Haddad critica pessoas que apoiam a ditadura
Fernando Haddad (São Paulo, 1963) chega à sala aparentando imensa exaustão. Senta em uma cadeira, de costas para uma janela enorme com vistas para um sobrado que, na fachada, exibe uma bandeira do Brasil desbotada e um cartaz que exalta seu oponente, Jair Bolsonaro. No local onde recebeu o EL PAÍS para uma entrevista, na tarde deste sábado, agora funciona seu sóbrio comitê de campanha, que não tem qualquer menção ao candidato petista do lado de fora. Antes, o prédio era parte da sede do Instituto Lula, de quem ainda se guarda um grande retrato em uma das paredes. Ao lado da foto, um cartaz anuncia a senha do Wi-Fi para os visitantes: #foratemer.
É daquele sobrado de dois andares no Ipiranga, um bairro de classe média paulistana, que o PT enfrenta sua mais difícil missão dos últimos 13 anos: tentar reverter nas próximas duas semanas a vantagem do candidato de extrema direita, que marcou na última pesquisa 58% dos votos válidos, contra os 42% de Haddad. O oponente, entretanto, é difícil. E lança mão de uma sólida campanha de WhatsApp baseada, muitas vezes, em notícias falsas. “Eu recebo cada coisa a meu respeito que quase desisto de votar em mim. É muita mentira, nossa senhora”, brinca o candidato petista. “Mas dele [Bolsonaro] não esperava outra coisa. Ele é o cara mais baixo que eu conheci na vida pública. Não é nem do baixo clero do Congresso, é do porão.”. O EL PAÍS também vem pedido uma entrevista para o candidato do PSL, mas ainda não obteve resposta de sua campanha.
Pergunta. Como avalia o crescimento de Bolsonaro, um candidato de extrema direita, no Brasil?
Resposta. Estamos vivendo a crise do neoliberalismo. Eu escrevi um texto no final dos anos 1990, auge do neoliberalismo, em que eu dizia que quando viesse a crise, que seria financeira, o mundo se dividiria, mas buscando soluções conservadoras. Quando viesse a crise financeira, o mundo desenvolvido protegeria sua riqueza e deixaria a periferia à deriva e à base da violência. Estamos vivendo esse momento, de desagregação pelo fim do neoliberalismo. A crise eclodiu em 2008 e seus efeitos estão sendo processados. O Brexit tem a ver com isso, o [Donald] Trump tem a ver com isso, assim como o fenômeno Bolsonaro. Só que é neonazismo lá e neofascismo aqui.
P. Há a percepção fora do país, e alguns intelectuais se manifestaram neste sentido, de que há um risco à democracia brasileira. Você concorda?
R. O Bolsonaro tem a vantagem de que ao longo de 28 anos como deputado não mentiu. Ele está mentindo agora. [Antes] ele falou que fecharia o Congresso se fosse presidente, que não precisaria impedir os filhos de casarem com uma afrodescendente porque ele os educou bem e o filho não se misturaria, que pessoas LGBT são desprezíveis e precisam ser jogadas no lixo. Ele nunca escondeu suas próprias opiniões. Agora, na campanha, ele está calibrando um pouco, mas ele é isso.
P. Mas isso significa que há risco para a democracia brasileira, na sua opinião?
R. Eu acredito que há.
P. E qual seria esse risco? De golpe militar?
R. Olha, as instituições não estão bem há cinco anos, pelo menos. Já não estão sólidas. E com uma figura como ele à frente do Executivo, tudo pode acontecer. Inclusive ele ser expelido do sistema. Nada disso está excluído.
P. Mas essa percepção, ainda que pareça mais consolidada no exterior, não parece ser a que há dentro do país. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não parece tão peremptório quanto você está sendo agora. Falou “Bolsonaro, não”, mas não apoiou você. Por que acha que essa percepção aqui é diferente?
R. Quem está fora às vezes vê com mais clareza do que quem está dentro. Quem está dentro às vezes está pensando com o fígado e não com a cabeça e com o coração, que é o que devia pautar as eleições. Mas me estranha que pessoas que lutaram pela redemocratização fiquem neutras diante de uma pessoa que manifestadamente apoia a ditadura e a tortura. Uma pessoa que fala que não estupra uma colega porque ela não merece. O que isso simboliza? Que tem mulheres que merecem ser estupradas? Qual o sentido dessas expressões? É muito complicado o que está acontecendo no Brasil, mas o risco é evidente.
