Os desdobramentos da polêmica sobre o PNLD 2020
As idas e vindas sobre as mudanças no edital do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) 2020, que ocupou o centro do noticiário sobre educação da semana passada, gerou um clima de incerteza em torno de daquela que é uma das maiores e mais duradouras políticas educacionais do país. E traz para o foco de atenção dos jornalistas para os desdobramentos do episódio e para os contornos que o programa poderá assumir no novo governo.
Criado em 1985, o PNLD envolve a participação de editoras e de professores das escolas que escolhem os livros que querem receber e possibilita a estudantes de milhares del escolas públicas acesso gratuito a livros avaliados e aprovados por especialistas.
O programa é gerenciado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), com participação da SEB (Secretaria da Educação Básica) do MEC (Ministério da Educação). Todos os anos, movimenta cerca de R$ 1 bilhão. O MEC compra os livros e os distribui às escolas.
As alterações se tornaram conhecidas do grande público em reportagens do Estadão e da Folha na quarta-feira (9/1). Os jornais noticiaram que em 2 de janeiro, segundo dia do governo Bolsonaro, foi publicada uma nova versão do edital para selecionar os livros que chegarão aos alunos de 6.º ao 9.º ano do ensino fundamental em 2020.
As mudanças incluíram medidas polêmicas, que representam mudanças significativas em relação aos critérios consolidados ao longo da existência do PNLD (especialmente na década passada) e alinhados com marcos legais – entre eles, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), além da legislação sobre direitos humanos, entre outros.
O texto publicado no dia 2/1 se contrapõe a esses marcos, ao estabelecer que não seria mais necessário incluir referências bibliográficas nos livros didáticos e ao eliminar as restrições a publicidade e a erros de revisão e de impressão nas obras. Além disso, foram alterados aspectos relacionados à pauta da diversidade sociocultural brasileira e à agenda de enfrentamento da violência contra a mulher. A Gazeta do Povo detalhou as mudanças e comparou o novo texto com o anterior, publicado em outubro.
No mesmo dia, o ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, divulgou uma nota informando que as alterações não eram de responsabilidade da gestão Bolsonaro e que anularia os “erros detectados”. A nota também afirma que o edital foi produzido durante a gestão Temer. No entanto, a Folha lembra, em notícia incluída no thread do Twitter sobre o caso que integrantes da equipe de transição de Bolsonaro participou de 17 reuniões no MEC desde 3 de dezembro.
No dia seguinte, o MEC revogou as alterações.
Ao ser questionado sobre as mudanças no edital, o ex-ministro Rossielli Soares negou ter responsabilidade sobre elas e as caracterizou como um “erro operacional” à Veja – o que tende a esvaziar a hipótese de que as mudanças tenham sido intencionais, suspeita despertada porque algumas delas são coerentes com ideias defendidas por Bolsonaro para a educação.
O MEC abriu sindicância para apurar o ocorrido e, dois dias depois, exonerou 20 funcionários, entre eles 10 do FNDE. A lista inclui Rogério Fernando Lot, que assinou a polêmica alteração. Segundo o Valor Econômico, as mudanças já estavam previstas, mas foram aceleradas por conta da repercussão negativa do episódio.
A sindicância está em fase inicial e o MEC trabalha com a hipótese de “erro humano”, embora não descarte má-fé por parte de funcionários. O MEC enfatizou, em nota reproduzida pelo G1, que as exonerações não estão relacionadas ao caso, mas à reorganização administrativa realizada pela nova gestão.
Mudanças em editais são comuns e o do PNLD 2020 sofreu cinco alterações, incluindo a publicada em 2/1. Embora as alterações façam parte do processo, o teor das alterações e o contexto em que ocorreram despertaram um sentimento de insegurança jurídica.
Como enfatizou a Abrelivros (Associação Brasileira de Editores de Livros Didáticos), as obras já foram entregues ao MEC em novembro de 2018, que deverá disponibilizá-las aos professores ao longo de 2019 para seleção no Guia do Livro Didático, disponível no site do FNDE.
No PNLD, após a seleção dos professores, o MEC compra os livros escolhidos e os envia às escolas até o início do período letivo (no caso, 2020). A cada ano, é feita a seleção de obras para um ciclo da educação básica – em linhas gerais, 1.º a 5.º ano do ensino fundamental, 6.º a 9.º ano do fundamental e ensino médio.
Se as mudanças não fossem revogadas, editoras excluídas da seleção por não respeitarem os critérios de avaliação, poderiam mover ações judiciais suspendendo o processo todo, atrasando o cronograma de compra e entrega do material.
Apesar da revogação, é preciso ficar atento aos novos contornos que a política de livros didáticos possa vir a assumir no atual governo. Em meio à polêmica, Eduardo Bolsonaro publicou um tuíte defendendo a revisão do conteúdo sobre a ditadura militar de 1964 nos livros didáticos, conforme noticiou a Folha.
Antes, em novembro, o Estadão já havia informado que as editoras de livros didáticos estavam preocupadas com as declarações de integrantes da equipe de Jair Bolsonaro sobre a necessidade de uma revisão bibliográfica dos livros didáticos.
Além disso, o UOL publicou que o coronel da reserva do Exército Sebastião Vitalino da Silva está cotado para assumir a coordenação de materiais didáticos da SEB, que coordena a avaliação.
Essas teses sobre eventuais mudanças do programa poderão se confirmar ou não no edital do PNLD 2021, que vai selecionar os livros para o ensino médio. A expectativa era que edital tivesse fosse lançado em 2018, mas ele ainda não foi publicado, então vale ficar de olho.
O PNLD é elogiado por especialistas por ter induzido a melhoria da qualidade dos livros didáticos brasileiros, que passaram a ter de seguir padrões de qualidade.
No entanto, existem críticas à tendência à padronização do conteúdo produzido pelas editoras que participam do processo, justamente por causa das regras dos editais. Há também quem aponte a exclusão de determinados temas ou o predomínio de um enfoque em detrimento de outros, além de uma influência das avaliações externas, como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) nas obras, como apontam professores entrevistados nessa matéria da Nova Escola.
Do Jeduca