Como o PSDB enterrou a CPI da corrupção em 2001
Em um momento em que o PSDB tenta criar a qualquer custo uma CPI exclusiva para investigar a Petrobrás enquanto acusa o governo Dilma Rousseff de pretender barrar a investigação e de violar o que chama de “direito da minoria”, torna-se imperativo relembrar como o partido agiu em relação a esse “direito” quando estava no poder.
Era maio de 2001. O Brasil estava às portas de mergulhar em um severo racionamento de energia elétrica que duraria de 1º de julho daquele ano até 27 de setembro do ano seguinte. O então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, amargava sucessivas quedas de popularidade que o fariam terminar seu mandato com apenas 35% de aprovação, sendo reprovado pela grande maioria dos brasileiros.
Um dos principais motivos da impopularidade de FHC, à época, era o alto nível de corrupção em seu governo. Os sucessivos escândalos foram agravados pelas denúncias de que comprara votos de parlamentares para aprovarem a emenda constitucional que lhe permitiu se candidatar à própria sucessão em 1998 – até então, presidente, prefeitos e governadores só podiam exercer um único mandato.
Naquele ano, as denúncias contra o governo se acumularam a tal ponto que até entre a base governista prosperou a criação da “CPI da Corrupção”, que investigaria 16 pontos. Confira, abaixo, os fatos que embasavam a abertura da investigação.
– tráfico de influências pelo o ex-secretário geral da Presidência Eduardo Jorge Caldas Pereira;
– irregularidade envolvendo do ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira na privatização da Tele Norte Leste;
– liberação de verbas irregulares para o DNER;
– denúncias de caixa 2 nas campanhas eleitorais envolvendo o ministro Andrea Matarazzo (Comunicação); – omissão do Banco Central na apuração nas denúncias de desvios do Banpará que teriam beneficiado Jader Barbalho;
– omissão do BC na apuração do dossiê Caribe [conjunto de documentos sem autenticidade comprovada sobre uma suposta empresa com sede nas Ilhas Cayman do presidente Fernando Henrique Cardoso, do ministro José Serra (Saúde), e do ex-governador de São Paulo Mário Covas e do ex-ministro Sérgio Mota (Telecomunicações), mortos respectivamente em março e em abril de 1998;
– omissão do BC em apurar suspeita de crime tributário, fraude e sonegação pela empresa OAS, ligada a ACM;
-omissão do BC nas investigações da chamada “pasta rosa”, sobre contribuição do Banco Econômico para campanha de ACM;
– omissão do BC na investigação de contas fantasmas abastecidas pela TV Bahia, que pertence a ACM;
– fraudes na concessão de incentivos fiscais pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia);
-irregularidades em contratos de portos e aeroportos das cidades de Salvador (BA), Santos (SP) e nas obras de ampliação e modernização do aeroporto Luís Eduardo Magalhães, em Salvador;
– irregularidades e superfaturamento na instalação da usina nuclear Angra 2, envolvendo a Eletrobras/Eletronuclear, Furnas e distribuidores de energia;
– emissão de CPFs irregulares na Bahia;
– desvios na utilização de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).
Devido ao mau humor da opinião pública, das dificuldades crescentes na economia, do iminente (e draconiano) racionamento de energia que ameaçava o país e que se concretizaria pouco depois, a criação da CPI da Corrupção já era dada praticamente como certa, mas FHC e seu partido, o PSDB, desencadearam uma verdadeira operação de guerra para impedir.
A verdadeira blietzkrieg tucana contra a instalação da CPI da Corrupção acabou tendo êxito. Em 10 de maio de 2001, o PSDB conseguiu impedir a investigação.
O governo e seu partido tiveram que agir rápido porque o clamor popular pela CPI era cada vez mais estridente. Esse clamor fez o jornal mais governista da época, o Estadão, acabar aceitando investigação que até então combatera com unhas e dentes enquanto acusava o PT de apostar no “quanto pior, melhor”.
Vale a pena ler, abaixo, o editorial “CPI não é bicho-papão”, que o Estadão publicou em 9 de maio de 2001, para se ter uma ideia de como era diferente o comportamento da mídia em relação ao governo quando este era do PSDB; o inimigo da mídia, à época, era a oposição petista.
O Estadão, porém, rendeu-se cedo demais. FHC e seu partido, ao custo de distribuição de dinheiro público a parlamentares, no dia seguinte ao do editorial conseguiria impedir a investigação.
A compra de parlamentares foi tão escandalosa que até jornais tidos como governistas denunciaram. O Valor, por exemplo, contou como Bornhausen foi mobilizado pelo Palácio numa última tentativa de reverter a situação. O Jornal do Brasil disse que Bornhausen ameaçou de expulsão os 16 deputados do PFL que assinaram a CPI.
Relato ainda mais dramático do empenho de FHC para impedir a CPI foi publicado na coluna de Ariosto Teixeira, no próprio Estadão. A matéria revelou que FHC lançaria todos os recursos disponíveis para impedir a instalação do inquérito. Ameaçara, inclusive, dissolver todo o ministério caso partidos aliados não retirassem o apoio à investigação.
Todas as negociatas para impedir a CPI foram contadas com riqueza de detalhes pelo colunista Fernando Rodrigues, na Folha, e pelo próprio jornal. O colunista revelou que se tratava de uma super operação abafa e descreveu os tipos de preço que os congressistas fisiológicos cobraram. Em dois dias o então ministro Aloysio Nunes Ferreira liberara R$ 26 milhões para emendas de congressistas, dizia a reportagem.
Detalhe: FHC usou dinheiro público de um país então quebrado para abafar a investigação.
Leia, abaixo, a coluna de Fernando Rodrigues na Folha de São Paulo de 9 de maio de 2001 avisando como seria abafada a investigação e, em seguida, matéria do mesmo jornal de 11 de maio, um dia após o PSDB e o governo terem tido êxito no intento, relatando mais detalhes sobre a operação-abafa.
O PSDB passou os oito anos do governo FHC violando o que os tucanos chamam hoje de “direito da minoria”. Negou ao PT e ao resto da oposição praticamente todas as investigações que tentaram instalar. E, para completar a blindagem, FHC manteve o mesmo procurador-geral da República durante seus oito anos de mandato.
Detalhe: a Procuradoria Geral da República, naqueles oito anos tucanos, jamais aceitou uma única investigação contra o governo federal.
A mídia, na maior parte do tempo, era governista até os ossos, como se vê no editorial do Estadão. Mas naquele 2001 em que os tucanos abafaram sua última CPI, alguns veículos já não tinham condições de continuar tão governistas, como no caso da Folha. O país não suportava mais o PSDB no poder e os jornais começaram a sentir que estavam se desmoralizando.
Justiça seja feita, o único dos maiores jornais que se manteve cem por cento governista até o fim foi o Estadão. Globo, Folha e até a Veja subiram no muro. Aliás, a eleição de 2002 foi a única desde a redemocratização em que a mídia se portou de forma republicana e não fez o jogo do antipetismo. Até porque, não teria adiantado nada.