P. Você já falou que a sua candidatura não é uma candidatura do PT, e sim, pela democracia. Isso envolveria trazer outras forças políticas para dentro desta candidatura. Fez algum esforço para ter o apoio do Fernando Henrique, ligou para ele? Ligou para o Ciro Gomes, que viajou para a Europa após as eleições?
R. Essa semana eu me dediquei a compor a unidade do campo a que eu pertenço, que é o campo progressista: PDT, PSB, PSOL, centrais sindicais, líderes progressistas, movimentos da sociedade civil. Eu me importei menos neste momento com partidos políticos, sobretudo os de centro-direita. Inclusive esperando um posicionamento deles para saber qual é a expectativa que eles têm, mas a centro-direita preferiu ficar neutra.
P. E qual a expectativa deles? Isso chegou a você?
R. A declaração dele [Fernando Henrique] foi muito rápida no sentido de neutralidade, de que nenhum dos dois lados [da disputa presidencial] interessa. Não foi de que havia um risco ao país.
P. A mensagem que o bolsonarismo passa é a do medo do PT voltar ao poder, citando escândalos de corrupção e a crise econômica. Que parcela de culpa o PT tem na construção dessa mensagem, do anti-petismo?
R. Eu respondo por mim, neste caso. Em várias ocasiões eu falei de erros na política econômica no primeiro mandato da Dilma, por exemplo, das desonerações, do combate à inflação pela administração de preços públicos. Fiz menção a isso, mas não deixei de reconhecer que depois da sua reeleição, o seu Governo passou a ser sabotado. O que foi reconhecido por um ex-presidente do PSDB em entrevista pública [Tasso Jereissati afirmou ao Estado de S. Paulo que seu partido errou ao questionar o resultado eleitoral após a vitória de Dilma e ao votar contra princípios básicos do PSDB na economia “só para ser contra o PT”]. Ele disse que o PSDB passou a sabotar o Governo Dilma com vistas à sua substituição pelo Temer com uma agenda própria, que deu no que deu, no desmanche da economia nacional. Também deveríamos ter feito a reforma política em 2003, para evitar essas frestas que foram usadas por indivíduos para se locupletar. Não é o partido, são pessoas, que usaram para enriquecer aqui e ali. E de todos os partidos, porque essas frestas valiam para todos os partidos. Hoje a gente sabe que era muito mais sistêmico do que parecia à primeira vista.
P. Mas e a cota de responsabilidade do PT?
R. Estou dizendo: houve falha de condução da política econômica no final do primeiro mandato da Dilma seguido de sabotagem da oposição, do Eduardo Cunha e do Aécio Neves. Temos uma cota. Na reforma política, devíamos ter feito em 2003, para fechar as frestas que os indivíduos usam para financiar suas próprias campanhas e até de enriquecer, como aconteceu em alguns casos. Agora, o que eu defendo? Continuar fortalecendo os órgãos de combate à corrupção, porque foi isso que eu fiz no Ministério da Educação e na Prefeitura de São Paulo.
P. Faltou o PT pedir desculpa em relação ao envolvimento de seus membros com a corrupção?
R. Quem se locupletou está pagando. E está pagando por uma legislação que nós aprovamos. Por um fortalecimento das instituições que nós promovemos. Eu sempre gosto de olhar o todo porque senão as pessoas vão imaginar que hoje, por exemplo, não existe corrupção no Brasil. E não é verdade. Se você conversar em off com um empresário honesto ele vai dizer: tem mais corrupção hoje no Brasil do que dez anos atrás.
P. Se você chegar à presidência vai haver um indulto para o ex-presidente Lula?
R. O caso Lula é um caso específico, que até o [Comitê de Direitos Humanos da] ONU já se manifestou. Se você consultar vários juristas, criminalistas, você vai verificar que a maioria vê uma fragilidade enorme nesse processo… Mas eu confio nos recursos. Tem dois tramitando, um para o STF e um para o STJ. E eu confio que as cortes superiores, sobretudo depois da eleição, vão ter a serenidade de avaliar o processo com mais isenção, pelo menos.
P. Ou seja, você descarta o indulto?
R. Ele não pede. É engraçado vocês me pedirem para me posicionar sobre algo que o presidente não está pedindo. Ele está pedindo um julgamento justo.
