Mentira mais escandalosa do Brasil já dura 47 anos

Opinião do blog

É de uma ironia quase sobrenatural que o golpe militar de 1964 aniversarie no dia internacional da mentira, que foi apenas iniciado no dia 31 de março daquele ano e só se consumou de fato no dia seguinte, portanto em 1º de abril, em meio a grande comemoração da imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, sobretudo.

A ironia reside no fato de que esse golpe amparou-se na mais longeva e descarada mentira já contada aos brasileiros. Uma fantasia que, aos 47 anos, passa muito bem, continuando a ser repetida milhares de vezes por milhares de entusiastas do regime criminoso que estuprou reiteradamente o povo brasileiro durante mais de duas décadas.

A conspiração para derrubar Jango Goulart – que só governaria por mais dois anos, até 1966, quando haveria eleição presidencial em que os descontentes teriam chance de materializar o repúdio popular que alegavam que existia contra ele –, amparou-se em uma mentira que até hoje é sustentada por seus autores, de que o golpe foi dado para impedir a instalação de uma “ditadura comunista” no Brasil.

Não existe historiador, mesmo ideológico, que sustente essa versão. Ao menos não da forma como é contada. Porque não existia uma força militar capaz de ameaçar as poderosas Forças Armadas de então, cujo poder foi demonstrado de um dia para outro naquele 1964, conseguindo instalar o regime que duraria mais de 20 anos quase que sem ter que disparar um só tiro.

A “grande” ameaça de golpe militar que diziam existir resumia-se a retórica de simpatizantes do socialismo na academia, no movimento estudantil, na igreja católica, no movimento sindical e em partidos políticos, mas não passava de retórica. Jango governava sob concessão dos militares, que quase não deixaram o vice-presidente de Jânio Quadros assumir a Presidência da República quando o titular do cargo renunciou, em 1961.

À época, todos se espantaram com a baixíssima resistência ao golpe, uma resistência que só aumentaria a partir de dezembro de 1968, com a promulgação do quinto “Ato Institucional” da ditadura através da eclosão de uma guerrilha urbana e rural facilmente esmagada pelo regime.

Teria sido perfeitamente possível, portanto, esperar a eleição seguinte e deixar que o povo brasileiro decidisse seu destino, mas o fato é que os golpistas não acreditavam na quimera de que os brasileiros, em maioria, repudiavam o governo Jango, que avançava no social e tinha planos de ir mais longe, promovendo reforma agrária até mais tímida do que a que está (?) em curso no país.

Até hoje, essa mentira é sustentada na maior cara-dura pelos mesmos meios de comunicação que abriram suas instalações para abrigar a conspiração entre militares, imprensa, empresários e Igreja Católica que redundou no golpe.

A mentira, aliás, se desdobra. Há dois anos, o jornal Folha de São Paulo publicava editorial que classificava a ditadura como “ditabranda” porque “apenas” 500 pessoas teriam sido mortas pelos ditadores, conta malandra que deliberadamente exclui legiões de “desaparecidos”, ou seja, aqueles que sumiram e que, por isso, jamais foram considerados oficialmente mortos.

Para os brasileiros, portanto, faz todo sentido que 1º de abril seja considerado o dia da mentira. E o pior é que não chegam a ser boas as chances de que nos anos vindouros isso mude. A Comissão da Verdade, que poderia fazer com que este país deixasse de ser esbofeteado a cada 365 dias, corre o risco de nem sair do papel.