Fake News: Guedes insiste que Lula estimula ‘quebra-tudo’
O ministro da Economia, Paulo Guedes , avalia ter feito a “aposta” certa ao embarcar no projeto de Jair Bolsonaro . Embora admita que o presidente tenha colocado um freio, Guedes diz manter o apoio dele na condução das reformas — que considera essenciais para o crescimento.
Em entrevista exclusivo ao GLOBO, o ministro chama o Congresso de “reformista” e afirma que a governabilidade se formou em torno da agenda econômica. Alvo de críticas por ter dito, na semana passada, que protestos poderiam levar a “alguém pedir o AI-5” , Guedes alega ter sido mal-interpretado, mas voltou a tratar o instrumento de exceção da ditadura como contraponto a manifestações violentas.
Ele também reconheceu que, inicialmente, achou uma “esculhambação” o projeto do Banco Central de limitar juro do cheque especial , mas terminou convencido de que isso não fere preceitos liberais. “Acabou com um abuso”, afirma. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Antes de o presidente Jair Bolsonaro ganhar a eleição, o senhor disse que, se não houvesse apoio dele às reformas e governabilidade para executá-las, sua presença no governo não estaria garantida. Um ano depois, qual é o seu diagnóstico?
Eu fiz uma aposta muito clara lá atrás, e minhas expectativas estão se confirmando. O presidente apoiou o programa até hoje. Apoiou a reforma da Previdência, o pacto federativo, mas diz que é uma questão de timing político. É falso dizer que o presidente não apoia a reforma administrativa, por exemplo. É timing político. A mídia também tem apoiado 100% a agenda econômica. Então estou superfeliz. E o que está acontecendo no Congresso? Primeiro, houve um choque inicial. Depois, absorveu. Hoje, Senado e a Câmara dos Deputados estão abraçando as reformas. Para as reformas, eles deram governabilidade. O presidente defendeu uma coisa ou outra corporativa. Mas ele apoiou o resto.
Mas não houve articulação política da parte do governo em prol da governabilidade.
O que está acontecendo é o seguinte: já existe a nova política. Ela já está acontecendo. Temos um Congresso reformista sem que o governo tenha tomado a frente. Há um clima de total cooperação. Os senadores estão com as equipes acampadas no ministério (da Economia) tratando do pacto federativo. A governabilidade está sendo feita em cima da agenda de reformas.
E como fica a reforma administrativa?
O presidente me assegurou que apoia a reforma administrativa . O problema é timing . Você não quer dar um pretexto pro sujeito fazer quebra-quebra na rua.
O senhor desistiu?
De jeito nenhum. Vai haver a reforma administrativa. Só que, nesse timing , você dá pretexto para os outros fazerem bagunça. Quando você bota quatro reformas, pelo menos uma começa a fazer bagunça.
As ruas não têm demonstrado risco de manifestação.
Mas tem gente chamando. É uma insanidade. Chamar pra rua manifestação ordeira e pacífica, como a que fazem quase todo fim de semana, problema nenhum. Agora, chamar para a rua para fazer igual no Chile e quebrar tudo foi uma insanidade, irresponsabilidade.
Há uma desaceleração da agenda de reformas?
Como economista, eu não tenho dúvida de que quanto mais rápido você implementar as reformas, mais rápido o país retoma o caminho do crescimento sustentável e mais baixo é o risco de acontecer o que aconteceu na Argentina . Acelerando essa agenda, eu acho que ele poderia perfeitamente crescer 1% este ano, 2% no ano que vem, 3% no seguinte e 4% no último ano.
Se nós acelerarmos as reformas agora, os frutos estarão colhidos ali na frente. Mas digo isso como economista. Agora, tem também o processamento político das reformas. Nós estávamos em um caminho. E aí, de repente, começa a confusão na América Latina . Bagunça, desordem, aí o timing politico começa a mudar.
Isso significa paralisação de toda a agenda?
De forma alguma. As outras estão andando. O pacto federativo tem três relatores trabalhando à máxima capacidade. Fora isso, a Câmara tem uma agenda fortíssima. O (presidente da Câmara) Rodrigo Maia está mandando o projeto de lei do saneamento , feito pelo (senador) Tasso Jereissati (autor da proposta), que é fundamental. É uma das reformas mais importantes para o país. Porque boa parte da diferença de expectativa de vida do Brasil é por causa da mortalidade infantil.
