Olavo de Carvalho é mais influente que evangélicos no governo Bolsonaro
“Vivi para ver um filósofo indicar mais gente para o governo do que o PMDB” – a frase, dita à BBC News Brasil pelo cineasta Josias Teófilo, expõe a empolgação de admiradores do escritor Olavo de Carvalho com a nomeação de vários de seus discípulos para cargos na gestão Jair Bolsonaro.
“Quem diria que um monarquista se tornaria um dos homens mais influentes da República”, completa Teófilo citando o regime político defendido pelo escritor – personagem do documentário O Jardim das Aflições, que ele dirigiu em 2016.
A BBC News Brasil listou os discípulos de Olavo que já exercem ou exercerão cargos no governo federal e no Congresso a partir deste ano (confira a relação abaixo). São, todos eles, alunos ou amigos do filósofo, a quem consideram um mestre intelectual e figura-chave em sua formação política.
Há “olavetes” – como ele próprio já se referiu aos seguidores – com postos no Palácio do Planalto e em três ministérios: Educação, Relações Exteriores e Economia. Em 2017, o filósofo teve uma aluna – a carioca Ludmila Lins Grilo – nomeada juíza substituta em Botelhos, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais
A influência de Olavo na montagem do governo supera a da bancada evangélica, cujo eleitorado foi crucial na vitória de Bolsonaro mas recebeu um único ministério (Mulher, Família e Direitos Humanos). A ascendência do escritor sobre o governo só se compara à do setor ruralista (que comanda o ministério da Agricultura e deu aval à escolha do ministro do Meio Ambiente) e à da ala militar, responsável por quatro pastas (Defesa, Segurança Institucional, Secretaria de Governo e Infraestrutura).
Na Câmara dos Deputados, Olavo terá cinco seguidores – presença discreta, mas que poderá crescer caso o PSL, partido de Bolsonaro, tire do papel os planos de levar seus 52 deputados eleitos aos EUA para um curso com o escritor nas próximas semanas.
Esoterismo islâmico e astrologia
Radicado nos EUA desde 2005, Olavo, hoje com 71 anos, se popularizou ao criticar a esquerda e defender posições conservadoras em livros e nas mídias sociais nas últimas décadas, o apogeu de uma carreira cheia de guinadas.
Sem jamais ter se formado na universidade, criou um Curso Online de Filosofia (COF) pelo qual, segundo ele, já passaram 12 mil alunos, alguns dos quais chegam agora ao poder. Nos anos 1970 e 1980, antes de se projetar no debate político, Olavo foi membro de uma tariqa (ordem mística muçulmana) e trabalhou como astrólogo em São Paulo.
Hoje se define como católico, assim como seu núcleo principal de seguidores – embora critique com frequência o papa Francisco, que já chamou de “lelé da cuca” por seus acenos a pautas progressistas.
Foro de São Paulo
Uma das visões de Olavo mais disseminadas entre a chamada “nova direita” brasileira trata do poder do Foro de São Paulo, conferência criada em 1990 pelo PT para debater os rumos da esquerda latino-americana e que, segundo o escritor, deu ao partido o “comando estratégico da revolução comunista” no continente.
O filósofo também foi um dos primeiros a disseminar a opinião, encampada pelo governo Bolsonaro, de que a esquerda exerce há décadas o controle da imprensa e do ensino brasileiro – estratégia que, segundo ele, segue o ideário do marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937).
As duas posições são contestadas entre muitos acadêmicos, que apontam a onda de vitórias eleitorais da direita na América Latina como um sinal de que o Foro de São Paulo nunca teve tanta influência, e avaliam que parte da imprensa e da academia no Brasil sempre encampou valores conservadores.
Aproximação com a família Bolsonaro
Em entrevista à BBC News Brasil em 2016, Olavo afirmou que, para combater a expansão da esquerda no país, a direita deveria se concentrar em ocupar espaços não no Estado, mas “na igreja, nas escolas, nas sociedades de amigos do bairro, no clube”.
