Janaína se diz decepcionada e já fala em deixar partido de Bolsonaro
A advogada, professora universitária e deputada estadual do PSL Janaína Conceição Paschoal, eleita com mais de dois milhões de votos, disse ao Estado, em entrevista na última segunda, 21, que o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, “tem todo o direito à defesa, a entrar com todas as medidas, mas me parece complicado ver uma reação parecida com a que foi a do Aécio (Neves), e com a que é a do Lula até hoje”.
Disse, ainda, que “foi um erro” o senador ter concordado com o pedido ao Supremo Tribunal Federal para que suspendesse a investigação, pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, concedido em liminar do ministro Luiz Fux. “Foi um erro, porque ainda que não tenha nada errado, isso gerou uma situação, um sentimento, ‘poxa, por que ele não explica logo?’. E é um sentimento legítimo”, explicou. “O sigilo sobre a investigação não pode haver”, disse a deputada. “Vamos imaginar que haja alguma coisa errada com o senador. Se isso tivesse aparecido antes da eleição, ele provavelmente não teria sido eleito”.
A deputada também falou sobre o momentoso caso do filho do general da reserva Hamilton Mourão, vice-presidente da República, promovido com o triplo do salário no Banco do Brasil, que já havia criticado de passagem em sua conta do Twitter. “Fiquei chocada”, disse na entrevista. “Não pela promoção em si, porque não é ilícito, mas porque é incompatível com o que a gente quer. Mostra mais permeabilidade do que deveria haver. Não deveria nem passar pela cabeça do general”.
A parlamentar mais votada para o legislativo estadual contou ao Estado que viu “muita vaidade, muita disputa de poder” no processo de montagem do novo governo. “Assustador”, definiu. Sobre os deputados do PSL e de outros partidos da base do governo que foram recentemente à China, a deputada disse, sem especificar nomes, que “esse pessoal está com palhaçada”.
Janaína Conceição Paschoal tem 44 anos e também é professora do curso de Direito da Universidade de São Paulo, no momento licenciada. Acabou de passar uma temporada curta nos Estados Unidos, com a família, mas é avessa a informações sobre a vida pessoal. Entrou para a história, como se sabe, por estar no grupo de advogados que pediram o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Os outros dois foram Miguel Reale e Hélio Bicudo, este recentemente falecido. Bicudo foi um dos consultados quando a política partidária bateu à porta da advogada. “Não entre nesse mundo, não é para você”, disse a ela, segundo contou na sala de reuniões do escritório que divide com duas irmãs igualmente advogadas, na rua Pamplona, a algumas quadras da avenida Paulista.
“Eu ainda tenho dúvida se o mundo político partidário é para mim”, afirmou. Está há três semanas da posse na Assembleia Legislativa (94 deputados), e é uma das anunciadas candidatas à presidência da Casa. “Será muito difícil ganhar”, disse, apontando que irá disputar. Contou, mesmo assim, que no passado final de semana, o pai, de 65 anos, incomodado com as primeiras semanas do novo governo, a perguntou se não iria sair do PSL. A deputada foi consultar a legislação, o que continua fazendo.
Como é que a senhora está vendo o cenário político do momento?
Você sonhar um país, e ver esses acontecimentos todos. Sabe o que é jogarem um balde de água gelada em cima de você?
De quais acontecimentos a sra. está falando?
Tudo. Investigação, denúncia, que pode ser, pode não ser, colegas viajando para a China, xingando eleitor pela internet. Eu acho isso tudo tão surreal, que me pergunto: será que eu ajudo mais dentro, ou se eu fico fora? Essa dúvida eu confesso que eu tenho.
Qual é o problema com os que foram à China, ou parte deles?
É diferente ser um ativista e ser um parlamentar.
Para quem é o recado?
Para todos. Eu estou muito preocupada, porque estou observando muitas pessoas eleitas que não estão conseguindo fazer a transição entre o ativismo e o cargo, qualquer que seja ele. Quando você passa a ser um parlamentar, tem que estudar, tem que entender que uma fala sua pode ter uma repercussão, pode gerar uma situação.
A sra. já criticou, na rede social, um deputado que gravou vídeos agressivos…
Um deputado xingou as pessoas pela internet, porque foi criticado na viagem para a China. Você não pode esperar isso de um parlamentar. Isso não pode ocorrer.
O que é que não pode ocorrer?
Tenho a impressão de que ainda não perceberam a seriedade do que é exercer um cargo, a seriedade do momento que a gente está atravessando, a expectativa que o País colocou em cima dessas pessoas. Não foi uma eleição como outra qualquer. Foi uma eleição que veio depois de um sofrimento. E esse pessoal está com palhaçada. É muito grave. Eu não tenho como dizer que não estou preocupada.
Quem é esse pessoal que está com palhaçada?
Esse momento político é muito determinante para o País. Se esse pessoal que entrou, todos nós, não mostrar diferença, não mostrar o comprometimento com as coisas positivas, com o futuro do País, o resultado catastrófico que isso pode ter é muito grande.
