15 pontos para entender os rumos da desastrosa política ambiental de Bolsonaro
Os primeiros seis meses do governo de Jair Bolsonaro já podem ser considerados os mais desastrosos da história da política ambiental brasileira. São muitas as evidências de que está em curso uma operação desmonte que alcança diferentes setores da administração pública.
Fiz um breve resumo – em 15 tópicos – de algumas das muitas medidas que revelam desprezo, descaso, omissão e irresponsabilidade do governo, no que lhe compete fazer segundo o artigo 225 da Constituição Brasileira, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente.
Seguem os fatos. O julgamento é do leitor.
1. Enfraquecimento do Ministério do Meio Ambiente:
Na largada do atual governo – que nem teria um ministério do Meio Ambiente, como chegou a cogitar o então presidente recém eleito Jair Bolsonaro – a pasta ambiental perdeu a Agência Nacional de Águas para o Ministério da Integração Nacional, e o Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura. Politicamente, o ministério perdeu força, poder e prestígio. Integrante da bancada ruralista, o deputado Valdir Colatto (MDB-SC) – que não conseguiu se reeleger ano passado – comanda o Serviço Florestal Brasileiro, órgão responsável, entre outras atribuições, pela ampliação da cobertura florestal no país. Colatto já criticou abertamente o percentual de preservação de áreas verdes nas propriedades rurais. Quando era deputado federal, foi autor de projetos que regulamentavam a caça de animais silvestres e alterações nas demarcações de terras indígenas.
2. Revisão de todas 334 Unidades de Conservação:
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou a revisão de todas as Unidades de Conservação do país, desde o Parque Nacional de Itatiaia (criado em 1934) até o Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul (criado em 2018). Segundo o ministro, as unidades foram feitas “sem critério técnico”, e poderão ter os traçados revistos ou serem até extintas.
3. Fim das Reservas Legais:
Projeto de Lei do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) defende o fim das Reservas Legais – área protegida que não pode ser desmatada em propriedades rurais – alegando o “direito constitucional de propriedade”. Ao apresentar o projeto, o filho do presidente criticou o que chamou de “ecologia radical, fundamentalista e irracional” que prejudicaria o desenvolvimento do país. Estudo feito pelo engenheiro agrônomo Gerd Sparovek, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), indica que se esse projeto for aprovado, a área desmatada poderia alcançar 167 milhões de hectares (maior que o estado do Amazonas). Isso equivale a 30% de toda a vegetação nativa do Brasil. Em uma nota técnica divulgada semana passada, 116 pesquisadores da Embrapa (de 31 institutos de pesquisa) também se manifestaram contra o projeto de Flávio Bolsonaro. Nem o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB/RS) apoia o projeto. Em entrevista ao Canal Rural, ele declarou o seguinte: “Nós, que passamos tanto tempo para construir o Código Florestal, certamente, não queremos nenhuma ideia que seja radicalizada”.
4. Freio na fiscalização:
De janeiro a maio, o número de multas aplicadas pelo Ibama por desmatamento ilegal foi o mais baixo em 11 anos. A queda foi de 34%. Em diferentes situações, a fiscalização vem sendo desprestigiada pelo governo. Em atendimento a um pedido do presidente Jair Bolsonaro, Ricardo Salles recriminou publicamente fiscais que destruíram equipamentos usados por criminosos para retirar madeira ilegal de uma Unidade de Conservação no Pará, apesar de um decreto federal autorizar esse procedimento em certas situações. Desde então, apesar de o decreto permanecer em vigor, não se tem notícia da inutilização de novos equipamentos usados pelos criminosos. Outra novidade que favorece o infrator é o decreto que criou os chamados “núcleos de conciliação” que vão analisar as multas ambientais aplicadas pelos fiscais em todo o Brasil mesmo que os infratores não reclamem do procedimento.
5. Ibama anuncia onde fiscais vão reprimir os crimes ambientais:
Causou surpresa a nota divulgada pela assessoria de imprensa do Ibama na semana passada na qual o Instituto informa que a fiscalização iria reprimir o desmatamento ilegal nas “Terras Indígenas e Unidades de Conservação no sudoeste do Pará, região que abriga a Floresta Nacional do Jamanxim”. O anúncio contraria o protocolo de segurança do próprio Instituto, que sempre guardou sigilo absoluto sobre as ações dos fiscais. O sucesso das operações depende – e muito – do elemento surpresa. Além de alertar os desmatadores, a assessoria do Ibama expôs os fiscais ao risco de serem alvos de ataques programados pelos criminosos.
6. “Cancún brasileira numa Estação Ecológica”:
Jair Bolsonaro anunciou várias vezes o desejo de transformar a Estação Ecológica de Tamoios (refúgio de espécies marinhas, criada há 30 anos numa área que ocupa aproximadamente 5% da Baía de Ilha Grande) numa “Cancún brasileira”. A área abriga 29 ilhas, lajes e rochedos que servem de refúgio, local de alimentação e berçário para diversas espécies marinhas (e das ilhas), garantindo o sustento de comunidades pesqueiras que se beneficiam da reprodução protegida de camarões, sardinhas, chernes, robalos etc. Tão preocupante quanto a ideia de levar à frente o projeto sem ouvir o que os defensores do refúgio tem a dizer, é fazê-lo por decreto, o que é inconstitucional. Decretos que criam Unidades de Conservação só podem ser anulados por lei.
