Dalmo Dallari: “Daqui a pouco, nem se falará mais em impeachment”
A penúltima semana de 2015 termina com um alento à cidadania ao menos no que diz respeito às instituições brasileiras, que se mostraram mais sólidas do que poderia supor a nossa vã filosofia.
Senão, vejamos:
1 – Após a representação popular promovida por esta página – e firmada por milhares de leitores – pedindo ao procurador-geral da República que requeresse ao STF o afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o PGR cumpriu seu dever e, assim, contemplou nossa iniciativa.
2 – A Justiça finalmente julgou e condenou o mentor intelectual do “mensalão do PSDB”. Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB, apoiado até hoje por Aécio Neves, Fernando Henrique Cardoso et caterva foi condenado a 20 anos de prisão por ter sido o fundador do esquema de caixa 2 que produziu o “mensalão do PT”.
3 – O STF jogou água na fervura do impeachment ao decidir que haverá voto aberto para indicação pela Câmara da Comissão que decidirá pelo início do processo de impeachment, ao decidir que Dilma só poderá ser afastada do cargo se o Senado acolher eventual decisão dos deputados de abrir o processo e ao decidir que aquela Casa pode simplesmente arquivar esse processo por maioria simples.
O último tópico, sobre o papel do STF no âmbito da tentativa de golpe paraguaio, nos remete a um jurista que, desde março deste ano, vinha antevendo que aquela Corte barraria os arreganhos golpistas.
O jurista em questão é Dalmo de Abreu Dallari (Serra Negra, 31 de dezembro de 1931), formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, professor catedrático da UNESCO e um dos autores mais estudados em todas as faculdades de Direito do Brasil e do exterior.
Aos 84 anos, Dallari revelou-se um visionário.
Em março deste ano, o Blog o entrevistou sobre o processo golpista que já se fazia anunciar. Dallari, 9 meses atrás, disse que o STF barraria o golpe.
Confira, abaixo, trecho daquela entrevista
Blog da Cidadania – O Supremo Tribunal Federal deu tratamentos opostos aos ditos mensalões tucano e petista. No caso envolvendo o PSDB, houve desmembramento da ação, com o STF enviando para a primeira instância o caso do ex-senador Eduardo Azeredo, apesar de ele ter renunciado com o fim de não ser julgado naquela instância; no caso do PT, José Dirceu, entre outros, foi julgado pelo STF mesmo sem foro privilegiado. Esse fato é compatível com o regime democrático?
Dalmo Dallari – Foi lamentável a decisão equivocada, claramente equivocada, do Supremo Tribunal Federal, de julgar acusados que não gozavam do foro privilegiado. Ele julgou sem ter competência jurídica para tanto. Esse equívoco, afrontando disposições constitucionais expressas, foi contrário ao regime democrático e foi um mau momento do Supremo Tribunal Federal, que tem por função precípua a guarda da Constituição. Continuo confiando no Supremo Tribunal Federal e esperando que ele dê exemplo do respeito à Constituição e acredito que hoje não se repetiria o equívoco.
Em entrevista concedida a esta página em agosto, Dallari qualificou como “fantasia política” o processo de impeachment de Dilma, seja esse processo desencadeado pela Câmara ou pelo TSE.
Em setembro, em entrevista ao programa Contraponto, Dallari, mais uma vez, manifestou confiança no STF de que a Corte não permitiria o estupro da Constituição que já se ensaiava pelas garras de Eduardo Cunha.
Há poucas semanas (3 de dezembro), o jurista octogenário deu nova entrevista a este Blog reafirmando sua confiança no Supremo de que não deixaria passar os abusos que estavam sendo cometidos pela Câmara através de Cunha e seus esbirros.
Diante disso tudo, o Blog da Cidadania não poderia deixar de ir ouvir o professor Dalmo Dallari justamente no momento em que suas previsões se confirmam apesar de muitos que chegaram a duvidar de suas análises alegando que ele seria “ingênuo” e que já estaria muito idoso para entender o que está acontecendo no Brasil.
Impressiona que hoje, neste país, experiência de vida virou demérito, enquanto que nas sociedades milenares e mais desenvolvidas os anciões são vistos como fontes de sabedoria.
Fique, agora, com a entrevista do professor Dallari, quem acredita que o golpismo tupiniquim acaba de sofrer um duro golpe, e prevê que, em breve, ninguém falará mais em impeachment.
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Blog da Cidadania – Como o senhor analisa as decisões tomadas pelo STF na última quinta-feira?