A senhora tem feito críticas a episódios como os da promoção do filho do general da reserva Hamilton Mourão, vice-presidente, no Banco do Brasil, triplicando o salário, e as complicações do senador Flávio Bolsonaro.
Eu acho que a gente não pode fazer acusações precipitadas contra ninguém. Tem que dar a chance para a pessoa se manifestar, e tudo o mais. Agora, eu não acho que a gente possa minorar as situações.
No caso do senador eleito Flávio, o que é que a senhora está achando?
Ele já explicou a situação dos tais depósitos. É factível? É factível. Não é ilícito. É diferente. Tanto é que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicou uma movimentação atípica, não necessariamente ilícita. Por que dividiu (os depósitos)? Para não chamar a atenção? Na medida em que ele vem e explica que foi uma negociação – acredito que demonstrará isso para o Ministério Público – eu estou imaginando, porque não vi, que isso tenha sido uma coisa isolada, naquele mês. Não obstante não seja uma coisa tão típica, em termos de transferência.
A senhora criticou o ministro Luiz Fux, do Supremo, por ter dado a liminar em que Flávio pedia a suspensão da investigação.
A decisão do ministro está errada, juridicamente errada.
Por quê?
Porque eles, Supremo, acabaram de decidir que se não fosse fato ocorrido no curso do mandato, e inerente ao mandato, não ficaria com foro privilegiado. Para mim é absolutamente límpido que não é caso para análise do Supremo. Se não é, o ministro não poderia ter dado essa liminar. Se o advogado orientou corretamente, ou não, é outra história.
Advogado à parte, o que a sra. achou do próprio senador concordar e defender o pedido?
Foi um erro. Porque ainda que não tenha nada errado, isso gerou uma situação, um sentimento, “poxa, mas por que não explica logo?”. E é um sentimento legítimo.
O que é que está lhe incomodando especificamente no caso do senador eleito Flávio Bolsonaro? Onde é que ele não está fazendo diferente do que deveria fazer, na sua avaliação?
Ele tem todo o direito à defesa, a entrar com todas as medidas, mas me parece complicado ver uma reação parecida com a que a foi a do Aécio (Neves), com a que é a do Lula até hoje. Com isso eu não estou dizendo que as autoridades sempre tenham razão. Mas eu não endeuso ninguém. “É só porque eu sou filho do presidente.” Não é só, pô. Teve lá um apontamento. Talvez a divulgação seja até excessiva, vamos dizer assim, mas houve um apontamento.
O que é que a senhora quer saber, então?
Se tem fundamento ou não tem fundamento. Por isso é que eu decidi me manifestar. Tem que investigar. O sigilo sobre a investigação não pode haver. Vamos imaginar que haja alguma coisa errada com o senador. Se isso tivesse aparecido antes da eleição, ele provavelmente não teria sido eleito.
A sra. disse que também devem ser investigados deputados de outros partidos.
Tem também o deputado do PT, que vai ser presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro). E a gente não sabe o que tem lá. É um direito da população ter acesso a isso. A minha abordagem é: vamos pegar todo mundo. Se pegar todo mundo, vamos fechar e começar de novo.
A diferença, no caso do senador eleito Flávio Bolsonaro, é que ele é filho do presidente.
Não estou antecipando culpa de ninguém. Mas eu não gosto deste tom: “É um absurdo”, “Não vou falar”, “Só vou falar para autoridade”. Isso relembra o passado. Para mim foi uma coisa muito triste. Quando eu era pequena tinha a história de um vereador que pedia dinheiro pros funcionários. Na minha cabeça isso era um negócio do passado. Essa fala do vice-presidente, essa semana, “temos que ver até onde é corrupção, e até onde é ‘Rachid’, rachadinha”. A rachadinha é crime! Será que ele falou isso mesmo?
A senhora também se manifestou no episódio em que o filho do vice-presidente, general Hamilton Mourão, foi beneficiado com uma promoção no Banco do Brasil, que triplicou o salário.
Fiquei chocada. Não pela promoção em si, porque não é ilícito, mas porque é incompatível com o que a gente quer. Mostra mais permeabilidade do que deveria haver. Não deveria nem passar pela cabeça do general.
Mas promovido ele está, que se saiba, e ficou por isso mesmo.
Entraram com uma ação na justiça. Como não é nepotismo, juridicamente falando, o que é que a gente faz? Não tem muito o que fazer, além de protestar.
E qual é a sua preocupação?
O meu temor é que se começar a ter episódios de muita permissividade, sejam episódios que se caracterizem como algo ilícito, ou episódios que tragam uma decepção, a gente vai perder força. Não só para fazer o que é necessário, em termos de melhoras para o País, mas também para eventualmente combater pessoas e práticas que precisam ser combatidas.
Explique melhor.