7. Afastamento do fiscal que multou Bolsonaro:
Três meses depois da posse do presidente, o chefe do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, José Augusto Morelli, foi afastado do cargo. Foi Morelli quem flagrou o então deputado federal Jair Bolsonaro em um barco com varas de pescar e recipientes para peixes na Estação Ecológica de Tamoios. Um ano depois de ser multado, Bolsonaro apresentou um projeto de lei na Câmara para desarmar todos os fiscais do Ibama e do ICMBio (apesar da cruzada do parlamentar em favor da liberação das armas para toda a população). O projeto foi arquivado. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse que a demissão de José Augusto Morelli foi uma “decisão administrativa” e não “pessoal”. Morelli continua no Ibama por ser servidor concursado. Em dezembro de 2018, a Superintendência do Ibama no Rio anulou a multa com base em um parecer da Advocacia-Geral da União que alegou não ter havido direito à “ampla defesa” de Bolsonaro.
8. Presidente do ICMBio se demite depois de ameaça de Salles:
Dois dias depois de o ministro Ricardo Salles ter ameaçado investigar fiscais do ICMBio, durante um evento organizado com o apoio de ruralistas no município de Tavares (RS), o presidente do Instituto, Adalberto Eberhard, pediu demissão do cargo alegando “motivos pessoais”. Salles ameaçou funcionários de processo administrativo por estarem ausentes em um evento para o qual não foram chamados.
9. Salles nomeia policiais de SP em lugar de especialistas em biodiversidade:
A crise desencadeada no ICMBio com a demissão do presidente Adalberto Eberhard (que levou três diretores do Instituto a também pedirem demissão) abriu caminho para que o ministro Salles exonerasse pelo Twitter o quarto diretor, e reformulasse totalmente o órgão. Foram anunciadas – também pelo Twitter – as nomeações do “coronel da PM Lorencini, tenente da PM Simanovic, major da PM Marcos Aurélio e major da PM Marcos José, que junto ao coronel da PM Homero, farão um grande trabalho”, resumiu Salles. Nenhum dos substitutos possui o nível de especialização e expertise dos antecessores. O ICMBio administra quase 10% do território brasileiro.
10. Desmantelamento da Política Climática:
Quando o assunto é aquecimento global – a maior crise ambiental deste século com inúmeros impactos sobre o Brasil – Salles costuma classificar o tema como “acadêmico” e “não prioritário”. O Governo abriu mão de sediar a COP-25, maior encontro climático do mundo, que vai acontecer em novembro no Chile. Além disso, Salles chegou a anunciar o cancelamento da Semana do Clima da América Latina e Caribe (Climate Week), um evento da ONU em Salvador, dizendo que “não fazia sentido”, e que seria apenas uma “oportunidade” para se “fazer turismo em Salvador” e “comer acarajé”. O prefeito de Salvador, ACM Netto, não gostou da interferência de Salles (que também atropelou o Itamaraty) e, na qualidade de presidente do Democratas, impôs uma dura derrota a Salles, que foi obrigado a voltar atrás.
O fato é que o atual governo vem promovendo o desmantelamento da política climática que vinha sendo construída por sucessivos governos nos últimos 27 anos. Além de cortar 95% da verba destinada para essas políticas, Salles exonerou o coordenador Executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. O afastamento de Alfredo Sirkis foi anunciado duas semanas depois dele organizar um evento na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio (Firjan) no qual 12 governadores se manifestaram publicamente contra o aquecimento global, se comprometendo a agir conjuntamente para reduzir as emissões de gases estufa. Nenhum representante do Governo Federal esteve presente.
11. Fundo Amazônia pode desaparecer:
Ricardo Salles causou enorme constrangimento aos financiadores do Fundo Amazônia (Noruega e Alemanha contribuem com 95% dos recursos, que somam mais de R$ 3 bilhões) ao convocar uma entrevista coletiva para criticar o modelo de gestão do projeto. Apesar de Salles ter dito que comunicou aos dois países as mudanças que desejava fazer no Fundo, e que tanto a Noruega quanto a Alemanha teriam concordado com a proposta, as respectivas embaixadas negaram as declarações dele. Sem apresentar qualquer denúncia ou irregularidade, Salles terminou provocando um incidente diplomático ainda não totalmente resolvido.
Os embaixadores dos dois países consideram a governança do Fundo Amazônia exemplar, e deixaram claro que os recursos doados são fiscalizados e auditados desde o início dos repasses há 10 anos. Noruega e Alemanha também elogiaram a mediação feita pelo BNDES, a transparência (todos os dados estão disponíveis no site oficial do Fundo) e os resultados concretos dos 103 projetos financiados até agora. Salles quer mudar o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) elevando a participação do governo, e utilizar parte dos recursos doados para pagar indenizações a proprietários rurais situados dentro das Unidades de Conservação, o que contraria as atuais regras do Fundo. Salles afirmou que só publicará decreto retomando as atividades do Cofa quando houver “acordo com todas as partes”. E se não houver acordo?
