Comunismo e Imprensa: Os inimigos imaginários de Bolsonaro
Não há, na história, governantes sem seus vilões, sejam eles reais ou imaginários. Jair Bolsonaro, que toma posse hoje, já escolheu um inimigo imaginário (o comunismo) e um real, a imprensa. Ele tem razões objetivas para atacar os jornalistas.
Bolsonaro e sua família estão no baixo-clero da política há 30 anos praticamente sem serem notados. Antes de mostrarem interesse real em vencer eleições majoritárias, os Bolsonaro só viravam notícia quando diziam frases absurdas ou quando desmaiavam em debates. Eram da turma dos Severinos Cavalcanti, a faixa de políticos que se situa entre o Tiririca e um vereador reacionário de uma cidade do interior do país. Serviam para a sociedade do espetáculo e seus programas humorísticos, ora para rirmos deles, ora para nos causar repulsa e ódio. A nota evidente é que agora esse personagem grotesco vai governar um país doente. Nós elegemos um meme.
A essa altura, vocês já sabem: Jair Bolsonaro bloqueou toda a redação do Intercept (inclusive nossa conta oficial) no Twitter – a rede social que, segundo ele, “qualquer informação além [de fora do Twitter] é mera especulação maldosa e sem credibilidade.” O que teme Bolsonaro?
Será que ele teria dificuldades em explicar seu plano econômico que só faz sentido para o mercado financeiro? Ou que sua candidatura agiu ativamente para censurar a liberdade de imprensa que ele diz defender enquanto fabricava boatos e tentava chupar dados de celulares para sua máquina de propaganda? Conseguiria ele defender o partido de seu vice, Mourão, que financiou a maior rede de fake news do Brasil, derrubada pelo Facebook? Ou a condenação do general Heleno? As tramóias do caricato Marcos Pontes?
Bolsonaro teme a imprensa porque foi ela que descobriu a Wal do Açaí, o Queiroz, o cofre milionário que sumiu de uma agência do Banco do Brasil. Foi ela que identificou os 15 milhões de reais em imóveis da Família B, com salários incompatíveis.
Bolsonaro odeia e tenta deslegitimá-la porque sabe que ela não vai desaparecer. “A imprensa acabou” é só um bordão ruim e velho repetido por todos os governantes desde que a imprensa existe. Os governantes sumiram, a imprensa segue por aqui.
A retórica atual é mais violenta, mas se assemelha muito a de outros governos, inclusive ao do PT. À época, jornalistas eram chamados de “Partido da Imprensa Golpista”. Hoje, são taxados de “Partidos da Extrema Imprensa”. As semelhanças entre os radicais bolsonaristas e os radicais petistas são maiores do que parecem. Orange is the new red.
Na esteira do escândalo Queiroz, seus fãs mais ardorosos perguntaram publicamente: “onde estava a imprensa nos últimos tempos?”, como se elas tivessem descoberto o mensalão lendo borra de café ou nuvens no céu. A Lava Jato – o grande cavalo de batalha da “luta contra a corrupção” que elegeu Bolsonaro – não sobreviveria seis meses sem a imprensa.
É evidente que há por aí mau jornalismo, aos montes. E que a confiança entre a população e o jornalismo se quebrou. Mas até nisso o bolsonarismo quer falsear a história: o acordo entre o público e a imprensa foi quebrado há muitos anos. Bolsonaro está surfando nessa onda e querendo tomar para ele a vitória de ter feito com que a população desacreditasse o que vê no noticiário. É mais uma de suas mil mentiras, porque obviamente não foram eles que fizeram isso. A imprensa já estava desgastada há muito tempo: apenas 10% dos jovens confiam muito nela. Eles precisam ser reconquistados.
Bolsonaro já escolheu seus assessores travestidos de jornalistas, entre grandes redes de TV e sites produtores de lixo disfarçado de informação. Alguns deles estão se orgulhando por terem sido convidados para a posse, como se estivéssemos de volta à Corte de Dom João. Vocês podem dar a isso o nome que quiserem.
Se Bolsonaro é inimigo da imprensa, a imprensa não é inimiga de Bolsonaro. A imprensa seguirá cumprindo seu papel e não vai tirar os olhos do novo governo. A Presidência da República é do povo, por mais que Jair Bolsonaro pense que seja dele e de sua turma.