Juiz tucano aprovou as cotas por medo de ficar isolado
Antes de chegar ao ponto que intitula este post, haverá que fazer um longo preâmbulo para que o leitor possa entender a questão. Vamos a ele, pois.
Na quarta-feira (25/04), o jornalista Elio Gaspari, em sua coluna no jornal Folha de São Paulo, previu o desenlace do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo DEM contra a política de cotas para negros adotada pela Universidade de Brasília.
A previsão de Gaspari: “No palpite de quem conhece a Corte, o resultado será de, pelo menos, sete votos a favor e quatro contra” as cotas na UNB.
Tratou-se de uma previsão para lá de otimista para os adversários da igualdade racial no Brasil, ainda que não parecesse, pois a chance de derrota do DEM era, previsivelmente, muito maior. E era maior por conta dos complexos fatores técnicos e políticos que envolvem a questão e que passo a explicar.
Quem o jornalista disse que “conhece a Corte” parece não conhecê-la tanto assim. Este blogueiro mesmo, às 16:14 hs., três horas antes do término do Julgamento (que ocorreu por volta das 19:30 hs.) previu, através do Twitter, que a decisão a favor das cotas poderia ser unânime. Abaixo, reprodução da mensagem que publiquei naquela rede social.
Mais uma vez, perguntaram-me sobre uma tal “bola de cristal” de cristal que eu teria por conta de previsões que fiz como aquela sobre a crise econômica de 2008, de que seria mesmo uma marolinha, o que foi dito em um momento em que todos, à esquerda e à direita, diziam que o país afundaria. Ou como a que fiz dias antes da publicação da última pesquisa Datafolha, a previsão de que a popularidade de Dilma dispararia.
Infelizmente, não tenho bola de cristal alguma. Se tivesse, trataria de descobrir o resultado de alguma loteria, eis que ando precisado… O que tenho é só um método de lidar com a lógica que só funciona quando disponho de elementos suficientes, o que dificilmente ocorre.
Certas vezes, porém, os fatos gritam para ser notados. E, nesse caso do julgamento das cotas, o fenômeno era intenso. Afinal, acolher a premissa do DEM seria uma aberração jurídica. Seria desmoralizante para qualquer juiz que preze minimamente a própria imagem. E não apenas para a sua capacidade técnica, mas do ponto de vista da imagem de pessoa pública.
Houve um tempo em que os juízes do STF não ligavam para o Direito ou para a própria imagem por não passarem de meros despachantes dos setores mais poderosos da sociedade que o presidente da República, que exercia a mesma função, guindava a postos dessa importância.
Foi uma era de trevas em que um presidente ousou manter no cargo, por oito anos, um único procurador-geral da República. Alguém cuja função era arquivar qualquer ação incômoda para o Poder Executivo, o que lhe valera o apodo de engavetador-geral da República.
Na era Lula, os despachantes da elite na cúpula do Judiciário ou do Ministério Público foram sendo substituídos por militantes do melhor Direito preocupados com a própria imagem e descompromissados com o banditismo que imperara naquelas instituições até a chegada do ex-operário ao poder, o que possibilitou que os procuradores-gerais indicados por ele aceitassem um processo contra quem os nomeou, como o do mensalão, o que jamais teria ocorrido quando o PSDB estava no poder.
Hoje, dos onze ministros da Suprema Corte de Justiça do país, oito foram nomeados por Lula ou por Dilma Rousseff. A moralização da mais alta instância do Poder Judiciário, pois, virou um fato. Com efeito, o mensalão jamais estaria para ser julgado se os governos do PT não tivessem optado pelo que havia de melhor para a Procuradoria-Geral da República ou para o STF.
Com a excelência dos ocupantes daquela Corte, seria praticamente impossível que as cotas perdessem. Até porque, entre os três juízes nomeados por antecessores de Lula, só dois já se envolveram em maracutaias: Marco Aurélio Mello, indicado por Fernando Collor de Mello (e que é primo do ex-presidente, vejam o absurdo!), e Gilmar Mendes, indicado por Fernando Henrique Cardoso. Celso de Mello, indicado por Sarney, sempre se portou direito.
