Polícia espera identificar autores do atentado ao Porta dos Fundos em breve
Foto: TV Globo
O grupo responsável pelo ataque à produtora Porta dos Fundos, no sábado, escondeu a placa do carro tipo SUV, usado na ação, com “silver tape”, fita adesiva de cor cinza. Com base em imagens colhidas de câmeras de prédios e da CET-Rio, equipes da 10ª Delegacia Policial (Botafogo) estão montando um croqui da trajetória de chegada e da rota de fuga do carro e da moto utilizados pelos quatro homens envolvidos na investida contra o prédio da produtora, na Rua Capitão Salomão, Humaitá.
Pela evolução das investigações, o delegado responsável, Marco Ribeiro, espera identificar os responsáveis em cinco dias. Os investigadores já sabem que os ocupantes do carro não usaram a fita adesiva o tempo todo, pois poderiam ser pegos em blitz policial. O trabalho, até o momento, está concentrado no local do crime e imediações, mas o delegado admitiu que poderá ampliar para outras ações envolvendo o mesmo grupo.
— As diligências estão em andamento. Os envolvidos estão sendo identificados por vários recursos — disse.
Na madrugada de sábado, homens com capuzes atiraram três coquetéis molotov contra a produtora. Em seguida, o vídeo que circulou na internet reivindicou o ataque para o “Comando de Insurgência Popular Nacionalista” da “Família Integralista Brasileira” em represália ao especial de Natal do Porta dos Fundos.
A princípio, a investigação da 10ª DP apura os crimes de incêndio e tentativa de homicídio contra o segurança que estava no local e que conseguiu apagar o fogo. A hipótese de o caso ser tipificado como terrorismo não está descartada. Se isso acontecer, a atribuição do caso passa para a Polícia Federal, já que a Lei Antiterrorismo, de 2016, prevê que esses crimes “são praticados contra o interesse da União”.
A polícia vai analisar imagens de 80 horas de filmagens de câmeras de segurança, que foram enviadas nesta sexta-feira para um laboratório do Instituto de Criminalística Carlos Éboli. O Objetivo é que um programa de computador ajude no exame pericial a identificar todos os números e letras das placas de uma caminhonete e de uma motocicleta.
Além do material já recolhido, os investigadores da 10ªDP também tentam obter outras imagens de câmeras de segurança de pontos do Humaitá, e também de trechos dos Bairros de Botafogo, Urca e até do Túnel Santa Bárbara. Isso ajudaria a confirmar uma possível rota de fuga usada pelos envolvidos no ataque.
Paralelamente a isso, a investigação monitora a apuração feita por outras delegacias, da autoria do roubo de quatro veículos, levados horas antes do ataque. Todos tem características parecidas com a caminhonete usada no ataque `Porta dos Fundos.
Policiais da 10ª DP (Botafogo) já sabem, por testemunhas, que os homens rondaram o local horas antes do crime, esperando um bar próximo à produtora esvaziar. O ataque com coquetéis-molotov foi às 5h21 do último dia 24. Para tentar descobrir se algum dos criminosos passou pelo local sem máscara antes do ataque, a polícia vai analisar filmagens a partir de 1h até pouco depois das 6h. Já foram obtidas imagens de clínicas médicas, restaurantes, lojas e de um edifício residencial.
Na próxima semana, a Polícia deverá ouvir o vigilante de serviço no prédio na hora do ataque. O funcionário apagou o incêndio provocado pelos coquetéis com um extintor.
— Vamos ouvi-lo, mas ele dirá o que todos já sabem: que viu três homens de capuz atacando o prédio. O importante agora é encontrar e colher os rastros que o grupo foi deixando pelo caminho, para poder identificá-lo — explicou o delegado.