12. Sinal verde para a exploração de petróleo em Abrolhos:
O Ministério do Meio Ambiente atropelou um parecer técnico do Ibama que vetava a exploração de petróleo nas proximidades do Parque Nacional de Abrolhos. Em nota, a secretária-executiva do ministério, Ana Maria Pellini (braço direito de Salles) rejeitou as argumentações técnicas em função da “relevância estratégica do tema” e autorizou a realização de um leilão em outubro para a oferta de sete blocos de exploração de petróleo na região. Entre outras advertências, a nota técnica do Ibama afirma que qualquer incidente com derramamento de óleo, poderá atingir “todo o litoral sul da Bahia e a costa do Espírito Santo, incluindo todo o complexo recifal do banco de Abrolhos”.
O site do próprio ICMBio informa que o Arquipélago de Abrolhos protege “porção significativa do maior banco de corais e da maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, o principal berçário das baleias-jubarte no Atlântico Sul, além de ser a única região do planeta onde é possível encontrar o coral Mussismilia braziliensis, conhecido como coral-cérebro por seu aspecto peculiar. Espécies de tartarugas-marinhas ameaçadas de extinção – como as tartarugas de couro, cabeçuda, verde e de pente – também se refugiam no parque, além de aves marinhas como a grazina do bico vermelho, os atobás branco e marrom, as fragatas, beneditos entre outros, incluindo pequenas aves migratórias do Hemisfério Norte. Um levantamento da biodiversidade da região registrou aproximadamente 1,3 mil espécies, 45 delas consideradas ameaçadas, segundo listas da IUCN e do MMA.”
13. Menos verde com o novo Código Florestal:
O governo já anunciou que vai ressuscitar a MP 867 (aprovada na Câmara e “enterrada” pelo Senado na semana passada) que muda as regras do Código Florestal. Só falta decidir se o fará mediante uma nova Medida Provisória ou Projeto de Lei. De uma forma ou de outra, segundo o Observatório do Código Florestal, as novas regras beneficiariam apenas 4% dos proprietários rurais do Brasil (pouco mais de 147 mil imóveis rurais) que não cumprem até hoje a lei aprovada em 2012, após longos 11 anos de exaustivos debates no Congresso. Com as mudanças sugeridas, entre outras vantagens indevidas, não haveria mais a exigência de recompor matas e florestas que, somadas, equivaleriam a duas vezes o Estado de Sergipe.
14. A indignação de 8 ex-ministros do Meio Ambiente:
Juntos eles representam quase 30 anos de gestão ambiental, de diferentes governos, ligados a partidos políticos e correntes ideológicas distintas. Pela primeira na história, ex-ministros do Meio Ambiente dos governos Itamar Franco, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Temer se reuniram para divulgar uma carta na qual denunciam, entre outras coisas, “o risco real de aumento descontrolado do desmatamento da Amazônia”, “a perspectiva de afrouxamento do licenciamento ambiental travestido de ‘eficiência de gestão'”, além da constatação de que “a governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada em afronta à Constituição”. No encerramento da carta, os ex-ministros afirmam que “o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século 21. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio”.
15. TCU enquadra Ricardo Salles:
O Tribunal de Contas da União abriu semana passada um processo para investigar a política ambiental do governo. O Tribunal atendeu a um pedido do subprocurador-geral do Ministério Público no TCU, Lucas Furtado, que quer investigar se a política ambiental do país está comprometendo a fiscalização e a prevenção do desmatamento ilegal.
O pedido incluiu ainda a necessidade de apurar se a liberação de agrotóxicos no Brasil cumpre as normas estabelecidas para o setor (foram 169 novos agrotóxicos licenciados este ano até o dia 21 de maio) e se procedem as críticas feitas pelo ministro Ricardo Salles ao Fundo Amazônia. Até o fechamento desta edição, Salles não apresentou nenhum indício ou prova que sustente as críticas feitas contra o Fundo.
Na rápida passagem pelo Governo Alckmin, quando foi Secretário Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, Ricardo Salles foi condenado pela Justiça por improbidade administrativa, por fraudar processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê. De acordo com o Ministério Público, Salles e a FIESP “teriam modificado mapas elaborados pela Universidade de São Paulo, alterado minuta do decreto do plano de manejo e promovido perseguição a funcionários da Fundação Florestal, com o propósito de beneficiar setores empresariais, em especial empresas de mineração e filiadas à Fiesp”. O juiz Fausto Seabra, responsável pela condenação em primeira instância, não escondeu a surpresa com as alegações de Salles em sua própria defesa, e fez constar na sentença sua perplexidade:
“O foco do então secretário era a defesa da atividade econômica e, sob a ótica da mineração, como ele próprio disse, deslocar uma atividade para mais longe criaria mais problemas ambientais, como se não fosse possível coibir atividades predatórias aos ecossistemas em qualquer lugar”.
Do G1