Na minha cabeça a gente estava entrando com um grupo que podia ter as brigas idológicas, as divergências, mas um grupo que num determinado núcleo duro estava alinhado. E aí vêm esses sinais. E, sem fazer juízo de antecipação de culpa, esses sinais me preocupam.
No caso do filho do general Mourão não caberia ao presidente Jair Bolsonaro uma manifestação pública a respeito?
Eu não sei como é que funcionou isso na cabeça dele. Eu acho que ele parou, refletiu, e decidiu não dar uma de capitão, como a gente diz, e dizer “Olha, o menino não vai ficar no cargo”. Ele preferiu não falar nada.
O presidente deveria ter se manifestado publicamente – contra ou a favor do general?
Eu não sei qual seria o impacto, publicamente, de ele passar um sabão no vice. Talvez tivesse sido melhor chamar o vice e pedir para voltar à situação anterior. Mas tinha que chamar, e dizer: “Olha, tem que mudar isso aí, não tem jeito”. Teria sido melhor se o presidente tivesse se posicionado nessa situação.
No dia 1.º de janeiro, dia da posse, a senhora escreveu em seu Twitter desejando um bom governo e vida longa ao presidente. E também: “desejo muita lealdade por parte dos membros da sua equipe”. Por que esse preocupação com a lealdade da equipe num momento em que o governo mal estava começando?
Muita vaidade, muita disputa de poder. Eu vivi um pouco aquilo ali (durante a montagem do governo). É assustador. Se ele não tiver esse grupo leal, não a ele, mas aos princípios que fizeram toda essa mudança, leal ao trabalho de equipe, nós estamos perdidos. Isso me preocupa muito. Muito.
Por quê?
Nas conversas com a equipe, as pessoas me trataram muito bem. O que era presidente do partido e agora é ministro (Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência), com o qual eu tive um excelente trato, ele e o deputado Julian (Lemos, do PSL-PB) me perguntavam muito assim: “Você é fiel ao Jair Bolsonaro? Ele é o seu líder?” Eu disse para eles: “Vocês querem que eu minta?” Por que uma pergunta dessas para uma pessoa que acabou de conhecer a outra?
O que a senhora respondeu?
Que eu sou fiel ao meu País, acho que ele gosta do meu País, vejo nele hoje a pessoa que tem condição de fazer frente ao PT. Então eu sou fiel a essa ideia, a este plano, e estou disposta a trabalhar com ele para isso. Mas eu quero que fique claro que eu sou fiel ao País.
E como eles reagiram à sua resposta?
Disseram que achavam que eu era uma pessoa muito boa. A maneira que eles tinham de me dizer que eu não servia muito era me elogiando, e eu não sentia que era sincero. “Você é uma pessoa muito boa, muito idealista…”
Qual tem sido a reação às críticas que a sra. já tem feito?
O que eu recebo de alguns eleitores é: “Você não está apoiando suficientemente o governo, você nunca elogia”. Mentira. Eu elogiei várias coisas. Talvez eu seja uma pessoa insuportável. Mas a nossa ajuda é para fazer a pessoa ficar melhor. Eu vejo que esse é o meu papel. É assim que eu colaboro com o meu país. Mas o brasileiro – não só o povo do Bolsonaro, mas o povo do PT – tem na cabeça que ou você fecha com tudo, ou você é inimigo. Isso é atrasado.
A sra. já pressente que pode virar um problema para o governo, no curto, médio prazo?
Esse fim de semana meu pai me chamou e me perguntou: “Filha, você vai se desfiliar?” Eu pensei: “Será que é uma pergunta, ou uma ordem?” Eu falei: “Por que pai?” Ele disse: “Por causa dessas coisas todas”. Eu respondi, depois de conferir a legislação: “Pai, a questão é a seguinte: se eu me desfilio eu perco o mandato”.
A sra. não pode sair e ficar com mandato?
Não mais. A jurisprudência mudou. Mas eu ainda estou pesquisando.
Isso pouco antes de tomar posse, porque não está gostando do filme.
Mas quem é que está gostando? Eu imaginava ter embates de ideias. Então, por exemplo, se o presidente saísse com uma ideia, qualquer coisa contra os casais homossexuais, eu já estava preparada para combater. Se o presidente tivesse uma ideia de colocar mais ministros no Supremo, e eu falei para ele que não podia, eu já estava preparada. Mas eu não imaginava esse tipo de problema no núcleo duro.
Que tipo de problema?
Possíveis ilicitudes. Não estava no meu radar. Eu estou rezando para que esses documentos (do caso Flávio) venham, para que eles mostrem que está tudo correto. Tem gente que diz que é uma guerra, que não pode criticar, que não pode nos enfraquecer. Mas isso é PT. Já mostrei que não vou deixar de fazer críticas por uma fidelidade pessoal ao presidente. Esse governo foi eleito por causa de um núcleo duro de valores, e não de um núcleo duro e pessoas. A população votou em valores.
De Estadão