No ataque, dois homens estavam no carro e outros dois na moto. Enquanto três deles atiravam os coquetéis, um quarto registrava a ação de um celular, cujas imagens provavelmente são as mesmas divulgadas pelo Comando de Insurgência. Embora a Frente Integralista Brasileira (FIB) tenha negado a autoria, o delegado não descarta que os agressores façam parte de um grupo independente, formado por pessoas com perfil parecido, que tenha simpatia pela organização política.
Odilon Caldeira Neto, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora, explicou que os grupos neointegralistas se articulam a partir das leituras que esses indivíduos têm do movimento integralista, seu passado, presente e futuro.
— Logo, não é de se espantar que alguns façam elogio às tendências mais conservadoras (amparadas na tendência majoritária, de Plínio Salgado) enquanto outros se aproximam mais do radicalismo antissemita (de Gustavo Barroso, professor de História Contemporânea da Universidade Federal de Juiz de Fora). Além disso, esses grupos divergem quanto à forma de organização, seus interesses e suas articulações no campo mais amplo da extrema direita.
Até o ataque com coquetéis molotov na madrugada de sábado, as reações contra o especial de Natal da produtora Porta dos Fundos foram sete ações judiciais que tinham com parte ré contra o serviço de streaming Netflix.
Duas ações contra universidades, ocorridas em novembro do ano passado e janeiro deste ano, podem oferecer à Polícia Civil pistas sobre a autoria do atentado à produtora. Em ambas, homens desconhecidos no meio acadêmico entraram nos campos da UFF, em Niterói, e da UniRio (Direito), em Botafogo, e furtaram faixas penduradas por alunos com dizeres antifascistas. Em seguida, os invasores, encapuzados e exibindo ao fundo uma bandeira com o sigma, letra do alfabeto grego que foi símbolo da Ação Integralista Brasileira (AIB), queimaram as faixas em espécie de ritual.
Nas duas ações, os agressores se identificaram nos vídeos anônimos como membros do “Comando de Insurgência Popular Nacionalista” da “Família Integralista Brasileira”, o mesmo que assumiu a autoria do ataque ao Porta dos Fundos. Os vigilantes do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas da UniRio, na Rua Voluntários da Pátria, onde ocorreu o primeiro ataque, contaram que os três invasores de se apresentaram como policiais. Um deles disse que era o “subtenente da área”.
A invasão na UniRio ocorreu por volta das 16 horas de uma sexta-feira, dia 30 de novembro. Pelo relato dos vigilantes, registrado no livro de ocorrências, um grupo de três pessoas chegou ao campus e um deles, identificado como subtenente da área, solicitou a retirada das faixas. Os seguranças alegaram que, quando deles deixou a entrada da instituição para informar o decano, professor Benedito Adeodato, os homens teriam entrado no prédio e arrancado as faixas, deixando o campus às pressas.
Acionado, o Ministério Público Federal (MPF) tratou a invasão como furto e a UniRio não teve mais retorno sobre as investigações. A Procuradoria Regional da República da 2ª Região (PRR-2) registrou o caso como “notícia de fato” e assinalou no documento “possível risco à segurança de alunos e profissionais que frequentam o campus”. As três bandeiras furtadas e queimadas eram de diretórios acadêmicos da UniRio e traziam dizeres contra o fascismo (“Administração pública antifascista”, “Direito antifascista” e “Ciência política antifascista”).
No vídeo anônimo, 11 homens encapuzados e vestidos de preto, pisam nas bandeiras dos estudantes da UniRio antes de queimá-las. Um deles, com a voz alterada, lê um texto no qual cita que a “juventude é ensinada a insurgir contra a pátria” e que os jovens se transformaram em “operários do crime”, “homossexuais militantes”, “pedófilos” e “criaturas acovardadas desprovidas de amor ao próximo”.
O vídeo do ataque à UFF, registrado no dia 3 de janeiro, é semelhante, aparentemente gravado pelas mesmas pessoas no mesmo ambiente – homem de preto, com capuz, sendo que um deles lê um texto com dizeres contra os estudantes.