“Sair do acordo de Paris é desembarcar do mundo”, diz jurista

Todos os posts, Últimas notícias

Um dos mais experientes diplomatas brasileiros, o jurista Rubens Ricupero, diz que nunca votou no PT, mas declarou seu voto ao candidato Fernando Haddad. O critério eliminatório foi o respeito da plataforma do petista aos temas ambientais. O ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda diz que as ameaças de Jair Bolsonaro às políticas ambientais brasileiras domésticas e internacionais podem prejudicar relações comerciais do país. “Isso pode deixar o Brasil mais pobre, isolado e desprezado”. Confira trechos da entrevista:

Valor: Por que o senhor declarou voto a Fernando Haddad?

Rubens Ricupero: Escrevi um artigo que cita uma frase de Rui Barbosa. Na Primeira Guerra Mundial, ele disse que neutralidade não é impassibilidade, é imparcialidade. Não se pode ser neutro entre os que violam a lei e os que a obedecem. Minha argumentação foi sobre a questão ambiental, o aquecimento global é a mãe de todas as ameaças. Para mim, é critério eliminatório qualquer candidato que revele desconhecimento da questão ambiental ou má vontade. Nunca votei no PT. Não vou votar no PT, mas no Haddad, porque tem uma plataforma ambiental que aplaudo. Na outra há sinais inequívocos de que se trata de candidatura que tende a ser hostil ao tema.

Valor: A ideia de fundir as pastas do Meio Ambiente e da Agricultura está convergindo para a de fatiar o MMA. O que acha disso?

Ricupero: São absurdas. Nem os EUA, que tem hoje posição hostil ao ambiente, acabaram com a agência ambiental do país. É inquietante. Como o MMA trata de muitas coisas, querer valorizar a dimensão da agricultura apontava claramente para o desmatamento. Só não se dizia isso com todas as letras. De abrir mão da moratória da soja e da carne, de permit

Valor: De que tipo?

Ricupero: Este homem já tem uma imagem no mundo que não podia ser pior. Nos quatro temas que hoje em dia definem a imagem de países e pessoas – direitos humanos, ambiente, igualdade de gênero e tolerância da diversidade- a posição dele não poderia ser mais precária. Ele já entra (no governo) com rejeição mundial.

Valor: Como isso atinge o Brasil?

Ricupero: Vai tornar o Brasil um pária. Vai tornar o Brasil um país considerado fora das normas de civilização. É como se tivéssemos uma involução no processo civilizacional, um país que volta à bárbarie. E não concordo quando dizem que as ideias dele significam um retrocesso ao regime militar.

Valor: Por que não?

Ricupero: Os militares não tinham consciência ambiental muito desenvolvida, mas o Brasil foi evoluindo. O primeiro ato de criação de uma entidade ambiental autônoma no Brasil, que foi a Secretaria Especial de Meio Ambiente, foi em 1973. A Política Nacional do Meio Ambiente é do final do governo militar, a lei de Proteção à Fauna é de 1967. Não se trata de um retrocesso ao governo militar. É um retrocesso à Idade da Pedra, no sentido que é um retrocesso à Pré-História do meio ambiente.

Valor: O que acontece se o Brasil sair do Acordo de Paris?

Ricupero: Será um erro cataclísmico. O Acordo de Paris foi assinado por 197 países. Retirar-se dele, hoje em dia, é um ato de querer desembarcar do mundo.

Valor: Os EUA desembarcaram.

Ricupero: Os EUA são a maior superpotência do mundo, têm poder para se defender. O Brasil fazer isso significa esquecer qualquer acordo comercial não só com a União Europeia. Todos os acordos de livre comércio, inclusive os assinados pelos EUA, têm duas cláusulas: uma que é proteção ambiental e a outra, proteção a direitos trabalhistas e direitos humanos. Um país que sai do Acordo de Paris se prejudica imediatamente em todo o universo dos acordos comerciais. Blairo Maggi (ministro da Agricultura) disse que tem muitos países que produzem carne e soja, e basta vacilar para que outros se aproveitem. É verdade. São muitos os nossos concorrentes. Sair do Acordo é dar um pretexto fantástico também para os países que querem proteger mercado. O Brasil terá um prejuízo gigantesco na única área em que é competitivo. E ele tem ideias mais extravagantes.

Valor: Como quais?

Ricupero: A de mudar a embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém. O grande mercado do Brasil no Oriente Médio são os países árabes, para quem exportamos R$ 6 bilhões em carnes e aves. Vai haver seguramente represália.

Valor: Como vê as declarações de Bolsonaro em relação à China?

Ricupero: Outro tiro no pé. O Brasil, em 2019, tem que assumir a presidência dos Brics (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O perigo é que os outros expulsem o Brasil, não o contrário. A China é nosso maior mercado. E aí, o que ele vai fazer? Vender carne e soja para quem?

Valor: Como imagina o Brasil de 2019, em um governo Bolsonaro?

Ricupero: Temo que depois de toda a euforia ingênua vai haver um desapontamento brutal. Tudo isso que está acontecendo agora, do dólar cair, em pouco tempo inverte. A eleição, longe de representar uma saída da crise brasileira, indica apenas o ingresso da crise em outro patamar, mais grave que o anterior, porque terá se esgotado a saída eleitoral. E no caso internacional, a situação será grave.

Valor: O que o senhor prevê?

Ricupero: O Brasil já está isolado. Infelizmente, o Brasil está em uma fase de sua história em que quase tudo que tinha dado uma boa imagem ao país, acabou. Já não cresce, tem 60 mil homicídios ao ano, a Lava-Jato mostrou a corrupção sistêmica. O que sobrou, do ponto de vista internacional? O meio ambiente. O Brasil é uma potência ambiental. Ora, esse pessoal que está vindo aparentemente quer jogar isso na lata de lixo. Em troca de quê? Para perder mercados por causa dos atentados ao ambiente? Não vai resolver nenhum problema econômico e, ao contrário, deixará o Brasil mais pobre, isolado e desprezado.

Valor: Como vê os generais por trás da candidatura Bolsonaro?

Ricupero: De fato há um número grande de oficiais da reserva. Mas de maneira geral, tenho a impressão que as Forças Armadas, o pessoal que está na ativa institucionalizada não deseja uma aventura.

Valor: O senhor está preocupado com a democracia no Brasil?

Ricupero: Sim. As instituições são frágeis e vêm sofrendo uma erosão que atingiu inclusive o Judiciário. Entre as razões que explicam o surgimento do fenômeno Bolsonaro, creio que a principal foi termos durante três anos revelações da Lava-Jato, mostrando até que ponto o sistema político e os partidos estavam corroídos pela corrupção. E o sistema político não se reformou. Isso é perigoso. Nenhuma democracia sobrevive indefinidamente se não é capaz de autorreforma.

Do Valor Econômico