A conexão entre os Bolsonaros, o laranja Queiroz, as milícias e o assassinato de Marielle

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O senador americano Daniel Patrick Moynihan, morto em 2003, costumava dizer: “Todos têm direito à própria opinião, mas não a seus próprios fatos”. Jair Bolsonaro, presidente recém-empossado, e Flávio Bolsonaro, às voltas para explicar as movimentações financeiras suspeitas entre a equipe de seu gabinete, compartilham de uma opinião: “a esquerda defende bandido”. Mas os fatos são outros. Vastos são os registros de Bolsonaro e de seu filho primogênito defendendo – e até mesmo homenageando – notórios milicianos.

Hoje, enquanto a polícia investiga a participação de milicianos de Rio das Pedras (favela na Zona Oeste do Rio) na morte da vereadora Marielle Franco, é inquietante olhar em retrospecto as moções de louvor que Flávio Bolsonaro apresentou na Assembleia Legislativa do Rio em nome do ex-policial Adriano Magalhães da Nóbrega e do ex-capitão do Bope Ronald Paulo Alves – ambos alvo, na manhã desta terça-feira (22), da Operação Os Intocáveis , que investiga a compra e venda de terrenos invadidos, agiotagem, extorsão e pagamento de propina na região de Rio das Pedras.

Em 2003, Flávio homenageou Adriano – hoje chefe da milícia de Rio das Pedras – por sua “dedicação, brilhantismo e galhardia” . Adriano seria preso, anos depois, pela Operação Tempestade no Deserto, acusado de ser o chefe da segurança da líder de uma quadrilha de caça-níqueis. Já Ronald Paulo Alves Pereira, homenageado por Flávio em 2004, já tinha sido apontado, dois meses antes, como o autor de uma chacina de Via Show, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, que deixou cinco jovens mortos na saída de uma festa.

As moções, hoje, ganham novo significado porque se conectam com duas grandes perguntas sem resposta no país: o caso Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro que nunca foi ao Ministério Público explicar as movimentações atípicas em sua conta, e a morte da vereadora Marielle Franco, em 14 de março do ano passado.

A ligação de um dos milicianos com Flávio Bolsonaro está registrada na folha de pagamento da Alerj. A mãe e a esposa de Adriano Magalhães da Nóbrega eram contratadas até novembro passado pelo gabinete dele com salário de R$ 6.490,35. No relatório da Coaf sobre as movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio Bolsonaro, há um depósito no valor de R$ 4,6 mil feito por Raimunda, a mãe de Adriano. Seja qual for o esquema de Queiroz, Raimunda participou.

Quando o Ministério Público convocou Queiroz a depor sobre o caso, ele sumiu. Segundo noticiou na segunda-feira (21) o colunista Lauro Jardim, Fabrício Queiroz estava escondido em… Rio das Pedras .

Os milicianos de Rio das Pedras homenageados por Flávio Bolsonaro também se conectam de duas formas possíveis com o caso Marielle. Rio das Pedras é reduto eleitoral do vereador Marcello Siciliano, que já foi acusado por uma testemunha de ter sido o mandante da morte de Marielle Franco, o que ele nega .

Há, porém, duas perguntas sem resposta no assassinato de Marielle: quem a matou e quem a mandou matar. À polícia, o ex-PM Orlando Curicica, preso em Mossoró por envolvimento com a milícia, já disse em depoimento que os contratados para executar Marielle fazem parte do Escritório do Crime, grupo de ex-policiais que atuam como matadores de aluguéis.

Quem são investigados de participação no Escritório do Crime ? Ronald e Adriano.

Pode-se provar que Flávio Bolsonaro não sabia das atividades ilícitas de seus homenageados. Mas são fartos os registros em que ele e seu pai, o presidente, defendem a atuação de milicianos, sabidos criminosos.

Em 2008, por exemplo, durante a sessão em que foi aprovada a criação da CPI das Milícia na Assembleia Legislativa do Rio – proposta e presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (Psol) –, Flávio Bolsonaro sugeriu que as milícias beneficiavam a população: “Sempre que ouço relatos de pessoas que residem nessas comunidades, supostamente dominadas por milicianos, não raro é constatada a felicidade dessas pessoas que antes tinham que se submeter à escravidão, a uma imposição hedionda por parte dos traficantes e que agora pelo menos dispõem dessa garantia, desse direito constitucional, que é a segurança pública”.

Cinco meses depois, quando Freixo foi à Câmara dos Deputados, em Brasília, fazer uma entrega simbólica do relatório da CPI das Milícias do Rio, Jair Bolsonaro, então deputado pelo PP, queixou-se em plenário: “ Nenhum Deputado Estadual faz campanha para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes, diminuir a venda de drogas no nosso Estado. Não. Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. ”

Da Revista Época