Jornalistas passam perrengues absurdos na posse
É uma posse diferenciada e todos têm que entender isso.
Com essas palavras, a assessora do Palácio do Planalto que acompanhava jornalistas num ônibus rumo ao Congresso Nacional, na manhã desta terça (1º), procurava acalmar veteranos da profissão (esta colunista entre eles) que não conseguiam, digamos, entender os novos tempos —e o tratamento reservado à imprensa na posse de Jair Bolsonaro na Presidência da República.
Foi, de fato, algo jamais visto depois da redemocratização do país, em que a estreia de um novo governo eleito era sempre uma festa acompanhada de perto, e com quase total liberdade de locomoção, pelos profissionais da imprensa.
O sufoco começou dias antes, no credenciamento.
Os jornalistas foram informados de que não poderiam ter acesso livre, por exemplo, ao salão nobre do Palácio do Planalto, onde o presidente sobe a rampa, dá posse aos seus ministros e recebe cumprimentos de autoridades internacionais.
Na posse de Lula, em 2003, repórteres chegavam a se aglomerar em torno dele e de Fernando Henrique Cardoso, misturando-se entre a equipe recém-empossada e a que deixava o governo.
Um dos repórteres lembrava, no ônibus, que chegou a subir no elevador do Planalto com Lula, furando um esquema nada rigoroso de segurança.
A colunista chegou a entrar em salas privadas com o então vice-presidente dos EUA Joe Biden na posse de Dilma Rousseff, em 2014.
Desta vez, tudo seria diferente. Apenas um jornalista de cada veículopoderia entrar no palácio, e com acesso restrito às autoridades.
Os outros ficariam do lado de fora, na portaria ou num corredor aberto no meio da população. E a assessoria alertava: neste local, era preciso evitar movimentos bruscos. Fotógrafos não deveriam erguer suas máquinas. Qualquer movimento suspeito poderia levar um sniper [atirador de elite] a abater o “alvo”.
Uma jornalista voltou apavorada para a redação.
Os organizadores da cerimônia também distribuíram orientações por escrito à imprensa: os jornalistas credenciados deveriam chegar ao CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), no dia 1º, às 7 horas da manhã.
Como é que é?
Era isso mesmo: embora a posse no Congresso estivesse marcada para as 15 horas, os jornalistas teriam que se concentrar desde cedo, embarcar nos ônibus às 8 horas, chegar no Congresso pouco depois e esperar, sem fazer nada, por mais de seis horas, para ver Bolsonaro entrar no parlamento.
Era preciso levar lanche pois não haveria comida. Tudo precisava ser embalado em sacos de plástico transparente.
“Garrafas não são permitidas. Haverá água potável disponível nas áreas de imprensa”, dizia o comunicado.
Os veículos providenciaram kits de sobrevivência para seus profissionais. No caso da Folha, bolachas Club Social, biscoitos Bis, castanhas de caju, barrinhas de cereal, gomas de mascar, um sanduíche de queijo e salame e suco de caixinha.
Na terça (1º), logo cedo, os jornalistas, seguindo as regras, chegaram cedo ao CCBB.
Foram todos divididos em grupos, em cercadinhos com grades de ferro: os que iriam para o Congresso sairiam primeiro, depois os do Palácio do Planalto e, por fim, os do Itamaraty.
“Pessoal, vocês vão em 13 ônibus. Às 17 horas, nós traremos vocês de volta”, gritava um assessor que se apresentou como Tiago.
E quem quisesse ficar mais?
“Pessoal, [os seguranças] não vão deixar vocês passarem [nas ruas]. O direito de ir e vir dos jornalistas tá assim!”.
Os repórteres caíram na risada.
Apesar da situação, considerada um tanto surreal, havia motivo para risos. Um deles era a proibição de levar maçã inteira na merenda. Só picada, em pedacinhos.
“Razões de segurança: acham que alguém pode jogar uma delas na cabeça do Bolsonaro. E maçã machuca”, explicava um dos profissionais.
Em fila, todos começaram a embarcar nos ônibus.
“Bem-vindos à rodoviária do CCBB”, dizia o assessor que iria em um dos veículos.
Os alertas eram muitos. “Não tentem subir na Esplanada [dos Ministérios, avenida que leva à Praça dos Três Poderes]. Não tentem passar de uma área à outra. E, mais importante: não tentem pular uma cerca. Não façam isso!”
“A gente tem que avisar. Porque depois alguém toma um tiro…”, completava outra assessora.
“O que nós viramos?”, questionava um veterano jornalista. “Fizemos tudo o que já fizemos para terminar aqui?”
Pouco depois das 8 horas, o comboio de ônibus sai até o Congresso, onde novas surpresas nos esperavam. Ao chegar no parlamento, os repórteres passaram por detectores de metais.
E foram levados ao salão verde da Câmara dos Deputados, na entrada do plenário.
“É surreal!”, reagiu um jornalista ao ver a cena: todas as cadeiras e poltronas do local haviam sido retiradas. Não havia onde sentar. Os profissionais tinham que se acomodar no chão.
Eram centenas de jornalistas, mas só havia um banheiro disponível.
Alguns se dirigiram ao setor do cafezinho. Um segurança logo orientou as copeiras: “Não é para servir nada à imprensa”.
Os profissionais foram convidados a se retirar do local.
Teriam que ficar confinados no salão, separados por um cordão da passarela com tapete vermelho por onde passariam as autoridades.
“É preciso um pouco de dignidade!”, reclamava um repórter.
Um deles conseguiu um banquinho para se sentar. E logo começaram as brincadeiras: era preciso fazer rodízio para que todos pudessem descansar um pouco.
Na mesma situação no Itamaraty, correspondentes internacionais chegaram a se retirar do prédio.
Jornalistas com larga experiência em coberturas políticas prognosticavam: essa postura do governo durará pouco. Até a primeira crise.
Da FSP