Ex-missionário pode chefiar trabalho com índios isolados
Foto: Gleison Miranda / Funai
Um ex-missionário evangélico é o nome mais cotado para assumir a coordenação-geral de índios isolados e de recente contato da Fundação Nacional do Índio (Funai). Seu nome é Ricardo Lopes Dias, que nos anos 1990 foi ligado à Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), polêmica entidade conhecida pelo trabalho de evangelização de índios no Brasil há décadas, prática condenada por diversas entidades de proteção às populações indígenas. Fontes ouvidas pelo GLOBO informam que o processo para a nomeação de Ricardo Lopes está em estágio avançado e pode ocorrer nos próximos dias.
Segundo informações de uma plataforma de dados acadêmicos e profissionais, Ricardo Lopes Dias é antropólogo, mestre em Ciências Sociais e cursa o doutorado em Ciências Humanas e Sociais na Universidade Federal do ABC, em São Paulo.
Nos anos 1990, porém, ele atuou como missionário vinculado à MNTB no interior do Amazonas, mais precisamente no Vale do Javari, uma região em que há diversos registros sobre a presença de índios isolados. É lá, inclusive, que fica a maior base de proteção etnoambiental da Funai, construída para proteger os índios isolados da região.
Depois de deixar a Amazônia, Ricardo Lopes Dias atuou como professor em uma série de universidades vinculadas a entidades evangélicas em São Paulo e em Goiás.
Fontes ouvidas pelo O GLOBO afirmam que a nomeação do ex-missionário é dada como certa pela Funai que já teria coletado documentos pessoais do futuro novo coordenador de proteção aos índios isolados.
Caso se concretize, a nomeação só terá sido possível porque, ontem, a Funai alterou os critérios para quem pode ocupar a coordenação-geral de proteção aos isolados.
Conforme O GLOBO mostrou na quinta-feira, o presidente da Funai, Alexandre Xavier, assinou uma portaria que permite que pessoas de fora da administração pública possam exercer o cargo. Até então, apenas servidores públicos efetivos poderiam ocupar o posto.
Atualmente, a coordenadora-geral é Paula Wolthers de Lorena Pires, antropóloga de formação e servidora efetiva da Funai.
A possível chegada de um ex-missionário evangélico à coordenação-geral de proteção aos índios isolados deixou o coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Paulo Tupiniquim, apreensivo.
– É um absurdo se isso vier a acontecer. A gente teme que a chegada de um missionário evangélico possa mudar a política de respeito às crenças dos isolados, que precisam ter a sua tradição respeitada. Os índios já sofreram demais com missionários que condenavam as religiões indígenas e tentaram nos converter. – afirma Tupiniquim.
Procurada, a Funai enviou uma nota informando que não poderia se manifestar sobre nomeações ainda não publicadas no Diário Oficial da União.
“Uma nomeação só é válida a partir de publicação de portaria no Diário Oficial, posse e exercício do nomeado. A Funai não se pronunciará quanto a supostas indicações. Lembrando que um procedimento de livre nomeação por parte do gestor e sua ocupação sempre deverá atender aos critérios exigidos pelo Decreto nº 9.727, de 15 de março de 2019”, diz a nota enviada pelo órgão.
A reportagem tentou localizar Ricardo Lopes Dias, mas até o fechamento desta reportagem, não conseguiu contactá-lo.
Desde 2019, a política de proteção aos índios isolados e de recente contato adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro vem sendo colocada em xeque.
Índios isolados são aqueles que, voluntariamente ou não, não mantêm contato com a sociedade envolvente. São considerados os mais vulneráveis do país justamente por não estarem acostumados com a presença de não-índios, por não terem defesas imunológicas contra diversas doenças e por habitarem terras cobiçadas por caçadores, garimpeiros e madeireiros.
Segundo dados da Funai, o Brasil tem 114 registros de índios isolados ou de recente contato. Desse total, 28 já foram confirmados. Funai tem hoje 19 bases de proteção a essas populações, todas localizadas na floresta amazônica.
Em estados como o Amazonas, onde há diversos registros de índios isolados, a Justiça Federal teve que intervir e obrigar o estado a fornecer proteção para servidores da Funai que atuam na base de proteção localizada no Vale do Javari. A instalação foi alvo de diversos ataques a tiros no ano passado.