Na campanha de 2018, porém, apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro e endossou pupilos que concorriam a cargos eletivos. Em retribuição, no primeiro vídeo que gravou após se eleger presidente, Bolsonaro exibiu o bestseller O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, coletânea de artigos de Olavo organizada pelo jornalista Felipe Moura Brasil.
O escritor já vinha se aproximando da família do presidente. Há dois anos, recebeu em sua casa a visita de Eduardo e Flávio Bolsonaro, respectivamente eleitos deputado federal e senador em 2018.
Confira abaixo relação de discípulos de Olavo recentemente nomeados ou eleitos para cargos no Executivo e Legislativo.
GOVERNO FEDERAL
Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores
Indicado por Carvalho para o posto, ocupava até então a chefia do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do ministério. Aos 51 anos, é um dos mais jovens chanceleres da história do país.
Em artigo na revista The New Criterion, Araújo diz que Olavo “talvez tenha sido a primeira pessoa no mundo a ver o globalismo como um resultado da globalização, a entender seus propósitos horríveis e a começar a pensar sobre como derrubá-lo”. Após a posse do chanceler, Olavo disse que o discurso do discípulo – que misturou citações em grego e tupi a menções a Raul Seixas e à banda Legião Urbana – “tem, desde já, um lugar garantido em qualquer antologia séria dos grandes discursos brasileiros”.
Filipe Martins, assessor da Presidência para Assuntos Internacionais
É considerado por Olavo um dos seus alunos mais brilhantes. Aos 31 anos, desempenhará papel equivalente ao que o professor Marco Aurélio Garcia (1941-2017) tinha nos governos Lula e Dilma.
Nascido em Sorocaba (SP) e formado em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), é diretor de assuntos internacionais do PSL. Para ele, “não é possível compreender o nascimento (ou renascimento) do conservadorismo brasileiro, ou a ascensão do antipetismo, sem considerar o impacto” da obra de Olavo.
Ele costuma comparar o mestre a um hápax legómenon (expressão de origem grega que designa palavras ou ideogramas que aparecem uma única vez na literatura de um determinado idioma), “um personagem tão singular no contexto cultural em que está inserido que acaba por se tornar indecifrável para seus pares”.
Ricardo Vélez Rodriguez, ministro da Educação
Também indicado por Olavo para o posto, nasceu na Colômbia há 75 anos. Segundo o filósofo, Vélez é, “no mundo, a pessoa que mais entende de pensamento político-social brasileiro”. Foi membro do Instituto Brasileiro de Filosofia, fundado pelo jurista e filósofo Miguel Reale, e é considerado por Carvalho um dos maiores pensadores da história do Brasil.
Escreveu livros sobre assuntos diversos, como o conflito armado na Colômbia, o governo Lula e a obra do economista John Maynard Keynes. Antes da nomeação, Vélez vivia em Londrina (PR) e dava aulas na Faculdade Positivo. No discurso de posse, disse que sua gestão se inspirará “em dois grandes educadores”, Olavo de Carvalho e Antonio Paim. “Deles emergem a inspiração liberal e conservadora de nossas propostas educacionais.”
Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização do Ministério da Educação (MEC)
Também aluno do Curso Online de Filosofia (COF) de Carvalho, Nadalim era até a nomeação coordenador pedagógico da escola infantil Mundo do Balão Mágico, em Londrina (PR), e mantinha um blog com dicas sobre a educação infantil.
Em 2015, Olavo escreveu no Facebook que Nadalim havia feito mais pela educação brasileira “do que todos os iluminados do MEC juntos” ao desenvolver um método para alfabetizar crianças em casa. Nadalim diz que as técnicas já foram usadas por 2.758 pais e mães.
Murilo Resende Ferreira, diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) do MEC
Aluno de Carvalho desde 2009, a quem se refere como “meu grande professor”, é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e integra o movimento Escola Sem Partido. No MEC, supervisionará a elaboraração do Exame Nacional do Ensimo Médio (Enem).
