Bolsonaristas respondem por maioria de processos de quebra de decoro parlamentar

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Foto: Reprodução

O recorde de processos no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados — foram 20 instaurados neste ano, o maior número da década — sinaliza que o decoro parlamentar foi uma instituição enfraquecida no Brasil de 2019.

A retórica agressiva, a sucessão de ofensas e os xingamentos impublicáveis que ecoaram nas casas legislativas representam uma “política do confronto”, encampada principalmente por correligionários do presidente Jair Bolsonaro, cujo teste de fogo será as eleições municipais de 2020, na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO.

Dos 20 processos no Conselho de Ética, 12 tiveram deputados do PSL como alvo. A frequência do confronto também apareceu em casas legislativas locais, como a Assembleia Legislativa de São Paulo, que registrou 21 denúncias em seu Conselho de Ética neste ano — 18 delas também envolvendo deputados do PSL.

A maioria dos processos foi instaurada depois do racha entre Bolsonaro e o presidente da legenda, Luciano Bivar, em outubro, quando os ataques verbais no plenário da Câmara e nas redes sociais passaram a ser disparados entre as diferentes alas do partido.

A oposição ao governo Bolsonaro também desceu o nível este ano — em abril, durante a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Congresso, o deputado Zeca Dirceu (PT) o chamou de “tigrão” com os aposentados e “tchutchuca” com os privilegiados.

A antropóloga Isabela Kalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fapesp), avalia o enfraquecimento da chamada “liturgia” do cargo — isto é, um conjunto de comportamentos com maior formalidade — como um sinal também da ampliação do perfil da Câmara, antes mais restrita a grupos homogêneos e velhas linhagens políticas. O grupo bolsonarista, lembra Isabela, se elegeu buscando a cartilha de “viralizar” nas redes sociais, normalmente associada a comportamentos polêmicos e agressivos. Para a antropóloga, este comportamento — que ela chama de “política emocionada” — se manifestou já no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em discursos inflamados como o da então advogada Janaína Paschoal, hoje deputada estadual em São Paulo.

— Se um político não segue essa cartilha hoje em dia, ele acaba sendo considerado chato, não ganha atenção — pontuou Isabela. — Em 2020, teremos um novo termômetro eleitoral dessa bolsonarização, porque será o momento em que políticos locais vão tentar se valer desta lógica. Será possível avaliar a dimensão desse fenômeno.

Em junho, em raro pronunciamento na Câmara dos Vereadores do Rio, Carlos Bolsonaro (PSC) irritou colegas ao ironizar características físicas de Reimont (PT) e Tarcísio Motta (PSOL). Chamou o primeiro de “cabeça de balão” e disse que o segundo deveria “ir pra Venezuela fazer um regime”.

Segundo o filósofo Eduardo Jardim, a carga machistPSLa e homofóbica de grande parte dos xingamentos é um eco do preconceito presente na sociedade e nos próprios usos da Língua Portuguesa:

— Não podemos ser conservadores a ponto de querer recuperar a liturgia, que é algo falido. Há, no entanto, uma chance para novos modelos aparecerem. É preciso encarar o desafio de pensar em outras maneiras de se fazer política.

O PSL, que até pouco tempo abrigava o presidente Jair Bolsonaro, tem o maior número de parlamentares com processos abertos ao longo de 2019 nos conselhos de Ética da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Em Brasília, seis deputados do PSL foram alvos de representações movidas pelo próprio partido por ofenderem ex-colegas de legenda e o comando nacional. Na Alesp, oito das 21 denúncias abertas neste ano têm deputados estaduais da sigla como alvo. Em outros dez casos, parlamentares do PSL foram os autores de representações.

Em uma das denúncias na Câmara, contra o deputado Daniel Silveira (RJ), a direção do PSL argumentou que o vazamento do áudio em que o então líder do partido Delegado Waldir (GO) chamava o presidente Jair Bolsonaro de “vagabundo”, entre outras palavras de baixo calão, transformou a legenda em “chacota nacional”.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (SP) responde a três processos no Conselho de Ética, um deles por chamar a colega de partido Joice Hasselmann (SP) de “Peppa Pig”, em alusão à porca do desenho animado homônimo. Joice, por sua vez, chamou a ex-aliada Carla Zambelli (SP) de “burra” durante uma sessão da CPMI das Fake News, e sugeriu que o presidente Jair Bolsonaro havia perguntado se Zambelli foi “prostituta” no passado.

