Discursos de Bolsonaro são coleção de tuítes

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Pouco antes do discurso de posse presidencial do pai no Congresso, o deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) havia dito que o texto seria “uma caixinha de surpresas”.

Não foi, exceto pelo exíguo tempo que tomou da plateia que tanta dificuldade teve para passar por bloqueios de segurança e alcançar o plenário da Câmara dos Deputados.

O texto foi lido em pouco menos de dez minutos, um sussurro perto dos caudalosos 44 minutos utilizados em 2003 pelo petista Luiz Inácio Lula da Silva. A fala foi um resumo de todos os tuítes postados por Jair Messias Bolsonaro (PSL) e seus lugares-tenentes nos últimos meses. Se há uma linha-mestra do bolsonarismo, está colocada ali para quem quiser criticar ou cobrar a aplicação depois.

A fórmula foi repetida, repaginada, no discurso seguinte no parlatório do Planalto. Lá, falando para seu público fiel, usou e abusou do linguajar pelo qual notabilizou-se ao longo de sua carreira. Prometeu libertar o Brasil do “socialismo, da inversão de valores, do politicamente correto e do gigantismo estatal”.

O texto lido no Congresso, por óbvio uma peça mais formal, foi mais estruturado. Citações a Deus, promessas de responsabilidade econômica e reformas estruturantes, concessões pontuais nos seus pontos de imagem mais frágeis (defesa da democracia, pedido de sociedade sem discriminação, ainda que respeitando a “tradição judaico-cristã”), defesa do armamento da população como forma de combater a violência, busca pelo fim da corrupção, crítica à ideologia de gênero e à submissão ideológica, suporte a uma política externa que traga grandeza política e econômica.

Algo fora do tom usual esteve o apelo aos seus antigos colegas de Congresso, com a promessa de “partilhar o poder”. “Temos a oportunidade única de reconstruir o país”, sugeriu. Após a escolha de um ministério ignorando largamente o Parlamento, outra promessa de campanha, Bolsonaro começa a lançar pontes, inclusive chamando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de amigo.

Talvez o presidente esteja, montado nos 28 anos de experiência parlamentar do qual se orgulhou no discurso, antevendo as dificuldades que irá enfrentar.

Toda a agenda econômica elaborada por Paulo Guedes, que assumirá como superministro da área, depende fortemente da aprovação de cara de algo parecido como uma reforma da Previdência —o que necessitará de três quintos dos votos nas duas Casas do Parlamento.

Tais mesuras, contudo, não foram registradas na fala pública. Ali, o voluntarismo da “campanha mais barata da história” foi jogado na cara da classe política do outro lado da praça dos Três Poderes. A incapacidade da política tradicional de entender as demandas da sociedade após três décadas de ineficiência do modelo da Constituição de 1988 e as forças liberadas a partir dos protestos de junho de 2013 foi respondida pelo eleitorado com esse Bolsonaro, o do parlatório.

Notável também é o messianismo que cerca as manifestações do clã Bolsonaro, embora com um grau menos intenso se comparado com a oração transmitida ao vivo pela internet no domingo em que venceu Fernando Haddad (PT) no segundo turno. Ainda assim, o presidente falou no Congresso que “inimigos da pátria e da ordem tentaram pôr fim à minha vida”, em referência ao atentado a faca que sofreu no dia 6 de setembro em Juiz de Fora (MG). Segundo ele, o evento transmutou sua campanha eleitoral num evento cívico de resgate nacional.

No discurso posterior, ele lembrou a mística bolsonarista em torno do atentado. Atualizou o chavão de que “nossa bandeira não será vermelha”, dizendo que apenas o será se for com o seu sangue.

O clima foi coalhado com uma ritualística militar que começou na chegada de Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão (PRTB) e suas mulheres ao Rolls Royce presidencial para o cortejo ao Congresso. Os tapumes isolando o carro com Bolsonaro contrastavam com as imagens de outras posses.

A presença de seu filho Carlos no banco de trás do veículo, bancando o guarda-costas, reforçou as tintas paranoicas do esquema de segurança rígido percebido o dia todo. Mas também carregou o simbolismo: o vereador carioca é até hoje o tutor da estratégia digital agressiva e bem sucedida de Bolsonaro até aqui. Ou seja: o caminho da comunicação direta e confrontação com a mídia tradicional continuará, ao menos até que a necessidade se interponha.

Já no Congresso, os gritos de mito e aplausos efusivos do plenário pontuaram suas falas. Mas foi Mourão, um general de quatro estrelas que só entrou na reserva neste ano, que encarnou melhor a imagem militarista do governo. Leu o seu termo de posse em posição de sentido e praticamente aos berros, gerando comentários não muito elogiosos por parte de congressistas presentes.

Da FSP