Tucanos “colam” em evangélicos após perderem extrema-direita

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Receber pastores na sede oficial do governo não é prerrogativa do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB).
Encontros de líderes evangélicos com João Doria e Geraldo Alckmin, candidatos do PSDB ao governo de São Paulo e à Presidência, foram uma praxe quando eles governavam estado e capital paulistas.

Uma dessas reuniões no Bandeirantes sob guarda de Alckmin teve pizza no menu (sorvete e pudim de sobremesa), hinos gospel e um anfitrião contente por “promover a participação das igrejas, hoje […] grandes parceiras do governo”, como mostra vídeo ao qual a Folha teve acesso.

Isso em abril, segundo o presidente do Núcleo Cristão do PSDB, o diácono Edson Mota, da igreja Tabernáculo Jacuí O Brasil para Cristo —um dos responsáveis pelas agendas religiosas dos agora candidatos Doria e Alckmin, junto com o pastor Luciano Luna e o presbítero Geraldo Malta.

Sobrinho do bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella entrou na reta da Justiça, acusado de usar a máquina pública para beneficiar evangélicos.

No começo do mês, o prefeito abriu o Palácio da Cidade a lideranças de sua religião. Ali apresentou um pastor que pleiteia vaga na Câmara dos Deputados, defendeu o voto em evangélicos para “dar jeito nessa pátria” e prometer a fiéis cirurgias de catarata em “uma ou duas semanas” (pacientes da rede municipal aguardam cerca de oito meses só para a primeira consulta).

Os paulistas não chegaram a tanto —como insinuar que poderiam furar filas de operações ou fazer campanha aberta dentro do governo para pastores-políticos. O bom relacionamento com igrejas, contudo, também era prioridade.

A dias de deixar o cargo para disputar as eleições, Alckmin se reuniu com líderes como o apóstolo Estevam Hernandes, da Renascer em Cristo, e o pastor Isaías Soares, da Tabernáculo Jacuí. Do apóstolo Willy Garcia ganhou um exemplar de “Pilares Para Uma Vida Saudável – #Escolhiserfeliz”, do nutrólogo Mohamad Barakat, e posou para uma selfie.

Com o grupo cantarolou “Te Agradeço”, da banda gospel Diante do Trono. Música para os ouvidos dos convidados foi mesmo o discurso que deu ainda à mesa. “O que temos pedido para o candidato que apoiaremos é: defenda a família”, diz à Folha outro presente, o apóstolo Cesar Augusto (Igreja Fonte da Vida).

Alckmin não o decepcionou naquela noite. “Todo mundo sabe e quero explicitar minhas posições. Sou contra qualquer mudança na legislação que já temos”, disse sobre o aborto.

E mais: “Devemos não estimular nas escolas as questões de ideologia de gênero. Devemos ter amor pelas pessoas. Independentemente de qualquer coisa, Deus é amor”.

Em 2018, Alckmin aclamou a “participação das igrejas”, essas “grandes parceiras do governo”, em áreas de interesse público. Citou programas do estado que elas gerenciam, entre eles o Bom Prato de Perus.

Quando inaugurou o restaurante nesse bairro paulistano com refeições a R$ 1, em 2013, o tucano elogiou o cardápio (“não tem Fasano melhor”) e o pastor Elias Cardoso. É ele o presidente da Igreja Assembleia de Deus – Ministério de Perus, que acumula “mais de 60 anos servindo ao povo através da evangelização e do trabalho social”, ressaltou o governador à época.

O artigo 19 da Constituição veda a estados e municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, […] ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Para selar parcerias públicas, as igrejas têm de criar organizações sociais.

Entidades ligadas a igrejas costumam receber repasses do governo estadual por meio de convênios. A Assembleia de Deus do Perus administra a Associação Assistencial Comunitária Azarias, que já assinou R$ 7,6 milhões em contratos com o Bandeirantes. O mais recente é de 2017: R$ 1,4 milhões pelo menu do Bom Prato até novembro deste ano.

Essas mesmas entidades mantêm convênios também com a prefeitura. À Azarias foram destinados R$ 46,2 milhões para, por exemplo, administrar creches —mesma área do Instituto Anglicano, com contratos de R$ 15,5 milhões com o município.

A organização é ligada à Igreja Anglicana em São Paulo, sob batuta do reverendo Aldo Quintão, um dos que circularam pelo Bandeirantes —antipetista confesso, já disparou num ato pelo impeachment de 2016: “Dilma, vim lhe dizer que o povo de São Paulo quer que você vá… se benzer!”.

O interesse não são só convênios. A bancada evangélica estadual conseguiu aprovar nesta legislatura datas para celebrar a fé cristã: o Dia da Juventude Evangélica, o Dia da Mulher Cristã Evangélica e o Dia do Pastor Assembleiano.

Em junho de 2017, quando Alckmin e Doria se engalfinhavam nos bastidores pela vaga de presidenciável tucano, o primeiro serviu cafezinho a cerca de 70 pastores. “Nesse dia aclamaram Alckmin como candidato”, afirma Malta, do Núcleo Cristão tucano.

“Se Deus escolher você, que assim seja”, disse o pastor José Dinarte a Doria em outubro de 2017, no meio do embate com Alckmin. No dia, cerca de 40 pastores oraram pelo então prefeito na sede do poder municipal. “Após vários encontros [com lideranças], Doria fez convênios para [associações que atuam na] cracolândia”, afirma Malta.

No mesmo mês o então prefeito emplacou o aliado João Jorge (PSDB), como presidente do PSDB paulistano. Alçado ao comando do tucanato local, o vereador tuitou sua gratidão: “O conselho, o ombro. #bisposamuelferreira”. Falava do líder de sua igreja, a Assembleia de Deus do Brás.

Segundo um evangélico que pediu para não ser identificado e que esteve em cerimônias no Bandeiras de Alckmin e na prefeitura de Doria, alguns pastores aproveitavam a oportunidade e pediam verba para ajudar na reforma da igreja e trocar possíveis votos por favores.

“Chamo isso de Síndrome de He-Man: ‘Pelos poderes da igreja…  eu tenho a força!”, brinca outro convidado, o teólogo Marcelo Rebello, dono do Salão Internacional Gospel, feira voltada ao setor.

“Muitas entidades do terceiro setor acabam funcionando como verdadeiras empresas, e a celebração de um convênio de forma direta viola o princípio da impessoalidade. Para evitar abusos, seria recomendável adotar processos seletivos abertos a qualquer interessado”, diz Igor Tamasauskas, mestre em Direito do Estado pela USP especializado em direito administrativo.

Para o presbítero Malta, “nós, evangélicos, ainda somos estigmatizados, não somos respeitados da forma que temos que ser respeitados”. Qualquer movimento do segmento é lido como “ah, estão favorecendo esses aí”, reclama.

Segundo a assessoria de imprensa de Alckmin, “o ex-governador se reúne com todos os segmentos da sociedade com a finalidade de cumprir sua função de conhecer para bem defender o interesse coletivo. Não há relação entre estas reuniões e parcerias firmadas em sua gestão com organizações da sociedade civil”.

“Estar ligada a alguma igreja não é condição para que uma entidade seja escolhida, assim como não pode ser impedimento, como a lei deixa claro”, afirma a nota. João Doria preferiu não comentar.

Com informações da Folha de S. Paulo.