Cientista político diz que candidatura Boulos seria “Ocaso do PSOL”

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O cientista político Mathias Alencastro é doutor em ciência política pela Universidade de Oxford e especialista em política africana. Em análise publicada na Folha de São Paulo ele comenta o racha no PSOL devido à possibilidade que surgiu no partido de o líder do MTST ser seu candidato a presidente em 2018.

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fOPINIÃO

Advento de Boulos simboliza também o ocaso do PSOL

Ao endossar candidatura do recém-filiado, sigla declara fracasso da sua agenda programática

7.mar.2018 às 12h14

Mathias Alencastro

SÃO PAULO

É conhecido que a onda de esquerda que envolveu a América Latina no começo dos anos 2000 serviu muitas vezes de referência para as experiências políticas conduzidas pelos partidos de esquerda que surgiram na Europa depois da crise financeira de 2008. Esses partidos têm em comum a sua proximidade com o trabalho seminal de Ernesto Laclau, autor de “A Razão Populista” (Ed. Três Estrelas), e de sua colega Chantal Mouffe, geralmente considerados como os fundadores do “pós-marxismo”.

Essas abordagens teóricas e empíricas da reconstrução da esquerda estão sendo decisivas para a formação de Guilherme Boulos durante uma fase fundamental da sua ainda curta trajetória política: a articulação da sua candidatura a presidente em aliança com o PSOL.

Se seguirmos estritamente essa interpretação, tal como parecem fazer Ivan Valente e Juliano Medeiros em texto publicado nesta Folha, é possível afirmar que a candidatura de Guilherme Boulos marca a introdução no Brasil de uma experiência política desenvolvida na América Latina e reinventada na Europa.

Guilherme Boulos está sentado em uma plateia com a filha, uma criança de vestido vermelho e laço na cabeça, no colo; ao lado direito está a mãe de Boulos e ao lado dela o pai dele. Todos olham para Boulos
Guilherme Boulos, sua filha e seus pais durante lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República, em São Paulo – Paulo Ermantino – 3.mar.2018/Folhapress

Essa interpretação, no entanto, tem várias limitações. O chamado “novo populismo” de esquerda europeu continua sendo analisado de forma idealizada. É incompreensível que Medeiros e Valente chamem movimentos ultracentralizados e subordinados a lideranças carismáticas, como o espanhol Podemos e o França Insubmissa, de “organização de baixo para cima”.

É igualmente incompreensível que eles coloquem no mesmo saco a coalizão portuguesa, liderada por um partido socialista ancorado no centro. O projeto de renovação da esquerda português, contrariamente ao espanhol e ao francês, se destaca por defender a moderação, em vez da ruptura, com as politicas de austeridade da União Europeia e pelo fato, ainda mais relevante, de ter sido o único a conquistar o poder.

Talvez seja mais interessante e instigante, tendo em conta o papel central da desigualdade nos dois países, comparar Guilherme Boulos ao fenômeno político de outro país do sul global: Julius Malema. Constatando o desgaste do Congresso Nacional Africano entre as camadas mais humildes da população sul-africana, Julius Malema, 37, desligou-se do partido para fundar o Economic Freedom Fighters em 2013.

Desde então, Malema tem apostado numa mistura de política insurrecional e parlamentar, e num discurso que se dirige à população em situação de precariedade no meio urbano, o que torna a sua ação particularmente semelhante à de Guilherme Boulos. Com o seu partido prestes a conquistar a poderosa província de Gauteng, onde se concentra 30% do PIB nacional, Malema se prepara para assumir a oposição contra o governo abertamente centrista do novo líder da CNA, Cyril Ramaphosa.

Capitalizando o fracasso do sistema politico em atender as expectativas criadas pela democratização, Malema e Boulos encarnam o “novo” da esquerda. Enquanto isso, ao endossar de forma tão entusiástica como apática a candidatura de um recém-filiado, o “velho” PSOL, caracterizado pela sua miopia política, declara o fracasso da sua agenda programática e se prepara para desaparecer alegremente na sombra do seu novo líder.