P. E qual o papel dele em um eventual Governo seu?
R. O presidente Lula, na minha opinião, foi o maior presidente da história do país. Neste sentido, a opinião dele importa pra mim. Como importa a opinião de outras figuras ilustres da República. Esses dias fui encontrar o [o ex-ministro do Supremo] Joaquim Barbosa [que condenou o PT no caso Mensalão], para perguntar para ele se o nosso plano de Governo poderia ser aperfeiçoado na questão de combate à corrupção. Ele tem 40 anos de serviço público nesta área, como promotor, procurador e ministro do Supremo. Talvez muita gente tenha ficado chateada que eu fui ouvi-lo. Mas eu fui pelo que reconheço nele. Isso significa que ele acertou em tudo na vida? Não. Significa que ele é uma figura importante, que ele pode ajudar o Brasil na próxima etapa. Eu considero ele um patriota, uma pessoa que quer o bem do país. Independentemente de uma opinião dele ser divergente da minha, eu reconheço nele uma autoridade na questão.
Qual o problema de consultar pessoas que têm experiência? Eu nunca vou negar o meu vínculo com o presidente Lula. Eu estou nessa eleição a convite dele. Não vou ficar iludindo o eleitor de que eu não tenho vínculo com o Lula. Eu tenho. Fui ministro dele. Vou ouvi-lo quando eu achar conveniente. É assim que se constrói um Governo: ouvindo. E ele é um interlocutor.
P. Mas neste momento da campanha vocês mudaram o slogan “Haddad é Lula”, o logo deixou de ser vermelho para ser verde e amarelo. Por que tomaram essa decisão?
R. No segundo turno tem que ampliar. Não tem como ganhar a eleição. Hoje o Congresso Nacional está ainda mais fragmentado. Como alguém vai dizer que vai fazer um Governo de um só partido com um país totalmente fragmentado como o Brasil hoje? Tem que apelar para questões gerais ou as pessoas não vão se unir em torno de um projeto.
Venezuela
P. Nesta semana se noticiou a morte de um vereador opositor do Governo Maduro em uma delegacia e o Governo venezuelano disse que foi suicídio. Há muitas evidências de problemas graves no regime da Venezuela e também na Nicarágua. A propaganda de Bolsonaro liga o PT a Maduro…
R. Isso é uma fantasia. O PT governou 13 anos este país, expandindo liberdades. Olha só, estou concorrendo com um cara que não só apoiou a ditadura como o estupro na ditadura. E sou eu que estou tendo que responder, com uma vida inteira dedicada à democracia?
P. Estamos perguntando sobre a posição do PT em relação à Venezuela.
R. Qual o sentido disso? Estou concorrendo possivelmente com o maior carrasco que esse país já teve. Ele verbaliza isso com a maior naturalidade e a imprensa agora naturalizou o Bolsonaro. É “Bolsonaro paz e amor”. O que está se passando na cabeça das pessoas? Com 26 anos, em 1989, lancei meu primeiro livro, que é uma crítica da primeira à última página aos regimes autoritários de esquerda. Faz quase 30 anos, não é de agora que eu resolvi assinar manifesto pela democracia. Bolsonaro é o contrário. Desde que ele se conhece por gente, defende a ditadura. Aí cria o fantasma Venezuela para virar o sinal do jogo. Eu não tenho compromisso com nenhum regime autoritário.
Agora, não vou declarar guerra à vizinho. Não vou permitir a instalação de base militar americana aqui. Os EUA estão pouco se lixando para a democracia no mundo. O foco deles é petróleo. Essa bagunça aqui tem muito a ver com a descoberta do pré-sal. Colocar o Brasil e a Venezuela em oposição, que são os dois países com maiores reservas petrolíferas do subcontinente? Você vai deixar criar conflito armado em dois países que podem se entender? Podemos ajudar a Venezuela a sair dessa confusão. Inclusive, se for necessário repreender, nós temos o Grupo do Mercosul que pode ser usado. Brasil e Argentina têm muito peso no subcontinente. Temos que ajudar a Argentina também, diga-se de passagem. O Brasil é líder. Lula evitou uma intervenção militar americana na Venezuela na época do Chávez. O próprio Fernando Henrique atuou no sentido, com os Amigos da Venezuela, de encontrar caminhos para sair da crise que não é de hoje. Nós temos liderança suficiente para tirar a Venezuela dessa situação econômica e política, mas não é tomando partido lá. Não é ingerindo nos assuntos internos. É partindo de uma perspectiva externa, com o apoio da ONU, da OEA, dos Amigos da Venezuela para organizar uma saída democrática.
