O anonimato na internet
Durante a campanha eleitoral do ano passado, foram surgindo exemplos de abusos cometidos através da internet e não só contra candidatos, mas, também, contra homossexuais, negros, nordestinos, mulheres e até contra a presidente da República, Dilma Rousseff.
Esses fatos geraram uma discussão pública sobre a possibilidade de se usar o anonimato na rede para cometer crimes de toda sorte. A sociedade assiste, perplexa, a internet ser usada de uma forma que pode até destruir vidas. Surgem, pois, idéias sobre controle.
Essa discussão levanta uma militância aguerrida que luta exatamente pelo oposto, ou seja, para que a internet seja território livre de qualquer tipo de controle, pois grandes grupos econômicos e os países ricos quereriam mesmo é censurar, valendo-se daqueles que sentem medo de um meio de comunicação que pode se converter em arma.
Há um argumento fortíssimo a favor dos que repelem com fervor qualquer tipo de ameaça ao anonimato: o Wikileaks, por exemplo, não existiria sem os anônimos que contribuem consigo. Mesmo que a guarda do registro dos internautas fique com o Estado, países como os EUA poderiam retaliar as fontes de Julian Assange.
Surge um dilema, pois. Como tornar a internet mais segura, coibindo pregações nazistas contra negros e homossexuais ou proposições de linchamento moral e até físico contra pessoas, que podem despertar loucuras latentes, sem retirar o que tem de melhor na rede, a liberdade de expressão?
A militância contra o controle sobre a internet não admite lei específica nenhuma. É uma postura que lembra a dos grandes meios de comunicação, que não admitem qualquer tipo de intervenção do Estado sobre uma atividade que é exercida inclusive sob sua concessão.
À primeira vista, porém, os dois lados parecem estar certos. Contudo, um deles deve estar errado, ainda que boa parte dos seus argumentos seja válida.
Há várias denúncias de que gente como o banqueiro Daniel Dantas costuma processar qualquer leitor de blog que lhe faça críticas políticas e decorrentes de acusações públicas contra si. Mesmo não ganhando, constrange quem quiser criticá-lo.
Por outro lado, neonazistas montam perfis em redes sociais e vão crescendo aos milhares de seguidores com pregações racistas, xenofóbicas e homofóbicas; mulheres são difamadas por companheiros frustrados; crianças são aliciadas por pedófilos; golpes múltiplos são aplicados.
Em primeiro lugar, o que se precisa determinar é se o crescimento dos crimes citados no parágrafo anterior é parelho com o crescimento da internet no Brasil. A sensação de que tais crimes aumentam pode decorrer meramente da rápida inclusão digital que ocorre no país.
Mas e se os crimes de anônimos estiverem crescendo além da inclusão digital? Não significará que os controles existentes não estão funcionando e que, para permitir o anonimato do bem, pavimenta-se o caminho do anonimato do mal?
Se o crescimento dos crimes for menor do que o da inclusão digital haverá apenas que dotar de maiores recursos as instâncias policiais e judiciais existentes. Do contrário, haverá, sim, que discutir leis que possibilitem identificar pedófilos, neonazistas, golpistas e difamadores mais facilmente.
A sociedade tem o direito de fazer essa escolha conscientemente, sendo colocada diante dela em um plebiscito, por exemplo. Queremos uma liberdade de expressão que se converta em liberdade de destruição? Quem tem o direito de falar por todos, nesse caso?
Os que militam em defesa do atual nível de anonimato na internet precisam se dispor ao diálogo e ao debate, bem como os que temem esse anonimato por facilitar crimes de todo tipo.
Ninguém ganhará um debate como esse no grito. Pode ser travado em clima de boa vontade ou de confronto, mas será travado – quer queiram, quer não. Entendo, porém, os militantes da causa da liberdade na rede. Não os culpo pela paixão, pois sou apaixonado por minhas causas.
Todavia, como já disse, o limite da liberdade de cada um é o direito do outro. E não se pode tentar intimidar quem pensa diferente difamando-o ou patrulhando-o, fazendo-lhe acusações só por discutir o que não se quer.
O patrulhamento do pensamento alheio não pode ser usado para pregar liberdade de expressão. Criar-se-ão, cada vez mais, milícias virtuais destinadas a intimidar quem ouse discordar desses grupos.
Sempre que surgem essas anomalias, as vítimas do patrulhamento vão ficando pelo caminho e em determinado ponto se tornam tantas que acaba sendo possível fazer leis mais duras do que o necessário.
Visando o aprofundamento nessa questão, ao fim desta semana participarei de uma reunião com militantes da causa do anonimato na rede. Em seguida, participarei de encontro com defensores da sua maior normatização.
O que deve valer, em uma discussão dessa importância, não são as pessoas, mas o interesse coletivo. Não importa quem defende o que. É uma discussão que deve permanecer aberta e que, acima de tudo, tem que ser travada.
Não se pode aceitar o argumento de que propor tal discussão significa “fornecer combustível” para um dos lados. É um argumento antidemocrático que vem sendo usado pela grande mídia para se apropriar de concessões públicas e agir como partido político.