Até o ano que vem
Pensei em escrever sobre a diferença de tratamento que a mídia dá às tragédias que as chuvas causam anualmente em cada região do país, pois este é um blog político. E é asquerosa a tentativa midiática de execrar um Sérgio Cabral e poupar um José Serra ou um Geraldo Alckmin – que governam São Paulo há muito mais tempo.
Todavia, em respeito às vítimas e em consonância com o dever de cada cidadão de atuar para que tenha fim essa tragédia pré-datada que se abate sobre o Brasil todo mês de janeiro, a sociedade deve se concentrar na cobrança de providências efetivas para que não fiquemos sentados até o ano que vem, esperando que as desgraças voltem.
Desta vez, tem que ser diferente. Cada cidadão deve atuar para que as providências não desapareçam assim que as águas baixarem. Mas atuar por que meio?
Em primeiro lugar, a sociedade brasileira deve se indignar consigo mesma. Em um país civilizado, deveria estar ocorrendo uma comoção generalizada diante de milhares de mortes e dos prejuízos imensuráveis que as chuvas causam mais uma vez. Todavia, até em cidades como São Paulo, onde a desgraça lambe os pés de todos, o que se vê é uma espantosa apatia.
Semana passada, indo ao aeroporto, o taxista me disse que a cidade afundar em água e excrementos seria “normal” porque isso aconteceria “em toda parte”. E, em uma demonstração de que não tem a menor idéia de como funciona a administração pública no Brasil, culpou o ex-presidente Lula pelo problema.
Não há inocentes, nessa história. Todos os níveis de governo são responsáveis, ainda que Estados e municípios tenham responsabilidade adicional. E a sociedade apática tem também a sua parcela de culpa por se conformar.
Pois é razoável supor que as tragédias que as chuvas causam todo verão sejam o maior problema social deste país. Não há nada mais importante do que evitar perdas de vidas, para um país civilizado.
A partir deste mês de janeiro e até o fim de 2011, portanto, deve ser criado e mantido um fórum nacional de estudos sobre como evitar que fiquemos esperando até o ano que vem que as tragédias se repitam.
Esse fórum deve ser comandado pelo governo federal e deve convocar a sociedade civil, Estados, municípios, representantes dos Poderes Judiciário e Legislativo e, sobretudo, a imprensa, que deve cobrir os trabalhos, seus resultados e suas providências, e cobrar de TODOS os responsáveis – inclusive da sociedade – o avanço na elaboração dessas medidas.
Não deve haver limite para os recursos a serem empregados na prevenção contra as chuvas que até o ano que vem voltarão com intensidade igual ou até maior, pois é evidente que o planeta está sofrendo alterações climáticas que a cada ano tornam o período de chuvas ainda mais inclemente do que no ano anterior.
Em vez disso, porém, o que assistimos, ano após ano, é a imprensa, os políticos, os governos e a sociedade se alternarem entre o conformismo com os desastres em certas regiões e o denuncismo do desastre em outras, com o único objetivo de atacar ou defender grupos políticos pela responsabilidade que todos têm – inclusive a sociedade.
Exorto, pois, a presidente Dilma Rousseff, como líder política dos brasileiros, a comandar uma mudança de atitude da sociedade. A explicar que nenhuma sociedade racional pode encarar com tanta naturalidade que milhares de vidas se percam todos os anos. E a cobrar de Estados, municípios, Legislativo, Judiciário e imprensa que não descansem quando as águas baixarem.
O fórum de discussões supra mencionado deve, sobretudo, denunciar o imobilismo de Estados e municípios e o abandono do problema pela imprensa assim que sumam as imagens das tragédias. E, nesse aspecto, a presidente da República deve, reiteradamente, chamar atenção para os trabalhos desse fórum, caso a imprensa se omita.
É inaceitável que, dentro de algumas semanas, a sociedade brasileira entre em stand by até o ano que vem à mesma época, quando, mais uma vez, a imprensa voltará a debitar as tragédias a chuvas recordes em São Paulo e nos outros estados governados pela oposição ao governo federal e a execrar governos estaduais e municipais aliados a ele.
Apesar das múltiplas responsabilidades por esses desgraças pré-datadas que ocorrem anualmente, só a imprensa e a presidente Dilma têm possibilidade de impedir que o assunto desapareça da pauta nacional. E tanto a chefe da nação quanto a imprensa podem cobrar uma da outra para que isso não ocorra.
Se até o ano que vem, a esta altura, o problema voltar – possivelmente ainda mais grave –, todos saberemos de quem cobrar por ter permitido que o país parasse de se preparar para um problema imenso que deve retornar tão certo quanto é o dia suceder a noite. Fiquemos de olho, pois. E prontos para cobrar os responsáveis.