— No caso do PSL, a quebra de decoro se tornou uma forma de governar. Durante a campanha eleitoral, o discurso rude e sem filtros de Bolsonaro foi avaliado como um sinal de coragem, de que seria um “outsider”. Agora esses políticos são reféns de sua própria estratégia, desta forma de entender a política como confronto — analisa a socióloga Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que pesquisa o comportamento do eleitorado bolsonarista.

Para o filósofo e cientista político Renato Lessa, da PUC-Rio, a sucessão de ofensas e xingamentos que marcou as casas legislativas este ano aponta para um tipo de cultura política em que não há limites para o confronto:

— É um comportamento tóxico para o ambiente democrático, por não haver a perspectiva da contenção e da mediação.

Mas não foram apenas os parlamentares do PSL alvos de processos movidos pelo partido em 2019. O presidente da legenda, Luciano Bivar, entrou com uma representação contra o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ), depois que que ele se referiu, em julho, ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, como “juiz ladrão”. Na ocasião, Moro esteve na Câmara para falar sobre mensagens vazadas atribuídas a ele e a procuradores da Lava-Jato.

O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-aliado do clã Bolsonaro, também protagonizou embates que descambaram para a baixaria na CPMI das Fake News. Frota sugeriu que Eduardo Bolsonaro assistia a filmes pornográficos e insinuou que o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) havia sentado em seu colo. Jordy respondeu que Frota tinha “prótese no pênis”.

Na Alesp, o deputado Douglas Garcia (PSL) foi acusado de quebra de decoro e foi punido com uma advertência após afirmar que tiraria “no tapa” uma transexual de dentro do mesmo banheiro feminino que sua mãe ou sua irmã usassem. Já o deputado Frederico d’Avila (PSL) foi denunciado depois de propor uma homenagem ao ditador chileno Augusto Pinochet, em novembro. O ato solene acabou cancelado.

Outro deputado estadual do partido alvo de processo no Conselho de Ética, o PSL, foi Adalberto Freitas. Ele foi acusado de incitar a violência depois de afirmar que mantinha funcionários armados em seu gabinete. A declaração ocorreu após representantes do Sindicato dos Professores da Rede Estadual (Apeoesp) irem ao gabinete da deputada Janaína Paschoal, também do PSL, que afirmou que seus funcionários foram ameaçados. O processo acabou arquivado.

MARÇO
O que é golden shower?
Vídeo impróprio para menores, postado no Twitter presidencial, chocou internautas e virou ação no STF

AGOSTO
Dia sim, dia não
Perguntado sobre preservação ambiental, Bolsonaro sugeriu a repórter uma adaptação fisiológica: “É só fazer cocô dia sim, dia não, tá certo?”

OUTUBRO
Botou a mãe no meio
Ao ouvir a pergunta “cadê o Queiroz?” na porta do Alvorada, Bolsonaro respondeu: “Tá com a sua mãe!”

“Eu implodo o presidente”
Em áudio vazado, o líder do PSL Delegado Waldir desabafou contra Bolsonaro: “Eu andei 246 cidades no sol, gritando o nome desse vagabundo”

Referência infantil
Em mais um capítulo da briga no PSL, Eduardo Bolsonaro chamou Joice Hasselmann de “Peppa”, referência a um desenho animado

NOVEMBRO
Suruba gay
O deputado Luiz Philippe Bragança disse ter sido alvo de um dossiê falso. Gustavo Bebbiano, ex-ministro de Bolsonaro, confirmou: “Uma história tão baixa, surreal, esquisita: príncipe, vice-presidência da República, suruba gay”

DEZEMBRO
Barraco entre ex-amigas
Joice chamou a colega Carla Zambelli de “burra” e disse que Bolsonaro levantou suspeitas sobre um trabalho como “prostituta” no passado. Zambelli devolveu: “Você é louca, psicopata”

“Você sentou no meu colo?”, ironizou Frota em discussão com Carlos Jordy, que manteve o (baixo) nível: “Como vou sentar aí, se ele teve que fazer prótese para implantar um pênis?”

O Globo