“Deixa o Gilmar falando sozinho”, diz professor de Lewandowski e Rosa Weber
A melhor parte da entrevista que a TV dos Bancários de São Paulo levou ao ar – ao vivo – na noite da última segunda-feira (21/9) em seu programa Contraponto não apareceu na telinha dos internautas, mas nas viagens que este que escreve fez à residência do entrevistado para ir buscá-lo e levá-lo de volta.
Como muitos leitores desta página devem saber – até porque, assistiram a entrevista ao vivo –, o entrevistado foi Dalmo de Abreu Dallari, o jurista serrano (gentílico dos naturais de Serra Negra – SP) nascido em 1931, e que, aos 83 anos, deu inveja a este cinquentão pela clareza de ideias, pela objetividade, pela serenidade e até pelo vigor físico.
Conhecer Dallari e poder ouvi-lo num bate-papo – e esse papo fica melhor se ele monologar – é reconfortante porque faz o interlocutor acreditar que envelhecer pode ser bônus, e não ônus. Conheço-o desde 2013, mas nunca deixo de me espantar.
Se ainda pudesse escolher ser alguém quando crescesse, escolheria ser esse jurista octogenário, ex-professor da Universidade de Paris e ex-membro da Unesco que teve entre seus alunos ninguém mais, ninguém menos do que os ministros do Supremo, Ricardo Lewandowski, e Rosa Weber – sendo o primeiro, aluno dedicado e altamente influenciado pelo professor, e a segunda, uma aluna “eventual”, como Dallari descreveu sua relação com ela.
O que estimula alguém a querer envelhecer “bem” é constatar que certas pessoas não envelhecem, apenas amadurecem, mas no melhor sentido, no sentido de transformar o acúmulo da experiência de vida em um fator muito mais importante que a mera questão biológica da idade física.
A ciência vem divulgando há muito que a prática intensa da atividade intelectual é fator preponderante para se chegar bem à velhice, muitas vezes permitindo ao idoso ter condições mentais e até – pasme – físicas muito melhores do que as de muitos jovens.
É por tudo isso que o otimismo do professor Dallari me estimulou. Por ele ser o fenômeno de preponderância do desenvolvimento mental sobre o processo inerente aos seres vivos, o processo de envelhecimento biológico oriundo da degeneração celular que ocorre a qualquer vivente ao longo dos anos.
Claro que quem não conhece pessoalmente esse octogenário não tem como saber, por exemplo, de sua intimidade com a internet e de sua perfeita interação com a atualidade ao mostrar-se informado até sobre amenidades que dizem muito mais respeito à juventude do que a pessoas mais maduras como eu.
É por isso que fiquei realmente em dúvida sobre a afirmação serena de Dallari de que não tem “a menor preocupação” com o golpe e, até, com “Gilmar Mendes”, quem o jurista diz que já fez todo mal que poderia fazer – e que ele previu que faria em seu artigo profético publicado na página A3 da Folha de São Paulo em 2002, no estertor do governo FHC – e que esse mal não tem como avançar muito mais do que isso (?!).
Ao ser perguntado sobre Gilmar, Dallari mal ouve a pergunta e já dispara:
“Vocês dão muita importância a esse homem. Deixa ele falando sozinho lá no Supremo, os outros ministros nem lhe dão bola. Deixam ele lá porque ninguém quer perder tempo em começar uma guerra”.
Pergunto ao professor se não é mal suficiente Gilmar ter segurado o processo de proibição de doação eleitoral por empresas durante um ano e meio. Dallari dá de ombros:
“Foi até bom, a sociedade precisava discutir. As denúncias de que ele segurava o processo chamaram atenção. E o que aconteceu? Ele teve que devolver o processo. E depois? Ele foi derrotado. Esperneou, esperneou e foi derrotado. Depois foi à tevê vociferar, todo suado, e, ao fim, vai ter que engolir, porque oito é mais do que três; ele está em minoria”.
