“Associar-se a Trump não vai ajudar o Brasil”, afirma cientista político Peter Hakim
“Eu francamente não entendo qual é a estratégia do Bolsonaro em fazer todas estas ofertas para os EUA. Não sei como isso beneficia o Bolsonaro ou o Brasil”, diz o cientista político Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue, think tank de análise política sediado em Washington. Profundo conhecedor da América Latina, Hakim também foi conselheiro de grandes instituições mundiais como o World Bank, o Inter-American Development Bank e o Human Rights Watch.
Entre as “ofertas” ou demonstrações de “afinidade pessoal” que Bolsonaro tem feito à Trump, Hakim cita as ameaças do presidente brasileiro de sair do Acordo de Paris, a promessa de mudar a embaixada do país em Israel para Jerusalém e, mais recentemente, o episódio de “vai e volta” sobre a possibilidade de instalar uma base militar norte-americana em território brasileiro.
“Se for associar-se com o Trump, que já criou uma certa resistência em quase o mundo todo, não vai ajudar o Brasil,” explica Hakim. “A menos que eles conseguissem, de fato, construir uma relação econômica muito rentável para o Brasil.”
Segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), os Estados Unidos é hoje o segundo maior parceiro comercial do Brasil, a quem se destinam 12,3% de nossas exportações. Hakim diz que seria interessante, para os dois países, expandir ainda mais essa relação mas acredita que as agendas políticas e econômicas internas brasileiras podem tornar difícil uma parceria a longo prazo com os EUA. Como exemplo, cita a bancada do agronegócio, influente no governo, que hoje tem fortes relações econômicas com a China e repudiaria o alinhamento total com Trump.
Segundo ele, a insistência de Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo em levar para frente pautas ideológicas também poderia prejudicar a posição do Brasil no cenário mundial. “Não adianta o Brasil se tornar mais ideológico porque nenhum país no mundo se deu muito bem com uma agenda de extrema direita e nem com uma agenda de extrema esquerda. E a minha suposição é que isso não levará o Brasil muito longe”, diz.
Pergunta: Como você vê a evolução das relações internacionais do Brasil com os EUA de 2014 para cá? Entramos agora em uma nova era?
Resposta: Sempre houve uma relação, vamos dizer, boa e cordial entre os dois países, mas uma relação superficial. Veja, os EUA tem acordos de livre comércio com 11 países da América Latina e não tem com o Brasil. O volume do comércio entre os EUA e o Brasil é grande – 15% do comércio brasileiro está com os EUA. Mas isso representa 70 ou 80 bilhões de dólares por ano. Se você comparar isso com o México que tem 500 bilhões de dólares cada ano, 600 bilhões de dólares [o comércio com o Brasil] é mínimo.
Bom, você vai dizer: mas o México está do lado dos EUA. Certo. Isso faz muita diferença. Mas você vê a China. A China fica mais longe do Brasil e a relação comercial vale 600 bilhões de dólares.
P: E por que Brasil e EUA não podem ter uma relação mais profunda?
R: Acho que dois problemas bloqueiam essa relação. O primeiro é que ambos os países simplesmente não estão comprometidos em ter uma relação mais íntima, mais profunda. O outro problema é que o Brasil quer ser um país independente, com um papel mundial, influência global e ter estatura com um nível de poder etc. Já para aos Estados Unidos não interessa isso. Interessa negociar com o Brasil apenas como um líder regional.
Nesse momento, o que há é apenas uma atração entre Trump e Bolsonaro. Uma atração pessoal e política e, talvez, de temperamento. Eles têm uma certa afinidade. Agora, como transformar esta relação de temperamentos de dois líderes com posições políticas similares em algo mais? Essa que é a complicação.
Você vê, na história recente do Brasil, Bill Clinton e Fernando Henrique Cardoso também tinham uma boa relação. Você vê no livro de Fernando Henrique Cardoso sobre a facilidade e amizade entre ele e o Presidente Clinton. E o Presidente Clinton levou Fernando Henrique Cardoso para participar, como o primeiro país emergente, dessa terceira via com Inglaterra e outros países centristas. Mas mesmo assim não chegaram a nenhum acordo importante nas relações entre os dois países. O mesmo aconteceu com Lula e Bush.
