MPF tem que investigar Damares Alves por sequestro de criança indígena
Depois da revelação de que a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) adotou irregularmente uma criança indígena , parlamentares de oposição cobraram uma investigação do Ministério Público Federal. Do outro lado, o governo minimizou o caso, revelado ontem pela Revista Época.
Há 15 anos, segundo relatos de diversos integrantes da Aldeia Kamayurá, no Xingu, Kajutiti Lulu Kamayurá foi levada por Damares , a pretexto de realizar um tratamento dentário. A criança, então com 6 anos, não retornou, e a adoção jamais foi formalizada.
— Os indícios são fortíssimos de violação de direitos. O Ministério Público deve abrir um inquérito civil público e um inquérito policial para apurar o que aconteceu. A própria ministra tem que vir a público esclarecer essa história. Houve uma violação do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Estatuto do Índio — afirmou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Já o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) disse que o caso é “gravíssimo”:
— O processo de adoção no Brasil é muito criterioso, ainda mais da população indígena. Isso revela uma violência muito elevada, porque não foram respeitados os costumes e as tradições, tanto que não há a concordância da tribo de origem.
Segundo o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a forma como ocorreu a saída de Kajutiti Lulu Kamayurá da tribo precisa ser esclarecida:
— Há a lógica de alguns setores evangélicos de retirar as crianças das suas comunidades, mas agora está parecendo mais um sequestro do que propriamente uma adoção.
Ao portal UOL, Lulu afirmou que Damares se apaixonou por ela, e vice-versa. “Foi amor à primeira vista. O resto é tudo mentira”.
Ontem, depois da publicação da reportagem, Damares se manifestou, por meio de nota. A assessoria da ministra afirmou que ela não participou do processo de saída de de Kajutiti Lulu da aldeia.
“Damares é uma cuidadora de Lulu e a considera uma filha. Como não se trata de um processo de adoção, e sim um vínculo socioafetivo, os requisitos citados pela reportagem não se aplicam. Ela nunca deixou de conviver com os parentes, que ainda moram em Brasília”.
A reportagem da Época mostrou que indígenas da Aldeia Kamayurá disseram que Damares e Márcia Suzuki, amiga da ministra, se apresentaram 15 anos atrás como missionárias e, dizendo-se preocupadas com a saúde bucal de Lulu, então com 6 anos, levaram a menina para fazer um tratamento dentário na cidade, com a promessa de levá-la de volta após o tratamento, o que não ocorreu. Lulu só voltaria à aldeia já adulta, há cerca de dois anos — hoje ela tem 20 anos.
A ministra nega que a história tenha acontecido como relataram os índios.
“Lulu não foi arrancada dos braços dos familiares. Ela saiu com total anuência de todos e acompanhada de tios, primos e irmãos para tratamento ortodôntico, de processo de desnutrição e desidratação. Também veio a Brasília estudar”.
Ainda segundo Damares, “Lulu não foi alienada de sua cultura e passou por rituais de passagem de sua tribo”. Por fim, a nota afirma que “Lulu não é pessoa pública. É maior de idade. Não foi sequestrada. Saiu da aldeia com familiares, foi e é cuidada por Damares com anuência destes. Nenhum suposto interesse público no caso deveria ser motivo para a violação do direito a uma vida privada, sem tamanha exposição”.
O vice-presidente Hamilton Mourão, no entanto, minimizou a questão e afirmou que o ponto mais relevante é a felicidade da jovem.
— Se a moça está feliz com ela (Damares), acho que é o mais importante. Isso é fundamental. A ministra Damares tem me causado uma excelente impressão, porque é uma mulher de posições bem definidas, firmes — disse Mourão.
O vice reconheceu, no entanto, que a adoção de crianças indígenas pode provocar polêmicas:
— Sempre tem ruídos. Quando eu morei em São Gabriel da Cachoeira (AM), que é um município totalmente indígena, vários casais de militares do Exército que não tinham filhos adotaram crianças indígenas, e elas estão aí satisfeitas da vida.
De O Globo