No Rio, letalidade policial atinge maior patamar em 20 anos
Agentes do Estado mataram 194 pessoas no Rio de Janeiro em julho, maior patamar desde 1998, quando o dado começou a ser contabilizado.
Os números foram divulgados nesta quarta-feira (21) pelo ISP (Instituto de Segurança Pública).
De janeiro a julho de 2019, 1.075 pessoas foram mortas pelo Estado, cerca de 20% a mais do que no mesmo período do ano passado.
Na Região Metropolitana, as mortes por intervenção de agentes do Estado chegaram a 178 em julho, representando 41,5% do total de casos de letalidade violenta (429), que reúne todos os índices criminais que resultaram em morte.
A título de comparação, em janeiro de 1998, mês em que o índice foi implementado, a polícia matou 18 pessoas no estado do Rio.
Os números vêm na esteira do discurso linha-dura e das operações policiais promovidas pelo governador Wilson Witzel (PSC), eleito sob a bandeira do endurecimento na segurança pública.
O coordenador do LAV (Laboratório de Análise da Violência) da Uerj, Ignacio Cano, afirma que os dados representam um aumento real e uma resposta à política de enfrentamento do governo Witzel.
Ele diz que uma possível subnotificação de mortes por agentes do Estado no passado não seria relevante a ponto de distorcer os resultados.
“Não há nenhum estímulo para subnotificar. Os policiais não sofrem consequências negativas nesses casos. Eles não têm muito a perder por registrar”, afirma.
Ele também nega que o crescimento populacional possa alterar a percepção dos números. Segundo o IBGE, a população do estado cresceu apenas 1% ao ano na última década.
O professor ressalta que as mortes por intervenção policial começaram a crescer com mais intensidade a partir de 2014, com uma perda de controle sobre a criminalidade e o aumento do número de confrontos.
“Começa a crescer a partir de 2014, 2015. Há um aumento muito forte com a intervenção federal, e agora tem um novo aumento brutal como consequência das políticas do Witzel.”
As mortes pela polícia foram maiores em cidades da Região Metropolitana e em bairros do subúrbio da capital.
Em primeiro lugar, com 20 mortes em julho, ficou a 7ª AISP (Área Integrada de Segurança Pública), que corresponde ao município de São Gonçalo.
Ao mesmo tempo em que se intensifica a matança por agentes da segurança pública, caem os homicídios dolosos. Em julho deste ano, foram 309 no Estado, menor número desde julho de 2014.
De janeiro a julho de 2019, foram contabilizados 2.392 homicídios dolosos, 23% a menos do que no mesmo período do ano passado.
Para o professor Ignacio Cano, é preciso aguardar a evolução dos números antes de relacionar a política de segurança do governo Witzel com a redução dos homicídios.
“É claro que o Witzel vai dizer que está matando as pessoas que matam e que, portanto, [os números] estão caindo. Mas é preciso esperar um pouco e ver como evoluem.”
Na semana passada, ao menos seis jovens foram mortos no Rio por disparos de armas de fogo. O governador afirmou que a culpa das mortes violentas é dos “pseudodefensores dos direitos humanos”.
“Pessoas que se dizem defensoras dos direitos humanos, pseudodefensores dos direitos humanos, não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês, que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito”, disse.
Na terça-feira (20), circulou em redes sociais um vídeo de um helicóptero sobrevoando a Cidade de Deus, da zona oeste do Rio, e lançando em direção ao solo um artefato explosivo. Segundo a Polícia Civil, se tratava de uma bomba de efeito moral, não letal.
O governo aprovou manual para o uso das aeronaves, que está sob sigilo. A utilização dos helicópteros como plataforma de tiro é uma das maiores reclamações dos moradores das favelas no Rio de Janeiro e alvo de críticas de especialistas em segurança pública.
À TV Globo, o secretário de Polícia Civil Marcus Vinícius Braga disse que a tendência é que as mortes por intervenção policial continuem a aumentar até dezembro e depois passem a cair.
“Conforme a gente vai trabalhando as investigações, a inteligência e a integração com a Polícia Militar, a tendência é abaixar. É um número alto, não é um número que a gente deseja”, afirmou.
Da FSP.