O Brasil quer desenvolver a sua indústria. Já os EUA quer proteger a sua indústria. Então não existe, vamos dizer, uma base onde um possa se beneficiar do que o outro não tem. Os dois tem uma economia agrícola muito forte, os dois são grandes produtores e exportadores de alimentos, os dois subsidiam os seus alimentos. Os dois não querem abrir mão de seus subsídios. Quer dizer, é muito difícil pensar que os dois países podem transformar uma suposta afinidade entre Bolsonaro e o Trump em uma relação profunda entre os dois países.
P: Ou seja, existe uma diferença crucial entre criar uma relação pessoal com um líder, como o Bolsonaro quer fazer com o Trump, e criar uma parceria geopolítica e militar entre os dois países que possa permanecer como um projeto de longo prazo?
R: Talvez tenha sido Churchill que disse isso, não tenho certeza, que os países não têm relações ou afinidades, eles têm interesses. Então como os dois países podem impulsionar os interesses do outro? É aí que você encontra sempre o problema.
Os objetivos dos EUA com o Brasil são majoritariamente ligados às relações econômicas neste momento. Porque o Brasil tem um número grande de pessoas e uma economia grande, a maior da América Latina. Por exemplo, quando Barack Obama foi ao Brasil, ele levou 50 presidentes de companhias americanas para encontrar 400 empresários brasileiros. Obama sempre falava da importância do Brasil como fonte possível de petróleo, para ajudar a acabar com o desemprego nos EUA. Quer dizer, a parte central da relação sempre tem sido econômica. No Brasil, os EUA não tem um problema de segurança, não existem tantos outros temas importantes com a América Latina nesse momento. Apenas, talvez, no que se diz respeito aos interesses da China aqui na região, mas isso é algo meio novo. Uma série de países está buscando maneiras de distanciar os países que têm relações fortes e crescentes com a China – como Argentina, Brasil, até México – para diminuir isso um pouco e excluir ou criar certas restrições sobre os investimentos da China e a influência política da China na região.
Mas como fazer isso no Brasil quando o maior bloco de apoio de Bolsonaro é o dos empresários agrícolas? Quando o Brasil fala de dar apoio a Israel, poderia afetar mais ou menos 6 a 8 bilhões de dólares de exportações aos países árabes. O Bolsonaro falou também de sair do acordo de mudanças climáticas de Paris. Ele quer sair desse acordo como os EUA saiu. E a Europa já disse que se o Brasil deixar de participar do acordo de mudança climática, vão desistir de negociar o acordo da Mercosul.
Então vamos ver como isso evolui com o tempo mas existem vários problemas e contradições aí que dificultam essa vontade dos EUA buscar uma amizade com o Brasil.
A Venezuela é outro ponto de possível interesse para unir os dois países mas, provavelmente, nem os EUA nem o Brasil estão interessados em pressionar muito mais Venezuela porque não vão chegar a nenhum resultado.
P: Você acha então que essa estratégia de fortalecer laços pessoais com o Trump em vez de buscar uma política de Estado para unir os dois países a longo prazo pode trazer problemas para o Brasil?
R: Eu acho que, neste momento, o Brasil tem relações com muitos países do mundo inteiro e está sendo visto agora como um país que está com um pouco de problemas de governança, problemas econômicos etc. Mas basicamente o Brasil é um país que tem uma boa imagem mundial. Por várias razões. Porque o Brasil se dá bem com a maioria dos países do mundo todo, é o único que tem acordos de comércio com Jordânia, Palestina e Israel. Se for associar-se com o Trump, que já criou uma certa resistência em quase o mundo todo, não vai ajudar o Brasil. Ao menos que eles conseguissem de fato construir uma relação econômica muito rentável para o Brasil.
Bolsonaro também tem uma péssima imagem mundial. Quer dizer, acho que isso não vai ajudar o Brasil a ter uma relação profunda na Europa ou na Ásia.
P: Do ponto de vista militar, os EUA sempre foram mais próximos de outros países da América Latina, como a Colômbia, por exemplo. Isso pode mudar?
R: O que o Brasil poderia oferecer em termos militares? Os EUA está interessado em relações com militares da América Latina por problemas relacionados às políticas de drogas e não por problemas de segurança nacional. Ou seja, não existem ameaças aos Estados Unidos dentro da América Latina hoje em dia. Não precisa de uma base militar a não ser que seja para fazer algum tipo de intervenção contra às drogas.
