Letalidade policial brasileira se iguala à Venezuela e El Salvador
O Brasil se assemelha a países como Venezuela e El Salvador no índice de homicídios provocados por policiais em serviço dentre todos os assassinatos no país.
Em 2017, a proporção de mortes por armas de fogo causadas por intervenções de agentes de segurança em comparação ao total de homicídios dolosos no Brasil foi de 7,3%. Mas, detalhados estados como São Paulo e Rio de Janeiro, esse número chega a 19% e 29%, respectivamente. A Venezuela tem uma proporção de 25,8%, e El Salvador, de 10,3%.
Os dados são do documento “Monitor do uso da força letal na América Latina: Um estudo comparativo de Brasil, Colômbia, El Salvador, México e Venezuela”, financiado pela rede Open Society Foundation e apresentado nesta quinta-feira no México.
O objetivo do estudo foi tentar traçar padrões regionais de letalidade policial ao analisar países com cenários similares em violência, e estabelecer comparações entre eles — além de possíveis lições. A Colômbia foi um exemplo em redução da violência e reformas na força policial. Na observação de mortes causadas por policiais em serviço em relação ao total de homicídios, o país apresentou uma proporção de 1,5%.
— Na comparação internacional, estamos diante de dados de modelo de Estado e segurança pública que nos aproximam muito do que não queremos ser — diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — Isso revela também que o problema da letalidade é muito grave no Sudeste brasileiro.
Samira assina a parte brasileira do relatório ao lado de Ignacio Cano e Terine Husek, do Laboratório de Análise da Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e David Marques, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os pesquisadores brasileiros trabalharam com especialistas dos países estudados sob três indicadores principais relacionados ao uso da força policial: a proporção das mortes provocadas pela polícia em relação ao total de homicídios em determinado território; a relação entre policiais mortos e pessoas mortas por policiais em serviço; e o número de pessoas mortas em relação ao número de pessoas feridas pelos agentes de segurança.
Para facilitar a comparação, foram desconsiderados os índices de mortes causadas por policiais fora de serviço. Embora esse número seja importante para os estudos no Brasil, ele não é computado pelos outros países estudados.
O relatório mostrou que, ao se aproximar de índices de letalidade policial de países como Venezuela e El Salvador, o Brasil se distancia de países com que sempre teve semelhanças em taxas de violência e dinâmica de crime organizado, como Colômbia e México.
— No último ano, o Brasil tem começado a mostrar uma redução nas taxas de homicídio . Mas o estudo mostra que, infelizmente, o país não encara a redução do fenômeno da violência como um objetivo que deveria ser perseguido por todos – diz Samira. — Ainda vemos muitas autoridades reforçando a ideia de que “bandido bom é bandido morto”. É como se quando a polícia matasse não fosse violência. Isso foi o que Venezuela e El Salvador fizeram com a ideia da guerra às drogas.
Colômbia reforçou polícia
Samira lembra que a Colômbia fez uma grande reforma das polícias nos anos 1990, muito motivada, ainda, pelo histórico de Pablo Escobar e do tráfico de cocaína. O engajamento do Estado colombiano no tema, afirma, se deu com uma reforma ampla da polícia e com a expulsão dos policiais envolvidos com corrupção e cartéis do tráfico. O país tinha um contexto parecido com o do Brasil, se esforçou em uma reforma e fez a lição de casa, diz a especialista.
— No momento em que perdemos de vista a ideia de que a polícia é aparato essencial para a manutenção da democracia e que justamente por isso deveria ser a primeira organização a seguir a lei e os marcos do Estado de direito e só usar força letal em último caso, vamos na contramão do que a Colômbia fez desde nos anos 1990 — afirma Samira.
O alto índice de letalidade e a transformação das polícias em “pequenos exércitos” é um dos fatores que chama a atenção quando se fala dos casos de Venezuela e El Salvador — além de gerar alertas sobre o Brasil. Segundo o relatório, a quantidade de civis mortos por intervenção da força pública na Venezuela chegou a quase 26% dos homicídios do país em 2017 enquanto que, em 2010, não passava de 4%.
No caso de El Salvador, o estudo lembra que, em 2015, o então diretor da Polícia Nacional Civil e atual ministro de Justiça e Segurança Pública, Mauricio Ramírez Landaverde, incentivou todos os agentes policiais que, “por motivos de trabalho, tenham que empregar arma de fogo contra um delinquente”, a que o façam “com toda a confiança”. A declaração foi respaldada por altas instâncias de governo. E, desde então, a taxa de uso de força letal por parte de agentes de segurança disparou em território salvadorenho.
Os dados do México, ao contrário dos outros países na pesquisa, não são de institutos oficiais e, por essa ausência, foram computados números com base em relatos de imprensa. Com isso, a pesquisa indica que o México teria uma proporção de 1,2 de mortes causadas pela polícia em comparação ao total de homicídios. O número é considerado subestimado por pesquisadores.
De O Globo