Em audiência pública em 2016, Ferreira disse que educação brasileira vive sob uma “ditadura marxista”, na qual crianças são expostas a teorias que promovem o incesto e a pedofilia. Foi membro do MBL (Movimento Brasil Livre), mas deixou o grupo após divergências.
Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia
Ex-pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), tornou-se aluno de Olavo há 14 anos. “Foi como encontrar a luz em meio às trevas”, ele relatou no Facebook.
Em 2016, Olavo e Sachsida gravaram um vídeo em que comentaram temas como a “doutrinação ideológica” nas escolas e riscos que eles atribuíam à presença de muçulmanos na “onda migratória na Europa e no Brasil”.
CÂMARA DOS DEPUTADOS
Bia Kicis (PRP-DF), deputada federal eleita
Eleita pela primeira vez em 2018, é procuradora aposentada e se refere a Olavo como “nosso querido Mestre”. Para ela, o filósofo “é um grande Pai de muitos brasileiros, que despertaram por meio de seu conhecimento e de sua generosidade”.
Durante a campanha, Olavo gravou um vídeo dizendo que, caso fosse eleitor do Distrito Federal, votaria em Kicis, que também frequentou seu Curso Online de Filosofia (COF). Ela ganhou projeção entre a “nova direita” ao militar nos últimos anos em movimentos contra o PT e pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Joice Hasselmann (PSL-SP), deputada federal eleita
Jornalista, Joice teve sua candidatura apoiada publicamente por Olavo e foi a mulher mais votada da história na eleição para a Câmara. “Vou apoiá-la até a morte, ela é antimídia, condensa em si a verdade do jornalismo brasileiro, que foi sufocada por todos esses bandidos ao longo de várias décadas”, afirmou o filósofo.
Joice agradeceu o endosso, definindo Olavo como um “parceiro, leal, amigo, protetor, além de um GÊNIO”. “Você conhece meu coração e sabe que não vamos te decepcionar!”, afirmou.
Paulo Martins (PSC-PR), deputado federal eleito
Também jornalista, foi eleito em 2018 ao concorrer pela segunda vez para a Câmara. É aluno de Olavo, que ele considera “o grande responsável pelo início da reação cultural do Brasil”.
Quando era comentarista do Jornal da Massa, transmitido pelo SBT no Paraná, Martins recomendou no programa o livro O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, de Olavo. Na ocasião, definiu o filósofo como “um homem de inteligência absolutamente sublime e argumentação acachapante”.
Marcel van Hattem (Novo-RS), deputado federal eleito
Formado em Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Ciência Política, Hattem também atuou como jornalista antes de ingressar na política, em 2004, como vereador em Dois Irmãos (RS).
Em 2018, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Aluno de Olavo, diz que o filósofo foi o responsável por seu “despertar político”, tendo descrito “como as doutrinas revolucionárias e os partidos totalitários, socialistas e comunistas, levariam nosso país ao ponto em que chegou”. Em 2016, o filósofo elogiou o discípulo. “Por que acho o Marcel van Hattem um sujeito sério? Porque antes de se meter na política federal ele derrotou a esquerda na sua universidade – e pagou alto preço por isso.”
Carla Zambelli (PSL-SP), deputada federal eleita
Gerente de projetos, candidatou-se pela primeira vez em 2018. Aproximou-se de Olavo enquanto militava no Movimento nas Ruas, que ganhou projeção nos protestos contra o governo Dilma Rousseff. Em 2017, Olavo, Zambelli e o músico Lobão gravaram um vídeo em defesa da liberação da posse de armas.
Até conhecer o filósofo, em 2011, Zambelli diz que “não era nem de direita nem de esquerda, só contra a corrupção”. O contato com Olavo fez com que ela percebesse a afinidade com seus valores. “Não é que virei conservadora, eu me identifiquei com as coisas que ele falava.”
Da BBC