Pela mãe de Victoria

Crônica

tina vivi

Na manhã desta quinta-feira, o Anjo da Guarda de Victoria enfrentará outra prova entre tantas que já enfrentou. O anjo é a mãe da menina, a mulher da minha vida, Cristina, a minha Tina, quem me dá sentido à existência há 34 maravilhosos anos. A prova é uma cirurgia.

Tina vinha carregando há meses suas dores, suas quedas brutais de pressão arterial, um mal-estar que, só depois fiquei sabendo pelo médico, faria qualquer um arrastar-se por aí aos prantos.

Ela, não. Porque essa mulher é uma Valquíria. Enfrenta a entidade monstruosa que é a doença da Filha sem jamais dar um passo atrás, sem sequer cogitar cuidar das feridas que a refrega lhe acarreta. E sempre com um sorriso doce, porém desafiador no rosto.

Em julho, a filha expatriada chega do outro lado do mundo e convence a mãe a aceitar uma trégua na batalha interminável que lhe norteia a vida. E a leva ao médico.

Descobrem que Tina tem cálculos na vesícula. E, nesse caso, a única solução é uma cirurgia – considerada simples – de retirada do órgão. Simples como é, porém, não deixa de ser uma cirurgia. A anestesia é geral, tem que usar o respirador artificial…

A apreensão não chega a ser exagerada por conta de que o estágio do problema avançou um pouco mais do que deveria porque o Anjo da Guarda de Victoria não queria dar a si mesma tempo para algo mais do que velar pela protegida.

Devo ser culpado, também, por não ter tido o pulso firme que teve a filha Gabriela ao levar a mãe “na marra” ao médico…

Na quarta-feira pela manhã, Tina – após uma noite insone suportando dores e quedas de pressão – despertou-me com a notícia quase inacreditável de que Victoria estava com febre alta.

Ao longo do dia, Victoria melhorou um pouco – mas continua precisando do tubo de oxigênio para respirar de maneira eficiente. Já a febre, refluiu. Contudo, tragicamente o quadro dela impedirá que a mãe enfrente a cirurgia com a serenidade necessária.

A família de Victoria e profissionais que atendem minha filha suspeitam de que essa foi a forma da menina de “protestar” contra o afastamento involuntário da mãe.

Confesso que não tenho cabeça para mais nada. A única coisa que me importa nesta vida, no momento, é a chegada do momento de abraçar minha amada de novo.

Provavelmente, só terei notícias dela na tarde desta quinta-feira (22). Não sei a hora.

Mas hoje, como ontem, o dia é da família. Estaremos reunidos em espírito; alguns um pouco mais perto, outros um pouco mais longe. Todos, no entanto, por Tina – e, consequentemente, por Victoria, pois uma é extensão da outra.

A todo aquele que vier a ler estas palavras, imploro por um pensamento pela mãe de Victoria, pela mulher da minha vida, pela pessoa mais humana, mais humilde, mais generosa, mais fiel, mais corajosa que conheci em toda a minha vida.

Trata-se de uma mulher que, no passado, chegou a recolher um farrapo humano que vivia jogado no meio da “nossa” rua – abandonado por família, amigos, pela sociedade – e levá-lo para o abrigo de nossa casa nas noites em que se entregava à bebida além da conta.

Trata-se da mulher que acompanha cada agrura de uma enfermeira que cuidou por algumas semanas da nossa filha e que está vivendo um drama terrível, com o esposo desenganado, três filhas pequenas e uma sogra para sustentar; ela ajuda a moça de todas as formas.

E ninguém fica sabendo.

Trata-se da mulher que, assaltada por um menor ao parar em um semáforo, conseguiu desarmá-lo, colocou-o no carro, levou-o para lanchar, passou-lhe um sermão e depois o entregou na porta de casa, na favela em que o pequeno residia.

Trata-se da mulher que nunca, jamais me deixou desanimar. Que quanto mais complicada fosse a nossa situação, dizia, com ar despreocupado e um sorriso no rosto, que eu iria “tirar de letra”.

Tina é uma dessas pessoas que veio ao mundo para levar felicidade às pessoas. No condomínio em que residimos, certa feita conversava com funcionários e eles fizeram questão de ressaltar quanta admiração sentiam por minha esposa por estar sempre com um sorriso no rosto apesar das agruras que enfrenta ao lado da filha doente.

Tina sabe o dia do aniversário de todos aqueles que conhece. São dezenas e dezenas de pessoas. De grande parte, ela sabe a data de cabeça. Para não esquecer da outra parte, mantém sempre junto a si uma agenda que todo dia consulta para saber a quem deve parabenizar.

A madrugada avança e não posso sequer pensar em relaxar enquanto tudo isso não acabar e ela estiver novamente velando por mim, por Victoria e por nossos outros filhos e netas. E por todos mais aos quais ela ama – e ela ama muita gente, creia-me.

A voz doce e tão profundamente feminina, o rosto em que a beleza fez moradia, a beleza que os anos não furtaram, o coração do tamanho do universo. Essa é a mulher da minha vida. É por ela – e Victoria – que imploro pela torcida de quem vier a ler isto a tempo.