O senador e a equipe dele estão trabalhando bastante junto com a nossa. Isso vai trazer centenas de milhões em investimento em saneamento no Brasil. Lá fora, de cada dez perguntas, seis ou sete são sobre o setor de saneamento. É um investimento relativamente estável e o investidor gosta de soluções privadas para problemas públicos. É ideal para o Brasil porque estamos sem recurso. O estado brasileiro está quebrado. Com essa lei, em cinco ou seis anos acaba o problema do saneamento básico no Brasil.
Qual é a previsão do ministério sobre a reforma tributária?
Houve uma guerra de versões sobre a reforma tributária e o secretário da Receita (Marcos Cintra) caiu . Então tivemos de refazer tudo, pois era ele que conduzia todos esses assuntos. Mas estamos recuperando rapidamente os vetores para começarmos a entrar. Devemos apresentar ainda este ano, dentro de uma ou duas semanas, a primeira fase da tributária, que é a do IVA Dual (tipo de imposto sobre valor agregado). O (economista Bernard) Appy também tinha feito essa proposta. A gente viu que é mais fácil encaixarmos isso do que tentarmos invadir.
Se o governo federal propuser a extinção do ISS (imposto municipal) e do ICMS (estadual) numa proposta, vai ser uma invasão de esferas de legislação. Agora, se fizermos algo que seja facilmente acoplado ao que os municípios desejam, fica melhor. Essa é uma agenda para o ano que vem. A mais conveniente pra este ano, para chegar a pelo menos o primeiro turno na Câmara, era a administrativa , não há dúvida. Infelizmente ela deu uma descansada. Daí o meu lamento. Quando o Brasil começa a retomar o crescimento, as reformas estão sendo aceleradas, vem essa confusão de rua dos outros países. Por isso meu lamento.
O senhor sempre menciona a liberal-democracia como modelo ideal de governo. Quais são os sinais de que o Estado brasileiro esteja caminhando para esse modelo, além das reformas propostas pela sua pasta ?
Eu exatamente prefiro ficar mais na esfera econômica porque toda vez que eu saio não sou bem compreendido. Eu celebro a nossa democracia como sociedade aberta em construção. Eu tenho certeza de que o Congresso, a mídia, o presidente, nós estamos no caminho. Ordem é Estado democrático de direito. O Brasil está fazendo os seus aperfeiçoamentos institucionais, as independências de poderes estão sendo trabalhadas. Aí dizem: ah, mas o Supremo (Tribunal Federal) está brigando com o Ministério Público. Eu digo: não, é a demarcação dos territórios, é normal isso. Você tem de demarcar até onde pode ir o MP sem ser abuso de autoridade e até onde pode ir o STF sem ser proteção da impunidade.
Então eu sempre vi muito construtivamente todo esse desenvolvimento institucional. Eu defendi sempre isso. E aí eu abro o jornal e vejo as pessoas falando o contrário. Eu falo: olha, eu defendo a democracia, temos que evitar a desordem. Aí distorcem uma defesa da democracia em ataque à democracia. Eu falo: temos um trabalho enorme pela frente, não vamos nos deixar desviar, temos os extremos. Eu falei de fatos, não inventei nada. Tinha um ex-presidente falando “vamos pra rua quebrar tudo”, e aí tem uma outra pessoa falando que vai ter resposta. Aí eu estou justamente falando que temos todos de ser responsáveis. E o que eu observei? Um tratamento irresponsável.
O filho do presidente falou em AI-5 antes de Lula ser solto e chamar manifestações.
O (deputado) Eduardo (Bolsonaro) não falou isso do nada . Quebraram tudo no Chile. Aí o Lula sai da cadeia e fala: vamos fazer igual no Chile. Eu estava advertindo contra isso, em defesa da democracia.
A agenda de privatizações está sendo mais difícil do que o senhor imaginava?
Sim. Mas no primeiro ano as privatizações chegaram a R$ 100 bilhões .
Como fica a previsão de R$ 1 trilhão?
Um trilhão nos quatro anos. A meta do primeiro ano era R$ 80 bilhões.
Já havia a expectativa de que seria difícil.
Teve um movimento muito importante este ano que foi o STF definir uma regra clara. Você pode vender todas as subsidiárias das estatais agora, mas, se quiser vender uma empresa-mãe, tem de levar para o Legislativo. Isso é bom porque criou um marco jurídico. Neste primeiro ano, a meta era de R$ 80 bilhões porque sabíamos que seria difícil. Então, voltando à pergunta: o objetivo de privatização é difícil? Sim. Mais difícil do que eu esperava? Sim. De onde está vindo a dificuldade? No primeiro ano cumprimos a meta.
