Veja quem é “chapa-branca”
A esposa chega do dentista irritada. Ao adentrar pela porta do apartamento, já vai dizendo que me trouxe “a Veja” a fim de que eu “faça alguma coisa” (?). Antes que possa dizer que não entendi nada, estende a edição de 3 de outubro da Veja São Paulo – ou “Vejinha”.
Para quem não sabe, “Vejinha” é uma revista adicional que vem encartada na revista Veja. Versa sobre a capital paulista. Oferece sugestões de restaurantes, cinema, teatro, reportagens sobre a cidade e, claro, muita propaganda.
A capa da revista resume o conteúdo da matéria a que remete. O assunto principal da edição vem em uma matéria rançosa que se desmancha em elogios ao prefeito Gilberto Kassab e atribui sua impopularidade a “injustiça” dos paulistanos.
O trecho abaixo resume a matéria inteira, que só viu três pontos “negativos” na gestão kassabiana: iluminação pública, trânsito e “falta de corredores de ônibus”.
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No dia 31 de março de 2006, Gilberto Kassab assumiu a prefeitura de São Paulo como um desconhecido para a maioria dos paulistanos. Podia andar na Avenida Paulista sem ser incomodado. Vice em 2004, herdou o cargo quando o então prefeito, José Serra, se candidatou ao governo do estado. À sombra política do tucano, no começo do mandato o engenheiro civil e economista de esbugalhados olhos azuis, 1,83 metro, em luta permanente com a balança e com uma vida pessoal discreta decidiu manter projetos e boa parte da equipe de Serra. Sua gestão ganhou luz própria e reconhecimento popular quando emplacou, em 2007, uma lei corajosa que iria revolucionar a paisagem da cidade. Com o objetivo de reduzir a poluição visual, a Lei Cidade Limpa baniu os outdoors e painéis das ruas, além de estabelecer regras duras para letreiros de estabelecimentos comerciais. Empresários e publicitários tentaram derrubar a medida, sem êxito. Em seis anos, 3,4 milhões de anúncios e placas foram retirados e 216 milhões de reais arrecadados em multas. A iniciativa mereceu destaque até no jornal The New York Times e, recentemente, recebeu um prêmio na Alemanha. Lei na qual quase ninguém botava fé, ela pegou (…)
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O aspecto bizarro da matéria reside no fato de que Veja é um dos grandes meios de comunicação que dia sim, outro também põem seus “colunistas” para fazer acusações a blogueiros e a uma revista semanal de serem “chapas-brancas” por verem méritos nos governos Lula e Dilma.
Há, porém, uma diferença abissal entre o que dizem a blogosfera e a revista Carta Capital e o que dizem Veja, Globo, Folha de São Paulo e Estadão quando apóiam governos: a qualidade dos governos que apoiam.
Enquanto Veja tenta convencer eleitores descontentes de que a baixíssima aprovação que dão a Kassab é injusta, quem apóia Lula e Dilma fala em nome de uma maioria imensa dos eleitores brasileiros que se diz satisfeita com os governos de ambos.
Para Veja, Kassab é um ótimo prefeito – “corajoso”, “empreendedor” e que “fez mais do que todos os seus antecessores”, sendo a sua popularidade ao rés do chão produto de “injustiça” por parte de um eleitorado “ingrato”.
Então surge a pergunta: o que é ser “chapa-branca”? A meu conceito, é o que faz a Veja e não o que fazem blogueiros ou a Carta Capital, que, quando necessário, criticam o governo do país.
Veja defende uma gestão cujos maus resultados se refletem na opinião do povo. Aqueles que a revista que adulou tanto Kassab diz “chapas-brancas”, porém, simplesmente ecoam um sentimento que elegeu, reelegeu e re-reelegeu governos federais do PT.
Aliás, dados técnicos sobre a gestão de Kassab e as de Lula e Dilma referendam a percepção popular sobre os governos “tucanos” e petistas – Kassab, apesar de não ser do PSDB, é identificado com José Serra e com o projeto tucano de poder.
Enquanto que os números mostram uma melhora incrível do país nos últimos dez anos, mostram também uma São Paulo que piora sem parar.
Todavia, números são desnecessários. Basta andar pela cidade “maravilhosa” que Serra produziu ao legar-lhe Kassab. A sujeira, a pobreza, a insegurança, a péssima educação, a saúde torturante, tudo isso o povo denuncia na avaliação que faz do governo paulistano.
Já o Brasil, esse cresce em plena crise econômica internacional – dita a maior da história contemporânea –, diminui a pobreza, reduz a desigualdade em ritmo inédito e, assim, mostra que o povo só rejeita um governo quando ele não faz sua “lição de casa”.
A reportagem de Veja é vergonhosa. Uma bajulação que exibe toda a hipocrisia dessa revista, que só vê corrupção de um lado da política – apesar de corrupção ser inevitável em qualquer grupo político – e que se mostra incapaz de sequer enxergar fatos.
E há uma outra diferença entre o apoio de um lado e de outro: enquanto os blogueiros, ao menos, em sua quase totalidade não recebem nada do governo federal, Kassab despeja incontáveis milhões de reais nos cofres de uma Veja da vida.
Volto à esposa. Ela odeia política e me critica por me envolver com ela ao fazer este blog, muitas vezes em prejuízo do meu ganha-pão. Todavia, cobrou-me que “fizesse alguma coisa” contra o que diz “insulto de Veja a São Paulo”. Está feito, pois.
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Abaixo, dona Tina: chefe-suprema deste blogueiro “sujo” e “primário”