P. A minha pergunta vai no sentido de que a sua posição é diferente da do PT.
R. Mas o presidente da República vou ser eu. Não fui escolhido à toa, por sorteio. Fui escolhido por causa do meu perfil. O Brasil está precisando de uma pessoa que converse, que saiba conciliar. Sou seguramente uma das pessoas do país mais bem relacionadas.. Converso na academia com todas as escolas de pensamento, eu sou respeitado pelos meus pares, na classe política eu sou uma pessoa que transita por todos os partidos. Eu tenho meu posicionamento. Sou uma pessoa de centro-esquerda. A minha missão de vida é combater a desigualdade no Brasil. Sou seguramente a pessoa que mais dialoga com as outras forças políticas democráticas.
P. O senhor falou do fantasma que foi criado pelo bolsonarismo em relação à Venezuela. Às vezes os fantasmas crescem quando as comunicações não são precisas. Não falta clareza nas posições do PT? Dizer: a gente errou, se desculpa e vai reforçar o controle da corrupção, por exemplo?
R. Hoje [sábado] está no noticiário uma declaração minha sobre isso. Eu falei: Olha, nós criamos controles internos muito efetivos nos ministérios. Gerenciei cem bilhões de reais por ano sem problema nenhum. O ministro tem que ser honesto, mas os controles têm que funcionar. Se não, a corrupção acontece sem que ele saiba. Os mesmos controles internos a gente vai ter que adotar nas estatais, porque ali os controles não atuaram tão fortemente. Isso é uma maneira de dizer o que foi feito de errado, e apontar uma solução. Porque não adianta nada se eu não apontar a solução. Vou ser presidente para que? Para resolver os problemas.
P. Os cientistas políticos projetam uma superbancada do PSL de Bolsonaro. Como governar com um Congresso ainda mais fragmentado e conservador e com uma rua inflamada com sua eventual eleição? Especialmente em um clima de ensejar desconfiança das urnas eletrônicas. Bolsonaro repete isso o tempo todo…
R. Como ele não é um democrata, ele diz que só aceita a vitória, não aceita a derrota [Bolsonaro depois voltou atrás nesta declaração]. Ele não é um democrata, simples assim. Na cidade de São Paulo eu tinha 55 vereadores na Câmara e só 11 votavam comigo. Aprovei até o Plano Diretor da cidade com 42 votos, um plano duríssimo contra a especulação imobiliária, reconhecido pela ONU como o melhor das Américas. Como eu consegui isso? Você ouviu falar de algum toma lá, dá cána minha gestão? Zero. Só com base no diálogo e mobilização social. Contei muito com o movimento de moradia. Não é verdade que você não consiga aprovar bons projetos. Você precisa explicar para a sociedade e dialogar olho no olho com as lideranças do Congresso. Se tivermos um bom projeto de reforma tributária, que seja mais justo, por que não vamos aprovar? Um bom projeto de reforma bancária: alguém concorda em pagar 100% de juros ao ano no cheque especial? Todo mundo é contra. A bancada evangélica vai ser a favor [do projeto]. Eles não gostam de juros extorsivos para a população.
P. A reforma da Previdência é prioritária? Qual é o modelo de Previdência que você defende e qual o prazo para fazer a reforma?
R. Nós fizemos duas reformas da Previdência. Aliás, as mais profundas. Não foi ninguém de direita. Quem fez reforma da Previdência no Brasil? Lula e Dilma. Só que fizeram de forma pactuada. É isso que eu pretendo. Sempre disse que os regimes próprios inspiram cuidados imediatos, porque os Estados não vão ter condições de pagar salário se continuarem com as contas do jeito que estão. Reforma da Previdência dos regimes próprios vamos enfrentar no primeiro ano. Depois, a convergência dos regimes público e privado. Minha posição é fazer a reforma dos servidores no primeiro ano do país todo e buscar convergência com o regime geral gradualmente. Quem quiser buscar Previdência complementar, é um direito. Mas o regime tem que ser um só. Isso é um ideal a ser construído. Vamos começar pelo mais importante e depois fazer a migração. Temos que sentar à mesa e ver qual é o arranjo mais adequado, mas sem empurrar goela abaixo. Consenso não vai ter, mas você tem que ter uma boa base de apoio, para todo mundo se sentir confortável em dar esse passo. Alguém vai perder, os privilegiados vão perder.
Economia
P. Você tem dito que quem responde pela economia é você.
R. Até a nomeação do Ministro da Fazenda.
P. Que será…
R. Assim que eu tiver chegado à conclusão, eu anuncio. Sou da área, conheço economistas interessantes e estou conversando com eles. Mas perfil de ministro é outra coisa, é um líder também. Tem que ser uma liderança que entenda de economia.