Argumento de que em julgamentos decisivos ele pode fazer a diferença não sensibilizaram Dallari. Ele voltou a minimizar a importância de Gilmar:
“Isso já era sabido, já faz parte do mal que foi indicá-lo para o cargo. Mas, se for assim, até um ministro melhor pode, naquela votação, votar mal… Além disso, as teses dele são tão toscas que atraem reprovação automaticamente, sobretudo em um STF que melhorou muito em termos de composição”.
Uau! Qualifico a experiência de conversar informalmente com Dallari a um sopro de ar fresco, de juventude, de esperança. E não perder a esperança e o otimismo aos OITENTA E TRÊS ANOS não é para qualquer um, meus caros.
Mas, então, pergunto ao nobre professor sobre o golpe. Ele ri; eu me espanto:
“Mas, meu filho, eu já lhe disse: isso é uma fantasia política”
Nesse momento – que foi na ida aos estúdios da tevê dos Bancários –, Dallari me passa um pito:
“Esse caminho que você está fazendo é muito ruim. Você deu a maior volta. Era só contornar o Fórum Criminal da Praça João Mendes e você pararia a poucos metros do sindicato, e não a duas quadras”.
Eu fora pela 23 de Maio, pegara a Xavier de Toledo e deixara o carro próximo ao Largo São Francisco, para depois irmos andando pela rua São Bento até o Edifício Martinelli, próximo ao Largo São Bento.
Bem, concluí que Dallari estava certo.
Mas, enfim, o professor da Universidade de Paris volta ao tema do golpe:
“Isso não existe porque não há uma grande força política, social e econômica desejando derrubar Dilma, como em 1964. São pequenos grupos – de dezenas de milhares de pessoas, mas pequenos em um país como este. E, também, porque o STF não iria deixar”
Fico preocupado com o que ouvi, porque Dallari me falava do mesmo Supremo que condenou réus do mensalão pelo “domínio do fato”, ou seja, sem provas, porque, afinal, “a lei permite”. Porém, logo o professor me fez entender a matéria:
“O STF mudou. A nova maioria é atenta à Constituição. Aliás, todos deveriam ter um exemplar da Constituição e lê-lo atentamente. É um livrinho fino, curto, objetivo. E, para quem não sabe, a comunidade internacional julga que a Constituição brasileira é uma das melhores do mundo. Precisa apenas ser cumprida”
Era inevitável, portanto, que a pergunta seguinte fosse sobre se o Supremo barraria uma iniciativa da Câmara de abrir o processo e afastar Dilma. Dallari diz que não tem dúvida, que não haveria como a maioria que ele bem estudou votar a favor de tal “absurdo”:
“Não há provas, não há nada. A Constituição diz que precisa haver crime de responsabilidade da presidente, uma acusação de que ela praticou atos ilegais, que, além disso, teria que ser provada, o que levaria o processo a durar anos. Talvez até o fim do mandato dela”.
Você não acredita no professor de Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli? Tudo bem. O noticiário é avassalador. A mídia – veja bem, leitor, a mídia – diz que é “inevitável”, que “falta pouco tempo”, apresenta a “agonia de Dilma” diuturnamente, condena por crime quem quiser, quantas vezes quiser… Mas, ainda assim, fiquei tocado pela tese de Dallari.
A certeza com que ele fala sobre mandar Gilmar às favas e não ficar gastando neurônios com o golpe, para, em vez disso, travar o debate político e esclarecer a sociedade sobre as teses lesivas a ela que a ascensão do conservadorismo extremado está fortalecendo, de repente me parece uma alternativa puramente racional.
Já passou da hora de nos espantarmos com o ponto a que pode chegar aquilo que já faz tempo deixou de ser direita para se converter em uma força político-econômico-ideológica literalmente fascista. Dallari me fez ver que a hora é de batalha de convencimento de corações e mentes sobre o mal que essa ideologia pode promover.
Parafraseando Dalmo de Abreu Dallari, pois:
“Deixa o Gilmar falando sozinho”
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Assista, abaixo, à íntegra da volta do programa Contraponto