqui um sentimento de saudosismo com o populismo de esquerda que resgatou até Cristina Kirchner do limbo vão ditar a forma como seu antípoda, Bolsonaro, vai adaptar o liberalismo que prometeu aos novos ventos. Guedes pode ter aprendido muito de política, mas a entrada de Lula no cenário vai obrigá-lo a passar do estágio probatório ao PhD nessa arte tão imprevisível quanto fascinante.