Eu acho que é muito mais interessante para os EUA que o acordo entre a Embraer e a Boeing, por exemplo, porque tem elementos de segurança, mas também elementos importantes para a economia. Já criar uma base militar no Brasil não faz tanto sentido. Primeiro que não vai ser muito fácil chegar a um acordo com os militares brasileiros e o povo brasileiro não vai ficar muito feliz em ver isso acontecer. Muitos no Congresso, que sempre se preocuparam com os interesses dos EUA na Amazônia, vão se opor. Não é uma coisa fácil e o custo é muito alto para os EUA.
Acho que podia ser algo simbólico, talvez, mas na verdade não existe uma grande razão para se fazer uma cooperação entre as forças armadas brasileiras e as forças armadas americanas.
P: Mas e a cessão da base de Alcântara?
R: Essa base é para a exploração espacial, não é uma base militar. Se usa essa base para lançar foguetes e fazer viagens espaciais, lançar satélites.
P: Mas o que significaria essa cessão em termos militares?
R: Isso é bem interessante, mas imagino que vai demorar muito tempo para se chegar a um acordo sobre isso. Não acho que muitos militares brasileiros vão estar de acordo com isso, e não tenho certeza de que isso ajudaria muito o Brasil, tampouco com outros países na América Latina, poucos deles têm bases agora. O último foi no Equador, lembra? E era totalmente para atividades contra o narcótico.
P: Mas, recentemente, as forças armadas chinesas construíram uma estação espacial na Argentina. Os Estados Unidos poderia querer usar a base para se fortalecer nessa guerra que o governo Trump tem feito com a China?
R: A coisa mais importante talvez seja lembrar que isso é uma base que serve para a comunicação. Ou seja, são satélites que podem ser usados para espionagem etc. Mas não seria propriamente um acordo de segurança e, sim, temas de exploração do sistema solar ou simplesmente satélites de comunicação. Se for para gastar dinheiro em uma base, eu acredito que os EUA têm muitos outros países que são mais importantes. Trump inclusive disse que quer cortar o número de bases dos EUA para reduzir o custo das forças armadas fora do país. Não tem uma importância muito profunda ter uma base militar no Brasil.
P: Você diria então que essa vontade é de um lado só? Ou seja, essa agenda estaria sendo empurrada pelo Bolsonaro que está oferecendo coisas para o Trump sem que o Trump necessariamente queira ou esteja pedindo?
R: Eu francamente não entendo qual é a estratégia do Bolsonaro em fazer todas estas ofertas para os EUA. A não ser para mostrar afinidades, para mostrar que eles pensam igual e de mostrar que o Brasil pode ser visto como um aliado forte. Não sei como isso beneficia o Bolsonaro ou o Brasil. A menos que Bolsonaro ache que uma relação com os EUA mostre à comunidade empresarial que poderiam ser os primeiros passos para abrir mais a economia ou talvez mostrar ao povo brasileiro que está fortalecendo a relação. Mas não entendo precisamente qual é o objetivo do Bolsonaro em uma nova aliança com Trump.
Talvez alguma informação esteja faltando para mim! Talvez o Bolsonaro veja na relação com os EUA uma forma de levantar o prestígio internacional do Brasil. Mas eu acho difícil porque relações com o Trump não estão levantando o “status” de nenhum país, que eu saiba.
P: Você mencionou a Venezuela. O Maduro expressou preocupação com uma aliança Trump-Bolsonaro para ocupar militarmente a Venezuela. Existe alguma possibilidade real disso?
R: Sim. Eu acho que o Trump gostaria de ter um certo apoio da América Latina para as suas políticas fortes não só com a Venezuela, mas também com a Nicarágua e especialmente com Cuba. Trump sabe que a América Latina toda sempre se opôs ao embargo contra Cuba e acho o Brasil seria um aliado importante nesse sentido. Mas de fato eu não vejo com quem ele poderia se aliar que realmente conseguiria fazer mudanças na Venezuela, Cuba ou Nicarágua.
P: Em uma entrevista recente, o senhor disse que o governo Bolsonaro poderia ser um governo “extremamente fraco”. Como avalia isso hoje?
R: Se Bolsonaro tiver sucesso econômico, se puder realmente atrair mais investimentos dentro do Brasil e fora do Brasil, se puder realmente fazer uma revisão fiscal do Brasil, se conseguir privatizar, se conseguir fazer um avanço econômico, ele pode ter uma presidência exitosa. Mas sem um sucesso econômico, é difícil imaginar que a sua presidência possa ser considerada um sucesso.