P. Marcos Lisboa, Josué Alencar…
R. Não vou citar nomes, mas gostaria de alguém que tivesse a preocupação com geração de emprego. Um banqueiro não está no meu horizonte. Porque banqueiro está preocupado com outra coisa. Não está preocupado em geração de emprego.
P. Para onde se vai na economia num eventual governo seu: Lula 1, com um aceno mais claro ao mercado ou ao centro, ou Dilma?
R. Eu não separo Lula 1 de Lula 2, mas separo Dilma, sobretudo depois de 2012. Nos dois últimos anos da Dilma foram tomadas medidas que eu não tomaria. As desonerações eu não faria, decisões sobre a conta petróleo eu não tomaria… Mas eu diria para você que de 2003 a 2012 houve uma política muito consistente que seguiria. Disse isso por escrito, inclusive, em ensaios publicados.
P. Mas isso não aparece no programa do PT.
R. O programa do PT é um programa, não é um balanço. O balanço eu mesmo fiz em entrevistas, na revista Piauí.
Violência
P. A escalada da violência é um clamor nacional, um problema que se agravou nos anos do PT no poder. Parte das pessoas que votam em Bolsonaro dizem buscar uma solução para a violência. Qual o seu plano?
R. Bolsonaro não tem nenhuma proposta de segurança pública. Absolutamente nenhuma. O que ele está querendo mudar é inconstitucional. O Supremo vai barrar. É cláusula pétrea. O que ele pode fazer é armar a população. Todos os estudos que eu conheço das mais respeitadas revistas científicas sobre segurança pública dizem que vai piorar a situação se você armar a população. Quem tem que prestar o serviço é o Estado. Se o Estado não está presentando o serviço, cabe ao presidente da República chamar à responsabilidade que hoje é exclusiva dos governadores. É o Estado que tem de prestar o serviço de segurança pública. Quem tem que estar armado é o policial bem treinado. Se o Estado não está dando conta, e eu concordo que não está, meu programa prevê que a Polícia Federal assuma parte das responsabilidades da segurança pública, sobretudo em relação ao crime organizado. Sempre defendi que os prefeitos tivessem atuação planejamento territorial da segurança. Hoje você vai na periferia e não passa viatura. Não tem policiamento. É assim que se faz no mundo: um planejamento territorial da segurança pública.
P. O senhor deu uma declaração dura chamando de “charlatão” Edir Macedo, dono da TV Record e líder da Igreja Universal, que também apoiou os Governos do PT, e agora apoiou publicamente Bolsonaro…
R. Uma Igreja não pode ter pretensões de poder. O que ele está fazendo agora é uma coisa completamente diferente do que ele fez. Ele tem pretensões de poder. Talvez por ter eleito o sobrinho dele lá no Rio de Janeiro [Marcelo Crivella] acho que ele se animou e resolveu ter um projeto de poder. Um livro dele chama Plano de Poder. O Estado tem que cuidar de todas as crenças. O Estado não pode ser prisioneiro de uma igreja. O Estado tem que garantir a liberdade religiosa, o que significa dizer abraçar todos os brasileiros independentemente de sua crença: se é judeu, é judeu, se é de matriz afro bem, se é muçulmano bem, se é cristão… não importa a confissão. O Estado não pode ser tomado por uma visão de mundo. Se não, nós vamos estar comprometendo justamente o que eu defendo, que é a democracia. Democracia é dizer: alto lá, o Estado é de todo mundo. Quando a gente diz que o Estado é laico, as pessoas têm que entender: não é repudiar as religiões. O Estado que abraça todas as religiões é laico. O Estado que abraça uma é teocrático. Plano de poder, não…
P. Acredita que ainda é possível virar o cenário?
R. Eu saí de 4% para 42% em 30 dias. Não acho nada impossível a gente chegar em 50% em mais 15 dias. É possível, sobretudo se os brasileiros tiverem a percepção, e que nós temos a obrigação de comunicar, dos riscos de eleger uma pessoa com uma visão de mundo que a [política francesa de extrema direita] Marine Le Pen considerou extremista. A Marine Le Pen disse “Bolsonaro não dá”. E a pessoa mais extremista que eu conheço é Marine Le Pen. Ela achou um exagero o Brasil chegar a esse ponto. Temos 15 dias de trabalho pelo bem do Brasil.