Mudança de regras por Bolsonaro revela ausência de embasamento científico

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Analisar decisões de governo envolve compreender as justificativas e critérios adotados na formulação e implementação de políticas públicas, assim como as potenciais consequências dessas medidas e as opções político-ideológicas por detrás.

No caso, o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro para facilitar a posse de arma de fogo revela alguns pontos importantes de serem destacados. O primeiro é que a opção em promover as mudanças por meio de decreto, e não por projeto de lei, demonstra pouca disposição ao contraditório, já que a medida evita o debate legislativo.

Trata-se de uma situação bastante diferente da ocorrida em relação ao Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003) e sua subsequente regulação (decreto 5.123/2004).

Essas normas são resultado de um amplo debate na sociedade, que resultaram de uma proposição do então senador capixaba Gerson Camata em 1999. Em 2005, ainda foi realizado um referendo especificamente sobre o comércio de armas, prevalecendo o voto pela não proibição da comercialização.

De lá para cá, ao contrário do discurso de que a vontade popular não teria sido respeitada, não se viu redução na quantidade de armas em posse de pessoas físicas. Ao contrário, em 2017 foram concedidas 6 novas licenças por hora em todo o país, volume 11 vezes maior do que antes da vigência do Estatuto do Desarmamento.

​E como o Anuário da Segurança Pública indica, as polícias apreenderam, em 2017, quase 120 mil armas de fogo, sendo que 95% nem sequer foram registradas no Sistema Nacional de Controle de Armas, da PF. Dessas, 13.782 foram de armas “legais” que tinham sido perdidas, extraviadas ou roubadas. O problema no país não é permissão ou proibição, mas descontrole e falta de integração entre diferentes órgãos e poderes.

Nenhum governo, desde 2004, conseguiu integrar os sistemas da Polícia Federal e do Exército, bem como não isolou potenciais conflitos de interesse, já que o sistema de controle de munições do Exército é mantido até hoje pela empresa CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos).

O atual governo alega que os critérios para concessão ou não do direito de posse de arma eram discricionários, mas ao adotar como referência a taxa de 10 homicídios por 100 mil habitantes por estado, a regulamentação coloca todo o Brasil como passível de ter posse de arma de fogo.

A taxa média de mortes no país é de cerca de 30 casos para cada 100 mil habitantes e, ao definir que o critério seria apenas 1/3 desta, o decreto também revela a ausência de embasamento científico.

A falta de um critério objetivo, que serviu de justificativa para o decreto, deveria ser sanada com um critério de fato capaz de definir quem pode ou não ter a posse de uma arma de fogo.

O decreto é, ao fim e ao cabo, um subterfúgio para burlar o espírito do estatuto e cumprir uma promessa eleitoral, mesmo que às custas das evidências e de vidas.

Da FSP