‘Aldeia Maracanã é lixo urbano. Quem gosta de índio, vá para a Bolívia’, diz deputado

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Epicentro dos protestos de 2013, a Aldeia Maracanã, que abrange o prédio onde até 1977 funcionou o Museu do Índio, está novamente envolta em polêmica. Eleito o deputado estadual mais votado do Rio, Rodrigo Amorim (PSL) afirma que o terreno de 14,3 mil metros quadrados é um “lixo urbano” e que é necessária uma “faxina” no local para “restaurar a ordem”. Aliado do presidente Jair Bolsonaro (PSL), Amorim também usou o termo “restaurar a ordem” para retirar a placa com o nome de Marielle Franco que, em homenagem à vereadora, havia sido afixada sobre a placa que indicava a Praça Floriano, em frente à Câmara Municipal.

— Aquele lixo urbano chamado Aldeia Maracanã é um absurdo. E é logo em um dos trechos mais importantes sob o ponto de vista logístico, numa área que liga a Zona Norte à Zona Sul, bem do lado do Maracanã. O espaço poderia servir como estacionamento, shopping, área de lazer ou equipamento acessório do próprio estádio do Maracanã. Como carioca, me causa indignação ver aquilo do jeito que está hoje. Quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que, além de ser comunista, ainda é presidida por um índio.

Segundo Amorim, o local oferece risco a moradores e turistas.

— A Aldeia Maracanã é um terreno baldio, cheio de mato e lixo. Lugar de refúgio que tem imigrantes sem relação com índio algum. Há ali uma oca para travestir o lugar e fazer alguma ilação, mas a verdade é que virou uma cracolândia, um ponto de consumo de drogas para delinquentes e marginais — sustentou Amorim.

Já o deputado estadual Flávio Serafini (PSOL) critica a ideia de “faxinar” a Aldeia Maracanã:

— O objetivo de derrubar a Aldeia Maracanã é o mesmo de quem quer acabar com as reservas indígenas. É fazer com que a gente reviva um processo de colonização e de extermínio do povo indígena. É lamentável que, nos dias de hoje, estejamos revivendo discursos que busquem exterminar a cultura indígena — disse.

Para Serafini, a possibilidade de “faxina” no local reflete o tratamento dado à questão indígena:

— A Aldeia Maracanã é um reflexo de como a questão indígena é mal resolvida e secundarizada no Brasil e no Rio de Janeiro. Há de se buscar a construção de um espaço onde as tradições indígenas sejam respeitadas e valorizadas. Querer destruir isso é querer destruir a cultura indígena como um todo — completou.

O GLOBO esteve na Aldeia Maracanã na tarde do úlitmo domingo. Lá, encontrou cinco índios. Entre eles, uma menina de 1 ano e meio que, acompanhada dos pais, divertia-se brincando com um cachorro. Aparentando cerca de 60 anos, Korubo, da etnia Korubo, afirmou que a maioria das famílias índigenas que moram por lá estavam viajando.

— São cerca de 25 famílias indígenas vivendo aqui, mas hoje está meio vazio porque a maioria viaja esta época do ano — disse Korubo, que nasceu no Acre e se mudou para o Rio em 2000.

A reportagem também registrou, dentro do prédio onde funcionou o Museu do Índio, a presença de pessoas que não aparentam ter ascendência indígena. Algumas moram na Aldeia. Um deles, vestindo um colete verde, foi enérgico ao perguntar à reportagem se havia algum gravador ligado durante as conversas.

Com frequência, os moradores do local são ajudados por pessoas que levam alimentos e objetos de higiene pessoal. Na área externa do prédio onde funcionava o Museu do Indio, há uma espécie de camping que vem recebendo ajustes com o passar do tempo. Além de uma oca, o lugar conta agora com galinhas, pequenas plantações que rendem frutas e hortaliças, e até mesmo um jabuti. A pedido dos índios que habitam o local, O GLOBO não fotografou o interior da Aldeia Maracanã.

O deputado estadual Alexandre Knoploch, do mesmo PSL de Rodrigo Amorim, diz que levará a questão ao governador Wilson Witzel, já que o edifício pertence ao governo do estado.

— Como está hoje, o espaço onde se localiza a Aldeia Maracanã está improdutivo para o estado. Há muitos imigrantes ali que sequer sabemos se estão regularizados no Brasil.

Sem comentar as declarações de Rodrigo Amorim e Alexandre Knoploch, o líder indígena da Aldeia Maracanã, José Urutau Guajajara, afirmou que o terreno externo onde foi erguido o acampamento é federal. E que há um impasse na Justiça envolvendo a área. O caso chegou a ser analisado por Witzel em 2013, quando o governador era juiz federal. A reportagem tentou, sem sucesso, contato com o advogado Arão Guajajara, que atua na Justiça defendendo os habitantes da Aldeia Maracanã.

Procurado, o governador Wilson Witzel afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que “precisa analisar tudo, inclusive a questão jurídica, para poder tomar alguma decisão sobre o caso”.

Do O Globo