Acho que ele tem uma equipe econômica forte e que sabe o que tem que fazer. Mas o problema é que as reformas que precisam ser feitas vão criar um incômodo, uma dor no bolso de muitos brasileiros. E acho que não vai ser fácil o Brasil se levantar rápido. Vai ser um lento processo para reformar o seu sistema de pensões, outros problemas fiscais, o sistema de impostos. Quer dizer, existe uma reforma que precisa ser feita. O grupo econômico, que é um grupo excelente que sabe o que tem que fazer, sempre tem sido bloqueado no passado por questões políticas. Vão existir interesses diferentes entre distintos empresários, entre empresários agrícolas, empresários industriais etc. Então a capacidade política vai depender das reformas.
Quantos presidentes tem feito esforços grandes de reformar a previdência social? Quantos presidentes estão fazendo esforços de levantar o protecionismo? De fazer o Brasil mais atrativo para acionistas estrangeiros? É difícil mudar as leis e mudar as políticas brasileiras nestas áreas.
P: O senhor vê ameaças à democracia no Brasil depois dos primeiros dias de governo?
R: Acho que tem várias ameaças possíveis. Uma é simplesmente o fracasso do governo. O povo brasileiro pode ficar mais frustrado, com mais raiva do que antes, e poderá ocorrer uma polarização pior de novo. Isso é um possível fracasso do governo Bolsonaro.
Também há possibilidade de que as diferenças entre a esquerda e a direita no Brasil se aprofundem mais ainda e que se aprofundem as diferenças raciais e aconteça uma situação caótica que seja difícil de manejar.
Outra é que Bolsonaro, em si, possa vir a ter um governo muito mais conservador, ultra conservador, que vá na direção, por exemplo, dos governos da Polônia e da Hungria na Europa. Ou seja, de limitar a oposição mais. Reprimir e excluir a oposição.
Por exemplo, o Bolsonaro tem demonstrado muita raiva contra o PT, contra a esquerda brasileira. Se ele pode começar, como aconteceu com Chávez na Venezuela, a pouco a pouco reduzir a oposição, a limitar e reprimir grupos da sociedade civil, reduzir a independência das universidades, e tentar infiltrar a igreja. Tudo isso é possível.
Acredito que o Brasil tem instituições mais fortes que a Venezuela, mas tem uma população que está realmente frustrada, que tem muita raiva, e estão buscando uma saída de uma situação econômica que, nos últimos cinco anos, tem sido muito desastrosa para o brasileiro. Acho que isso tudo cria um antagonismo ao próprio sistema de governo.
É difícil saber o caminho preciso que a ameaça à democracia pode tomar. Existem vários caminhos. Mas com certeza existe uma possibilidade de uma polarização interna, fracasso econômico, frustração da população que pode realmente criar condições para uma crise de governança e crise na democracia.
P: Como a comunidade internacional vê Bolsonaro depois de acompanhar as primeiras ações do governo?
R: O que eu tenho visto, para além do Trump, que tem se manifestado favorável, a grande maioria da comunidade diplomática, analítica e acadêmica, tem uma opinião bastante desfavorável à Bolsonaro. É uma pessoa que aplaude os governos militares, que fala mal de mulheres, fala mal de negros, fala mal de LGBT. Quer dizer, tudo isso tem deixado Bolsonaro com uma aparência de ultra-extremista.
O que é interessante é que até a população como um todo nunca poderia comparar Bolsonaro com Haddad como exemplos de esquerda e direita. Ou Bolsonaro com Andrés Manuel López Obrador. Porque o Bolsonaro está nos extremos. Enquanto esses outros: Lula, Andrés Manuel López Obrador são vistos como uma extensão, talvez, do centro.
P: Qual a relevância para o continente da aproximação de Bolsonaro com Israel?
R: Acho que que tem duas bases. Uma é sua própria relação com a igreja evangélica. Quer dizer, que Israel é um símbolo muito importante para os evangélicos. Para os evangélicos nos EUA é um símbolo forte, eu imagino que deve ser ainda mais no Brasil. Segundo, é uma maneira de dar aos EUA uma iniciativa favorável que eles possam aplaudir.
Lembre-se que poucos países tem seguido os EUA em reconhecer Jerusalém como capital da Israel. Apenas países como Honduras e Guatemala e, agora, Brasil. Eu acho que isso é uma coisa simbólica e que não tem muita substância. Porque Israel tem uma relação econômica muito fraca com o Brasil. Israel e Brasil quase não têm comércio e já com os países árabes tem realmente uma exportação muito forte.