Dalmo Dallari – Estou muito satisfeito porque se confirmou aquilo que eu vinha afirmando: o Supremo Tribunal Federal, por sua ampla maioria, está muito consciente da importância de sua missão constitucional.
A Constituição, quando trata das atribuições do Supremo Tribunal Federal, diz, textualmente, que compete a ele, precipuamente, a guarda dessa Constituição. E o que nós vimos, nesses dois últimos dias, foi, exatamente, os ministros com plena consciência dessa sua responsabilidade.
Em primeiro lugar, destaco o voto do ministro Fachin, que foi magnífico. Muito sereno e profundo, com sólida argumentação jurídica, levando em conta disposições constitucionais, aquilo que está na legislação ordinária, e fazendo a interpretação adequada à Constituição.
E o que nós vimos ontem [17/12] foi exatamente uma confirmação dessa consciência constitucional do Supremo Tribunal Federal. Houve debates, houve troca de ideias, mas, sempre, com sólida base jurídico-constitucional.
Eu ressalto, sobretudo, o voto do ministro Luis Roberto Barroso, que é um dos mais prestigiosos, eminentes, constitucionalistas do Brasil de hoje, e foi magnífica a sua participação.
Então, no conjunto, o que se verificou foi isso, que houve a preocupação, houve o cuidado de manter o respeito à autoridade da Constituição. Nesse aspecto, o Supremo Tribunal decidiu da maneira mais acertada possível, do ponto de vista jurídico-constitucional.
Existem pessoas, até mesmo da área jurídica, que não têm conhecimento da Constituição, dos preceitos constitucionais, que vinham dizendo que, decidida a instauração do processo pela Câmara dos Deputados, o Senado ficaria “obrigado” a obedecer.
Desde o começo desse processo, percebi que houve tentativa de criar aparência de que teria higidez jurídica. E, lamentavelmente, alguns profissionais do Direito deveriam ter mais consciência, mais conhecimento da Constituição.
Ainda hoje eu estava ouvindo uma advogada criminalista demonstrando que não conhece nada da Constituição e discordando da decisão do Supremo Tribunal. É lamentável. Eu recomendaria que os juristas em geral procurassem ao menos ler a Constituição.
Ora, isso não é o que está na Constituição, que atribui à Câmara de Deputados a competência para dar início à formação do processo, mas não dá a ela o poder de decisão. E também a decisão tomada na Câmara dos Deputados não é obrigatória para o Senado.
A Constituição é muito clara na diferenciação das atribuições: à Câmara compete iniciar o processo, decidir se vai preparar esse processo, e a competência para julgar é, exclusiva, do Senado.
Então, tudo isso foi observado com muita serenidade, discussão aberta, e eu acho que, no fundo, quem está de parabéns é o povo brasileiro, porque a Constituição feita pelo povo, e que tem sido reconhecida e saudada fora do Brasil como uma das mais democráticas do mundo, essa Constituição foi plenamente respeitada e aplicada.
Acho que estamos todos de parabéns. Realmente a sessão do impeachment é cheia de controvérsias, envolve muitos interesses políticos, além de outros interesses. Mas o que prevaleceu, na verdade, foi o espírito da Constituição, foram as normas constitucionais, que são normas jurídicas e superiores vinculantes, de maneira que, por tudo isso, estou muito satisfeito.
Blog da Cidadania – O senhor, no início, referiu-se ao voto do ministro Fachin, mas ele foi voto vencido…
Dalmo Dallari – Em alguns aspectos, a maioria acolheu as interpretações, em outros divergiu. Mas ressalto que a posição do ministro Fachin foi eminentemente jurídica, diferente do que houve com alguns poucos ministros que não se pautaram pelo mesmo critério.
Blog da Cidadania – Como o senhor vê essa questão do impeachment, a partir daqui? O senhor acha que esse processo vai prosperar?
Dalmo Dallari – Eu já vinha afirmando que o processo de impeachment nasceu sem qualquer fundamento jurídico. É pura e simplesmente uma proposta política ou, então, um ato de retaliação, de vingança, dos inconformados.
É o caso, por exemplo, de Aécio Neves, que não soube ganhar no passado e não está sabendo perder no presente. Mas, desde o começo, sempre entendi que essa proposta de impeachment não iria prosperar porque não tem o mínimo embasamento jurídico.
Por conta disso, penso que, daqui a pouco, nem se falará mais em impeachment. Essa aventura está chegando ao fim. É assunto para ficar no passado.