Ambulante heroico morreu por se importar onde ninguém se importa

Crônica

ambulante

 

 

Sob um forte clima de revolta, o vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, de 54 anos, foi sepultado terça-feira, 27/12, no cemitério Vale da Paz, em Diadema, Região Metropolitana de São Paulo. Familiares e amigos expressaram indignação com a agressão contra o homem e aos gritos cobraram “justiça” para a dupla flagrada cometendo o crime na noite de Natal.

Pessoas que conviviam diariamente com Ruas destacaram a boa relação que ele mantinha com os moradores de rua da região, fornecendo alimentação a eles com frequência.

A personalidade generosa foi ressaltada como parte da rotina do ambulante. “Ele acordava cedo todos os dias e dava cafezinho e comida aos mendigos. Sempre foi um cara de paz e que ajudava a todos”, disse a dona de casa Maria de Fátima Ruas, de 53 anos, irmã da vítima.

Além dela, Ruas, que era casado há 32 anos, tinha outros dois irmãos.

Morador do Brás, o ambulante trabalhou na entrada da Estação Pedro II do Metrô paulistano nos últimos 20 anos.

Segundo familiares, ele havia decidido prolongar a jornada de trabalho na última semana visando a quitar uma dívida de IPVA. O seu carro havia sido recuperado pela polícia após um roubo sofrido, mas estava detido em razão do débito.

O advogado Marcolino Nunes Pinho, defensor dos dois homens que espancaram até a morte o ambulante, disse que seus clientes alegam que partiram para briga naquela noite porque um deles teve o celular roubado por um grupo de pessoas do lado de fora da estação Pedro 2°, onde as câmeras do Metrô não conseguem captar.

Ainda segundo a defesa, os dois agrediram Ruas porque o vendedor também teria se envolvido na briga. “O senhor Luiz Ruas foi tentar ajudar os travestis, que ele conhecia lá, e deu uma garrafada na cabeça do Alípio. Aí, ficou nervoso porque tomou a garrafada e foi para cima dele. Ele disse que nem entendeu porque aquele senhor se envolveu na confusão. Deu uma garrafa nele”, disse o advogado.

Uma quantidade interminável de pessoas desmente a defesa dos assassinos, mas não importa. O que importa é constatar como a maldade não se contenta, não se satisfaz com nenhum feito hediondo, tentando sempre, sempre ir mais longe, mais fundo.

Ruas foi espancado na noite de Natal por defender uma transexual que estava sendo agredida covardemente por DOIS homens fortes. Aos 53 anos, não precisava se importar. Não era homossexual, não era segurança, não era pago pelo metrô. Mas se importou.

Ao tentar defender um cidadão que habita o degrau mais estigmatizado da escala social, o ambulante praticou o gesto máximo da ideologia cristã: o amor ao próximo, a doação, o sacrifício pelo semelhante não importando o quanto ele seja humilde.

Quantas pessoas neste planeta, na noite de Natal, fizeram alguma coisa tão importante por alguém que não conhecem e com a qual nada têm em comum? Quantas pessoas deram tanto sentido ao que se comemorava naquele dia quanto deu o ambulante Luiz Carlos Ruas?

A brutalidade das agressões que o ambulante heroico sofreu fez com que seu corpo tivesse que ser velado com o caixão fechado, pois foi desfigurado pelos carrascos que lhe decretaram a pena de morte e que ainda contrataram um advogado que agora está acusando a vítima pelo ato bárbaro que seus clientes praticaram.

Ao interpelar dois brutamontes enfurecidos e descontrolados, Ruas precisou de muita coragem. Uma coragem que faltou a todas as outras dezenas de pessoas que passavam pelo local e assistiram inertes ao massacre de um homem que morreu de forma tão apavorante por se importar em uma cidade onde ninguém se importa com ninguém.

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PS: é revoltante como a mídia acoberta o metrô de São Paulo pela falta de segurança absurda no local. Por que será, não?

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