P: Você acha que se aliando aos EUA e outros governos de ultradireita, o Brasil pode ser uma peça importante para impulsionar essa ideologia pelo mundo?
R: Eu duvido muito que isso possa acontecer. Como eu disse, o status do Brasil, e o prestígio que o país tem no mundo é justamente pela sua habilidade de lidar com os outros países de uma forma “não-ideológica”. Ou seja, o Brasil podia ter boas relações com países mais conservadores e ao mesmo tempo relações com países mais de esquerda.
Francamente, não adianta o Brasil se tornar mais ideológico porque nenhum país no mundo se deu muito bem com uma agenda de extrema direita e nem com uma agenda de extrema esquerda. E a minha suposição é que isso não levará o Brasil muito longe.
O que vai realmente levar o Brasil adiante e fazer com que o país se torne de fato uma potência mundial com, talvez, uma influência e uma autoridade crescente [no mundo] é colocando a economia do país em ordem. O Brasil será um país mais parecido com o Canadá, Austrália ou os países nórdicos. Não é um país que vai ocupar um espaço ideológico de peso.
P: Recentemente o novo chanceler, Ernesto Araújo escreveu um artigo republicado nos EUA pelo Bloomberg na qual ele diz que “Bolsonaro não foi eleito para deixar o país igual” e rebateu críticas feitas a ele dizendo que “os críticos dirão que, ao falarmos sobre liberdade e democracia e ao levar esses conceitos a sério, estamos sendo ‘ideológicos”. Como você vê a nomeação do novo chanceler Ernesto Araújo? Ele tem uma boa aceitação nos EUA?
R: Eu acho que as coisas que o Ernesto Araújo escreve são confusas. Ele tende a se comunicar fazendo grandes generalizações da onde é difícil obter qualquer diretriz política ou até mesmo princípios que nos guiem. Neste artigo no Bloomberg, ele diz que apoia a democracia e a liberdade de expressão mas não está claro o que ele quer dizer com democracia e liberdade. Tanto Maduro quanto Chávez e Fidel tem dito que estão avançando a liberdade. O que eu entendo é que Araújo é uma pessoa que sabe o que não gosta – socialismo, o PT, Cuba e Venezuela, Wittgenstein- mas não existe clareza sobre o que ele gosta.
O Brasil deve se distanciar da China, que não é uma democracia e reprime a liberdade de expressão? Ou deve incentivar o comércio com a China e o investimento no Brasil que é crucial para retomar o crescimento econômico e criar uma economia que vai trazer mais liberdades para os brasileiros e ajudar a restaurar a crença da população na democracia?
Araújo alega que o Brasil deve ser mais ambicioso com relação a sua política externa para poder ter um papel mais importante, mais status e influência internacional. Mas todos os outros ministros de relações exteriores que eu me lembre também disseram a mesma coisa – Patriota, Lampreia, Amorim, Lafer -, todos eles almejavam grandes aspirações para o Brasil. Mas Araujo não oferece nenhum indício de que ele entende:
1- como o Lula conseguiu acumular estatura política mundial e influência para o Brasil;
2 – que a aliança do Brasil com os EUA (que teve o seu status reduzido com o Trump) possa ser menos interessante do que manter uma política externa independente para servir as ambições que ele tem para o país;
3 – que a influência global que o Brasil tem se potencializa pelas reformas e os sucessos que o país demonstra internamente – economicamente, socialmente, pelas políticas de segurança pública, educação, saúde, igualdade, etc.
Acredito que Trump e Bolton em Washington são atraídos pelas ideias e o temperamento do gabinete de Bolsonaro que pensa como eles. Mas para além desses gestos simbólicos – como apoiar a Israel, se unir contra Maduro, uma possível oferta de uma base militar, e ter saído de diversos acordos dos quais Washington também rejeita-, não tem mais nada que os EUA pode esperar do Brasil, com a sua economia fraca, influência limitada, inclusive na América do Sul, e o seu problema de segurança pública e corrupção. Trump é um cara muito pragmático que busca maximizar os seus interesses. Quando o Brasil voltar a ter um peso político e econômico para poder de fato fazer algo para Washington, aí sim, a administração do Trump talvez possa fazer algo para o Brasil.