Ora, a questão que aqueles juízes julgavam não poderia ter outro destino. Bastaria o menor conhecimento da situação social do país para perceber que o pleito do DEM não passava de uma tentativa de prestação de serviços a uma elite decadente, corrupta e racista.
Dados do IBGE mostram que qualquer outra decisão que não a que foi tomada, seria um absurdo. E de que os argumentos que a imprensa e essa elite esgrimem não passam de banditismo intelectual.
Vejamos, por exemplo, o que um desses impérios de comunicação corruptos que tentam atrasar ou mesmo impedir a justiça social no país diz em editorial publicado nesta sexta-feira, 27 de abril, um dia após a decisão unânime do STF em prol da igualdade racial.
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FOLHA DE SÃO PAULO
27 de abril de 2012
Editorial
Cotas raciais, um erro
Tratamento desigual para reparar injustiças deveria contemplar apenas critérios sociais objetivos – não a cor da pele, obsessão importada O Supremo Tribunal Federal declarou as políticas de cotas raciais em universidades federais compatíveis com a Constituição. A decisão será saudada como um avanço, mas nem por isso terá sido menos equivocada.
Ninguém duvida que a escravidão foi uma catástrofe social cujos efeitos perniciosos ainda se propagam mais de um século após a Abolição. Descendentes de cativos -de origem africana ou nativa, pois também houve escravização de índios – sofrem, na maioria dos casos, uma desvantagem competitiva impingida desde o nascimento.
As políticas adotadas por universidades que reservam cotas ou garantem pontuação extra a candidatos originários daquela ascendência procuram reparar essa iniquidade histórica. A decisão do STF dará ensejo à disseminação de tais medidas em outras instâncias (acesso a empregos públicos, por exemplo), o que ressalta a relevância do julgamento.
São políticas corretivas que podem fazer sentido em países onde não houve miscigenação e as etnias se mantêm segregadas, preservando sua identidade aparente. Não é o caso do Brasil, cuja característica nacional foi a miscigenação maciça, seguramente a maior do planeta. Aqui é duvidosa, quando não impraticável, qualquer tentativa de estabelecer padrões de “pureza” racial.
Não se trata de negar a violência do processo demográfico ou o dissimulado racismo à brasileira que dele resultou, mas de ter em mente que a ampla gradação nas tonalidades de pele manteve esse sentimento destrutivo atrofiado, incapaz de se articular de forma ideológica ou política. Com a mentalidade das cotas raciais, importa-se dos Estados Unidos uma obsessão racial que nunca foi nossa.
No Brasil, a disparidade étnica se dissolve numa disparidade maior, que é social -uma sobreposta à outra. A serem adotadas políticas compensatórias, o que parece legítimo, deveriam pautar-se por um critério objetivo -alunos de escolas públicas, por exemplo- em vez de depender do arbítrio de tribunais raciais cuja instalação tem algo de sinistro.
A Constituição estipula que todos são iguais perante a lei. É um princípio abstrato; inúmeras exceções são admitidas se forem válidos os critérios para abri-las. A ninguém ocorreria impugnar, em nome daquele preceito constitucional, a dispensa de pagar Imposto de Renda para os que detêm poucos recursos.
O cerne da questão, portanto, consiste em definir se há justiça em tratar desigualmente as pessoas por causa do tom da pele ou se seria mais justo, no empenho de corrigir a mesma injustiça, tratá-las desigualmente em decorrência do conjunto de condições sociais que limitaram suas possibilidades de vida.
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O editorial diz que a desigualdade “racial” brasileira não seria um “critério social objetivo”, mas uma “obsessão importada” porque, no Brasil, houve miscigenação enquanto que nos Estados Unidos, onde surgiu a política afirmativa das cotas “raciais”, não houve.
E daí? A miscigenação por acaso impede o racismo? O IBGE mostra que não. Segundo estudos da instituição, a proporção de estudantes de 18 a 25 anos de idade frequentando curso superior é de 19,4% da população para os brancos e 6,8% para os negros e pardos. E a proporção de pessoas de 25 anos ou mais de idade que concluíram curso superior é de 13,4% para brancos e de míseros 4% para negros e pardos.