Neste aspecto, é bom pegar uma característica minha. Eu venho do setor privado. No setor privado, a gente trabalha com big, bold target (jargão do mercado, em inglês, para metas muito ambiciosas ) . Se der tudo errado, deu duas vezes o que o governo anterior queria.
O senhor tinha uma meta ousada de zerar o déficit também…
Deu tudo errado. Mas é o menor déficit em seis anos . O previsto era R$ 139 bilhões e vai ser R$ 80 bilhões. Então você tem de trabalhar com a meta ousada. Tem economista que trabalha diferente: “vamos baixar de R$ 139 bilhões pra R$ 122 bilhões e aí você cumpre a meta”. O meu é big, bold target . Todo ano eu vou tentar. Vai ser possível? Não sei. Mas vou tentar. E privatização? Vou vender tudo. Essa é a meta. Tem uma particularmente que pode ser de R$ 250 bilhões.
Qual?
Eu não vou falar qual é. Não posso falar ainda. Mas o fato é que prefiro estar aproximadamente certo na direção correta do que exatamente preciso na direção errada. Olha o que acontecia: a dívida crescendo sem parar, uma sangria… mas tudo dentro das metas. “As metas serão entregues”, diziam… Eu não. Prefiro estar aproximadamente certo. Eu não acho que a credibilidade venha de você acertar metas pífias. Eu acho que a credibilidade vem do esforço consistente de fazer a coisa certa.
O Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual o Ministério da Economia faz parte, estabeleceu limites aos juros do cheque especial. O senhor participou dessa decisão?
Essa agenda é do Banco Central. O (presidente do BC, Roberto) Campos Neto estudou cinco meses o problema do descalabro dos juros do cheque especial . É um negócio completamente absurdo. Os juros estavam em torno de 400% ao ano. Quem recorre ao cheque especial é quem não tem dinheiro. A classe média também usa muito, mas o pobre recém-bancarizado é o usuário intensivo.
Não há divergência entre essa decisão e a agenda liberal?
Eu sempre adverti o seguinte: não gostamos de tabelamento de juros, embora haja uma razão teórica. Qualquer liberal pode, sim, intervir num mercado em que haja alta concentração de poder econômico. Você tem fundamento teórico para intervir. Quando a economia é competitiva, você não precisa se preocupar com exploração do uso.
Eu falei para o Campos: esse tabelamento até um liberal tem razões teóricas para fazer, mas acho isso esculhambação. Aí ele disse: não, mas vamos derrubar de 400% pra 200%. Eu falei: pô, aí vai me arrumar problema político. Vão nos criticar que somos liberais e estamos tabelando preço. Assim a gente não precisa de oposição. Então minha reação inicial há cinco meses foi: Campos, cuidado onde você está indo… Ele então argumentou que não era tabelamento e sim a redefinição do produto: “Eu sei onde nós bancos estamos fazendo a maldade. Eu vou desmontar a maldade”, ele disse.
Como funciona a “maldade”?
O Campos explicou que, hoje, quem é muito rico tem um cheque especial de R$ 1 milhão. Não usa, mas o dinheiro tem de ficar parado no banco à disposição. E aí tem o pobrezinho que usa toda hora, com um limite pequenininho. Só que o produto é analisado conjuntamente. Quanto custa ter esse dinheiro todo parado? Quem usa é o pequenininho e ele está pagando pelo limite paralisado do rico? Ao redefinir, o pequeno não paga nada. Ele acabou com um abuso. Quem paralisa limite grande paga por limite grande, não o contrário. Pelo redesenho, não é um tabelamento. O argumento é interessante. Eu dei a minha advertência sobre a possibilidade de interpretação como tabelamento. Ele garantiu que não era. Esse limite máximo tem nos EUA, na França… em outros países avançados que viram que estava tendo esse abuso também.
Ao avaliar esse primeiro ano, o senhor está satisfeito?
O senso que eu tenho é de missão. Está dando para fazer mais do que eu fazia no setor privado. É menos do que eu gostaria de fazer, mas é mais do que eu já fiz antes. Antes de estar no governo, já fazia meu trabalho de outra forma em educação. É um mundo novo, com uma lógica distinta. Estou aprendendo e muita gente está me ajudando, muita gente séria, no TCU (Tribunal de Contas da União), no Supremo, na Câmara, no Senado, e na equipe econômica. Gente de extraordinária qualidade, que já estava, diamantes brutos.
A diferença, em relação ao setor privado, é que agora o senhor tem poder.
Sim. Agora tenho poder de execução. Mas meu poder já é limitado justamente, compreensivelmente e desejavelmente pelos outros. Por exemplo, tentei fazer uma Previdência com capitalização . Não consegui.