A pesquisa completa do IBGE pode ser conferida aqui.
Sim, houve mistura racial no Brasil, mas tanto os negros “puros” quanto os mestiços sofrem tanto ou mais no Brasil quanto nos Estados Unidos. Isso sem falar dos índios, que a política de cotas também contempla tanto quanto aos negros e pardos, bem como os brancos pobres, que, apesar de existirem, são em percentual infinitamente menor.
Qualquer análise séria da questão revela que cotas por critério meramente econômico, as ditas cotas sociais – que já existem não só nas políticas afirmativas do governo federal quanto, exclusivamente, em governos mais conservadores como o de São Paulo, na USP e na Unicamp –, são insuficientes.
Se fossem adotadas unicamente, se o critério da pobreza prevalecesse sobre o critério racial para conceder vagas em universidades, o negro continuaria sendo prejudicado, pois os brancos, nos estudos do IBGE, sempre estão em melhor condição que os negros, inclusive entre os pobres.
No Brasil, os 2% mais pobres são compostos por negros e mestiços de brancos com negros, em situação ainda pior do que a dos índios, que também sofrem muito. Se entre os que ganham abaixo de determinado valor fosse usado o critério do mérito, por exemplo, os brancos continuariam chegando à frente de afrodescendentes e índios, o que perpetuaria o problema.
Os juízes mais preocupados com as próprias imagens, portanto, não cometeriam essa vilania de negar aos mais prejudicados a oportunidade de saírem da senzala cultural a que foram confinados durante a escravidão e após a libertação dos escravos.
Os únicos juízes capazes de dar uma banana para o Direito em prol de seus patronos políticos seriam Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, que chegaram a pôr criminosos ricos em liberdade (Salvatore Cacciolla e Daniel Dantas, respectivamente). Mello, porém, de vários anos para cá passou a se portar melhor e tem marcado sua atuação por decisões libertárias e humanistas.
Só havia um juiz que pendia claramente pela desigualdade racial: Gilmar Mendes. Isso fica muito claro, aliás, em seu voto no julgamento da ADPF 186, a das cotas.
Outra matéria da Folha de São Paulo mostra sua tendência e permite, pela lógica, supor que votou contra o DEM, partido com quem andou tendo relações pra lá de esquisitas, por medo de ser o único entre os dez juízes a votar a favor do racismo.
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FOLHA DE SÃO PAULO
27 de abril de 2012
Cotidiano
Gilmar Mendes faz ressalvas a cotas raciais
Apesar de favorável à política de reserva de vagas, ministro chama a atenção para eventuais distorções de sistema da UnB
Depois de dois dias de julgamento da ação proposta pelo DEM, sessão foi encerrada sob sonoros aplausos
DE BRASÍLIA
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes votou a favor das cotas, mas foi o único a fazer críticas ao sistema adotado pela UnB.
Mendes afirmou que o critério racial não é o melhor para definir quem deve ser beneficiado pela reserva de vagas e que um modelo incluindo a renda seria mais apropriado.
Ele citou “distorções e perversões” que poderiam ser geradas pela atual política. Entre elas, a possibilidade de um aluno negro e rico, que sempre estudou em escola particular, entrar na universidade por cotas, enquanto um pobre, porém branco, não.
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Ora, a opinião de Mendes é incompatível com seu voto. Se julga que a política de cotas da UNB contém “perversões e distorções” como a de um negro rico ter possibilidade de tomar o lugar de um branco pobre, deveria ter votado a favor da ADPF do DEM. Se votou diferente, é porque sabia que ficaria isolado e porque essa sua questão poderia ser desmontada facilmente.
Inexiste a possibilidade de um “negro rico”, talvez filho de pagodeiro ou jogador de futebol – situações em que um negro pode enriquecer, salvo exceções –, tomar a vaga de branco pobre. A política de cotas exclui estudantes de escolas particulares, ora. E alguém acha que um negro rico colocaria seu filho em escola pública?